por Leonardo Sioufi Fagundes dos Santos
Créditos:arquivo USP.
Há 100 anos, no dia 11 de julho de 1924, no Brasil, em Curitiba, Paraná, nasceu Cesare Mansueto Giulio Lattes, mais conhecido como "César Lattes".
É impossível colocar em um pequeno texto todas as contribuições científicas de César Lattes. Para entender a sua maior contribuição, a descoberta do píon, é necessária uma brevíssima revisão dos problemas da Física da primeira metade do séc. XX.
Até 1935, considerava-se que a matéria era formada por átomos. O átomo era composto por um núcleo em torno do qual estavam os elétrons, partículas de carga elétrica negativa. O núcleo tinha carga elétrica positiva e conseguia atrair os elétrons para o si. Tudo parecia perfeito, mas o núcleo possuía dois tipos de partículas, prótons e nêutrons. Os prótons tinham carga elétrica positiva. Na época, os físicos não sabiam explicar a razão dos prótons não se repelirem entre si devido a mesma carga elétrica. Os nêutrons eram eletricamente neutros, o que não ajudava na explicação da estabilidade do núcleo. Então, os físicos propunham a existência de uma interação nuclear atrativa que mantinha os prótons e os nêutrons juntos.
Em 1935, o físico japonês Hideki Yukawa concluiu que deveria existir uma partícula relacionada à esta atração nuclear atrativa. No entanto, o tempo passava e ninguém conseguia detectar a partícula de Yukawa, comprometendo a solução do mistério da estabilidade nuclear. Após uma busca intensa por físicos de todo o mundo, em 1946 e 1947, uma equipe de físicos detectou o méson pi, mais conhecido como píon, que correspondia exatamente a partícula de Yukawa. Esta equipe era formada pelos físicos Lattes, Muirhead, Occhialini e Powell. Em suma, Lattes participava da solução de um dos maiores problemas da Física da primeira metade do séc. XX.
No ano de 1947, Lattes e outros três físicos publicaram um artigo na conceituada revista “Nature” sobre a descoberta do píon. Lattes aparecia como primeiro autor do artigo, indicando seu papel fundamental no trabalho. Com a detecção do píon, as ideias de Yukawa ficaram comprovadas, o que rendeu o prêmio Nobel para este físico em 1949. No ano seguinte, em 1950, Cecil Powell ganhou sozinho o prêmio Nobel pela detecção do píon, mas Lattes, Muirhead e Occhialini não levaram premiação alguma. A justificativa do prêmio de apenas um dos autores do trabalho na época foi a de que Powell era o chefe do grupo de pesquisa. Lattes foi indicado sete vezes para ganhar o prêmio Nobel, mas faleceu sem obter essa premiação.
Apesar de não ter ganhado o prêmio Nobel de Física, Lattes era reconhecido internacionalmente como primeiro autor do artigo sobre a descoberta do píon e por inúmeras outras contribuições à ciência, trabalhando em várias universidades e grupos de pesquisa ao redor do mundo. Lattes poderia ter abandonado o Brasil, mas demonstrou um grande amor pelo seu país, sendo fundamental no desenvolvimento da ciência brasileira. Ele trabalhou na Universidade de São Paulo (USP), na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) e na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Lattes foi um dos fundadores do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), foi diretor científico do CBPF, membro da Academia Brasileira de Ciência (ABC) e junto com seu antigo professor, Gleb Wataghin, fundou o Instituto de Física da UNICAMP que leva o nome deste último. O legado de Lattes está muito presente em toda a ciência brasileira.
Diversas universidades e instituições e pesquisa brasileiras homenageiam César Lattes. Por exemplo, o principal cadastro brasileiro de currículos de estudantes e professores universitários é chamado de “Plataforma Lattes”. A biblioteca central da UNICAMP também tem o nome de “César Lattes”. O nome do portal de divulgação científica da Sociedade Brasileira de Física, Píon, é uma referência a grande descoberta de Lattes.