Autor: Ildeu de Castro Moreira.
13 de janeiro de 1885 - 3 de dezembro de 1928
Rio de Janeiro, RJ
Física e outras áreas de ciência
Manoel Amoroso Costa, engenheiro, matemático e professor da Escola Politécnica, teve um papel de destaque na ciência brasileira nas primeiras três décadas do século XX.
Foi o principal divulgador e expositor da teoria da relatividade no Brasil. Além disso, juntamente com uma pequena elite de intelectuais e profissionais liberais - entre os quais podem ser mencionados Henrique Morize, os irmãos Ozório de Almeida, Roberto Marinho de Azevedo, Lélio Gama e Teodoro Ramos - participou intensamente de várias atividades e empreendimentos que começaram a traçar um caminho para o desenvolvimento da pesquisa básica no Brasil.
Criaram a Sociedade Brasileira de Ciências (SBC), empenharam-se na criação das primeiras e efêmeras faculdades de filosofia, ciências e letras; participaram da criação da Associação Brasileira de Educação (ABE) - que viria a desempenhar, por muitos anos, um importante papel em defesa da educação pública no Brasil; promoveram muitas atividades de divulgação científica, com a realização de palestras de pesquisadores brasileiros e estrangeiros; publicaram livros e artigos em jornais e ajudaram na fundação da primeira rádio brasileira, a Rádio Sociedade, com propósitos educativos. No terreno filosófico, na esteira de Otto de Alencar, promoveram, especialmente pela pena de Amoroso Costa, crítica intensa ao positivismo comteano, que exercia profunda influência nas escolas profissionais e na vida educacional e política brasileira.
Nascido no Rio de Janeiro, em 13 de janeiro de 1885, Amoroso Costa teve uma educação aprimorada, tendo estudado no Instituto Henrique Köpke. Ingressou na Escola Politécnica, em 1900, e se formou em engenharia civil (1905). Em 1906, colou grau como bacharel em ciências físicas e matemáticas. Exerceu, após a formatura, várias atividades como engenheiro, na construção de pontes e na Inspetoria das Estradas de Ferro. Ingressou, em 1912, na Escola Politécnica, como preparador da cadeira de Aplicações Industriais da Eletrotécnica e, em 1913, foi aí aprovado em concurso de livre-docente com a tese Sobre a formação das estrelas duplas. Em 1924, tornou-se catedrático em Trigonometria Esférica, Astronomia Teórica e Prática de Geodesia. Participou da fundação da Sociedade Brasileira de Ciências, em 1916, que se transformaria na ABC, em 1922, da qual foi diretor, nas duas primeiras diretorias (1917/1920 e 1920/1923), no cargo de segundo secretário. Dirigiu ali a Seção de Ciências Matemáticas, a partir de 1923.
A inserção de Amoroso Costa no movimento de renovação da educação das duas primeiras décadas do século, levaram-no, em 1928, a assumir a presidência da ABE, fundada em 1924. Em anos anteriores, Amoroso Costa havia presidido a Seção de Ensino Técnico e Superior da ABE, onde promovera muitas palestras de pesquisadores brasileiros e estrangeiros, como as de Paul Langevin, Jacques Hadamard e Émile Borel.
Uma notícia curta, publicada em O Jornal, no dia 12 de novembro de 1919, é o primeiro artigo de Amoroso Costa, sobre a relatividade e possivelmente a primeira exposição, feita no Brasil, para o grande público. Nela são comentados os resultados das observações do eclipse, em Sobral, que haviam sido divulgados dias antes, em Londres, e que estavam em consonância com as previsões de Einstein.
Em 1922, Amoroso Costa publica o livro Introdução à teoria da relatividade. Com um livro de excelente qualidade científica, concisão e clareza didática, o autor pretendeu apresentar ao leitor brasileiro os elementos básicos da relatividade especial e geral. Por longos anos esse livro permaneceu como o único aqui publicado que versava sobre a teoria da relatividade geral. Foi influenciado claramente pelas leituras dos artigos originais de Einstein e de alguns outros trabalhos, como os de Eddington, no período que se segue imediatamente à medida experimental da deflexão da luz.
Um trabalho de pesquisa interessante produzido por Amoroso Costa é o artigo Densidade média, centro de gravidade e gravitação newtoniana em um universo de massa total infinita, publicado após a sua morte, onde apresenta um desenvolvimento de idéias já expostas em um artigo anterior, publicado nos Comptes Rendus. Discute aí a possibilidade de se construir modelos newtonianos para o universo com um número infinito de massas que evitem a divergência do potencial gravitacional em todos os pontos. A solução delineada por Fournier d’Albe, Charlier, Seelinger e discutida e aprimorada por Borel e Amoroso Costa, utiliza, em termos atuais, uma distribuição fractal para as massas. Neste caso, além da resolução do problema da divergência, surge uma solução simples, dentro do quadro newtoniano, para o incorretamente denominado paradoxo de Olbers: num universo newtoniano infinito, com densidade média não nula, o céu deveria ser sempre claro, mesmo à noite, iluminado pelas infinitas estrelas. Amoroso Costa, além de precisar melhor e de dar maior rigor a diversos resultados e modelos, vai mostrar que a noção de centro de massa do universo, que era tida como válida por muitos autores, não pode ser estendida para um universo deste tipo.
As novas idéias sobre a microfísica, como por exemplo os trabalhos de Rutherford, Bohr e Sommerfeld, foram apresentadas por ele no artigo de divulgação As duas imensidades. Desenvolveu também importantes pesquisas sobre as geometrias não-arquimedianas, apresentadas em seminários, na França, em 1928, - tema este de estudo permanente em matemática e que tem recentemente despertado o interesse dos físicos pela possível aplicação em distâncias extremamente pequenas.
Muitas das contribuições matemáticas de Amoroso Costa foram analisadas por Lélio Gama. Diversos de seus artigos, publicados em jornais e revistas, sobre cientistas e pensadores importantes, como Borel, Kant, Poincaré, Pascal, Bergson, Brunschvicg e outros, que divulgaram para toda uma geração novas concepções sobre o significado e a filosofia da ciência, encontram-se reproduzidos em seu primoroso livro As idéias fundamentais da matemática, publicado, em 1929, após a sua morte.
Suas conferências científicas ficaram famosas no Rio e tiveram importantes repercussões. As principais foram: Conferência sobre Otto de Alencar, Escola Politécnica, 29/04/1918, onde critica as idéias positivistas; A filosofia matemática de Poincaré, lida na sessão da SBC de 03/05/1920; A teoria da relatividade, palestras realizadas, em 1922, na Escola Politécnica; As idéias fundamentais da matemática, 10 palestras proferidas na Escola Politécnica, 1926; As geometrias não euclidianas, série de palestras realizadas na Escola Politécnica e organizadas pela ABE, 1927; L’univers infini - Quelques aspects du problème cosmologique, Collège de France, 23/03/1928; Les géométries non-archimédiennes, Universidade de Paris, 1928; As geometrias não arquimedianas, série de 4 conferências patrocinadas pela ABE, agosto de 1928. A terceira série de conferências mencionada acima deu origem ao livro sobre a relatividade, a quarta ao livro de mesmo título e as seguintes, cujos manuscritos foram re-encontrados recentemente, serão integralmente publicadas em breve.
Durante sua vida profissional, esteve por três vezes na França para estudar e pesquisar assuntos de seu interesse: nos anos de 1920/1921, de meados de 1924 a meados de 1925 e no início de 1928. Assistiu cursos, entre os quais os de Abel Rey, Léon Brunschvicg e Henri Andoyer. A última viagem à França, em 1928, foi patrocinada pelo Instituto Franco Brasileiro de Alta Cultura; neste período apresentou o seminário no Collège de France sobre cosmologia e lecionou, com êxito reconhecido, a série de palestras sobre as geometrias não-arquimedianas na Sorbonne.
No dia 3 de dezembro de 1928, Amoroso Costa desaparecia prematuramente, juntamente com vários colegas ilustres como Tobias Moscoso, Daniel Henninger e Ferdinando Labouriau, no famoso e trágico acidente do hidroavião Santos Dumont, que mergulhou nas águas da Baía de Guanabara. O hidroavião havia decolado para recepcionar o inventor Santos Dumont, que aportaria no Rio naquele dia. Com sua morte e a de vários de seus colegas, a cultura e a ciência brasileiras sofreram uma perda significativa e repentina. Amoroso Costa estava, então, no auge de suas atividades acadêmicas. Desenvolvia pesquisas originais em matemática e física, empenhava-se fortemente na melhoria do ensino no Brasil, organizava e participava de eventos diversos de divulgação científica. Comento abaixo alguns de seus trabalhos.
Referências:
1 - Carneiro, Eneraldo e Moreira, Ildeu de Castro - Amoroso Costa e a introdução da Relatividade no Brasil, Supl. Ciência e Cultura 38, 288 (1986).
2 - Ferreira, Luiz Otávio - Nota sobre a origem da Academia Brasileira de Ciências, Ciência Hoje, vol. 16, nº 96, 32-36 (1993).
3 - Gama, Lélio - Amoroso Costa, An. Acad. Bras. Ciências 1 (n° 1), 28-38 (1929).
4 - Lima, Alceu Amoroso - Companheiros de viagem, José Olympio Editora, Rio de Janeiro, 1971.
5 - Moreira, Ildeu de Castro - Um inédito de Amoroso Costa: Nota sobre o deslocamento dos continentes, Bol. Soc. Bras. Hist. Ciência, nº 10, 6-7 (1991).
6 - Paim, Antônio - O neopositivismo no Brasil. Período de formação da corrente, em As idéias fundamentais da matemática e outros ensaios, 39-63, (Editora Convívio/EDUSP, São Paulo, 1981).
7 - Paty, Michel et Petitjean, Patrick - Sur l’influence scientifique française au Brésil aux XIXe et XXe siècles, Cahiers des Amériques Latines, 4, nouvelle série, 31-48 (1985).
8 - Ozório de Almeida, Miguel - Amoroso Costa, em A vulgarização do saber, pp. 47-57, Ariel, 1931, Rio de Janeiro.
9 - Ramos, Theodoro Augusto - Estudos - vol I, pp. 15-25, Melhoramentos, 1933, São Paulo.
10 - Reis, Felipe dos Santos - M. Amoroso Costa. A vida e as obras do mestre, Revista do Clube de Engenharia n° 157, 301-304 (1949).
11 - Reis, Felipe dos Santos - Amoroso Costa, Anuário da Faculdade de Engenharia da UEG n° 1, 1964.
12 - Santos, Arthur Gerhardt - Apontamentos para a biografia de Amoroso Costa, em As idéias fundamentais da matemática e outros ensaios, 13-25, (Editora Convívio/EDUSP, São Paulo, 1981).
13 - Venâncio Filho, Francisco - Amoroso Costa, em A Ordem, 25/07/1929.
14 - M. Amoroso Costa - Introdução à teoria da relatividade (Sussekind de Mendonça, Rio de Janeiro, 1922). Segunda edição: Editora da UFRJ, 1995.
15 - M. Amoroso Costa - As idéias fundamentais da matemática, 264 pp., (Pimenta de Melo, Rio de Janeiro, 1929); As idéias fundamentais da matemática e outros ensaios, 330 pp., apresentação de Miguel Reale, (Grijalbo/EDUSP, São Paulo, 1971); As idéias fundamentais da matemática e outros ensaios, introdução de Arthur Gerhardt Santos, Lélio Gama e Antônio Paim, 330 pp., (Editora Convívio/EDUSP, São Paulo, 1981).