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Foto: Prof. Marcelo Knobel - obtida no site da Unicamp

As ideias do prof. Marcelo Knobel para se encantar com ciência e combater as pseudociências 

Por Mariana Hafiz

O que curiosidade tem a ver com negacionismo? Por que é importante que o pensamento crítico seja estimulado especialmente a partir da infância? Isso pode ter diferença na hora de se vacinar, tomar algum remédio ou consumir informação sobre ciência na internet?

Em seu último livro, “A Ilusão da Lua: ideias para decifrar o mundo por meio da ciência e combater o negacionismo”, o professor Marcelo Knobel argumenta que sim. Composto por três partes, o livro busca esclarecer tanto a forma com que a ciência está presente em todos os aspectos da vida cotidiana quanto dar sugestões para diminuir os efeitos do negacionismo científico. Além disso, traz ideias de como lidar com as pseudociências, ou seja, promessas de curas, tratamentos ou qualquer outra ideia camuflada com linguagem científica, mas que não possui embasamento na ciência.

Conciso na linguagem e perene nas ideias, em 152 páginas o livro traz questões importantes para o futuro de um país e mundo atordoados pelos escapes às certezas científicas. É possível lembrar, por exemplo, que a adesão vacinal no país está historicamente baixa desde 2015 e que, com a pandemia, uma nova onda de confronto às evidências ficou mais visível. 

Apesar de não serem causadas unicamente por descrença à ciência, essas posições se tornam particularmente perigosas quando são extrapoladas para o nível das decisões públicas — como definir quais tratamentos serão incorporados pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Nesses casos, dinheiro público seria utilizado para financiar intervenções que não seriam eficazes. 

Por isso, segundo o autor, é importante que cada vez mais cientistas e instituições de pesquisas levem a ciência para além dos muros acadêmicos, se aproximando da sociedade. Isso passa também por levar mais assuntos sobre ciência e tecnologia à imprensa, focando não só nos resultados das pesquisas, mas nas perguntas — as quais são a força motriz do conhecimento. No livro, essa seria uma forma institucionalizada de lidar com o negacionismo através da aproximação entre ciência e diferentes esferas da sociedade.

Existe outro lado, contudo, de níveis mais individuais de escolhas, em que ter mais conhecimento sobre ciência pode ser benéfico. Quando falamos de decisões diárias que envolvem ciência — escolher se e qual remédio tomar, vacinar-se ou vacinar um filho(a), em que momento sair de casa durante uma pandemia, usar máscara em público ou não, aderir a um tratamento sem eficácia comprovada — a qualidade da informação é um dos aspectos envolvidos. Neste sentido, a desinformação científica é relevante e Marcelo propõe no livro que o caráter investigativo da ciência também pode ser aliado das estratégias para combatê-la.

Segundo ele, estimular a curiosidade, principalmente nas crianças, é fundamental nesse sentido porque, na verdade, a ciência nada mais é do que um acúmulo de tentativas de respostas a vários mistérios sobre o mundo em que habitamos — seja as características físicas e naturais dos planetas ou os mecanismos das sociedades e diferentes culturas coexistentes. Essa é uma das primeiras coisas que o professor argumenta no livro, narrado em primeira pessoa e mescla experiências pessoais com os aprendizados de um físico, professor e ex-reitor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp): “As crianças têm muita curiosidade, excesso, talvez, que infelizmente vai diminuindo com o passar dos anos. Na realidade, não é a vontade de entender o mundo que vai diminuindo, é a frustração das crianças com as respostas que vai aumentando”. 

A questão é que o efeito dessa perda gradual, porém progressiva do encantamento frente aos processos que levam ao acúmulo de conhecimento ficam muito marcadas com a penetração das redes sociais e mídias digitais no cotidiano: certezas infalíveis são muito sedutoras e circulam mais enquanto o conhecimento científico, lapidado por séculos e pelo trabalho conjunto de grupos de cientistas aparentemente não é tão atraente. O mesmo acontece com as notícias profissionais (ou a categoria de informação oposta à desinformação).

Por isso, o autor propõe que uma maior compreensão da lógica do conhecimento científico ajuda a navegar pelos diferentes tipos de informação disponíveis atualmente, ou no mínimo a gerar mais resiliência às incertezas e apreço às perguntas, ao invés de focar nos resultados. “A curiosidade tem que vir acompanhada com o espanto, com a beleza, com o inusitado, tem que vir com sentimentos que despertem a vontade de querer saber mais. Para fazer uma boa divulgação científica a gente deve focar no processo porque ao fazer isso a gente incentiva o pensamento crítico”, diz. 

Um maior esclarecimento sobre o método científico também pode ser particularmente importante para, ao receber informações no WhatsApp ou redes sociais, seja mais fácil identificar os impostores. É nesse sentido que o pensamento crítico pode ser um aliado ao combate às pseudociências — deixando claro que aqui o perigo diz respeito ao que se vende como ciência sem sê-la, especialmente em tratamentos médicos, o que não entra no mérito das religiões ou outros sistemas de crença, que não pretendem se fingir de ciência e sequer precisam fazê-lo para ter importância e credibilidade na vivência dos indivíduos.

“Eu gosto muito de uma definição que diz que a diferença entre a ciência e a pseudociência é que a ciência acredita nas evidências e está disposta a mudar suas hipóteses baseadas nessas evidências, o que não acontece com a pseudociência. Então, estar sempre se questionando, sempre observando, sempre verificando é um papel absolutamente essencial nas ciências”, afirma o autor. “Acho que isso é o mais importante e relevante para mostrar como a ciência funciona, que é a partir de um pensamento crítico e de uma observação crítica do mundo que nos cerca”. 

O livro é uma das iniciativas do professor, que reuniu ideias que foi acumulando ao longo da sua profissão como físico e pesquisador e durante sua gestão como reitor da Unicamp. Ele também trabalha com esses interesses nas pesquisas que realiza sobre Percepção Pública da Ciência e Tecnologia no Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo da Unicamp (Labjor). 

Seu diagnóstico é que ainda falta entender e aplicar muito conhecimento sobre engajar as pessoas com ciência — o que não será uma tarefa fácil e que talvez signifique abdicar do rigor científico. “Eu acredito que a gente tem que encontrar uma linguagem adequada para fazer divulgação científica. Acho que a gente não tá conseguindo atingir o nosso público, de alguma maneira não está chegando nas pessoas, não está conseguindo se comunicar de uma maneira que as pessoas queiram ver e ouvir. A gente tem que encontrar mecanismos que chegue nas pessoas, talvez explorar outras mídias, acho que é por aí”.