Uma pesquisa realizada por físicos brasileiros descobriu fenômenos de transporte de carga e momento angular em materiais antiferromagnéticos, com foco no efeito Hall orbital anômalo, um feito inédito na literatura científica. Os resultados foram publicados no dia 14 de janeiro de 2025 no periódico científico Physical Review Letters (PRL) no artigo “Anomalous Spin and Orbital Hall Phenomena in Antiferromagnetic Systems”. A pesquisa e o artigo foram preparados apenas por cientistas brasileiros das Universidades Federais de Pernambuco (UFPE) e de Viçosa (UFV), em Minas Gerais.
Esse efeito descreve a geração de correntes orbitais em resposta a um campo elétrico, de maneira similar ao efeito Hall de spin, mas envolvendo o momento angular orbital dos elétrons em vez do spin. O trabalho foi conduzido por meio de experimentos de bombeamento orbital e spin em heteroestruturas compostas por granada-de-ítrio-ferro (YIG), platina (Pt) e a liga de irídio-manganês (Ir₂₀Mn₈₀), que é um material antiferromagnético.
Antonio Azevedo, físico da UFPE, explica que o estudo demonstrou um aumento de sete vezes no sinal de conversão de corrente orbital em corrente de carga, em comparação com a conversão de corrente de spin em corrente de carga no IrMn, representando um avanço significativo no controle de propriedades quânticas dos elétrons.
A spintrônica é um campo da física que estuda o transporte do momento angular de spin dos elétrons, permitindo a criação de dispositivos mais rápidos e eficientes. Já a orbitrônica, uma abordagem emergente que vem sendo discutida teoricamente desde 2018 e que apresenta avanços experimentais a partir de 2020, explora o momento angular orbital, que surge do movimento dos elétrons e pode ser manipulado para aplicações tecnológicas inovadoras.
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“O nosso trabalho é o primeiro que verifica experimentalmente o efeito Hall orbital num material antiferromagnético. Apesar dos antiferromagnetos serem amplamente investigados por diferentes grupos de pesquisa internacionais, na literatura, desconhecemos outro trabalho que tenha mostrado tal descoberta nesta classe de materiais. E, neste sentido, podemos afirmar que a pesquisa realizada no Brasil tem produzido estudos pioneiros envolvendo este campo de pesquisa”, afirma o físico Joaquim Mendes, da UFV. As primeiras medições experimentais começaram com o cientista José Elias Neto, que hoje realiza pós-doutorado na Finlândia, na Universidade Aalto.
Azevedo explica que, tradicionalmente, a separação de elétrons com spins opostos requer materiais pesados, como platina e tungstênio, devido à interação spin-órbita. No entanto, a nova pesquisa demonstrou que a separação do momento orbital pode ocorrer sem essa necessidade, tornando possível o uso de materiais mais abundantes, como cobre e titânio.
Os experimentos utilizaram uma estrutura composta por irídio-manganês e uma camada intermediária de platina sobre um substrato de YIG, que foi responsável por gerar uma corrente de spin pura, enquanto a platina converteu essa corrente em uma corrente orbital, devido à sua forte interação spin-órbita. Essa corrente orbital foi então injetada em um filme de Ir₂₀Mn₈₀, sendo convertida em uma corrente elétrica mensurável.
O estudo revelou que, diferentemente dos fenômenos conhecidos, em que a corrente de spin e o spin são perpendiculares, é possível gerar conversões onde ambos são paralelos, ampliando o efeito Hall orbital convencional. Essa descoberta desafia a compreensão tradicional sobre a conversão de corrente de spin e pode levar a novas aplicações tecnológicas.
O efeito Hall orbital anômalo, identificado na pesquisa, demonstrou que a conversão de correntes pode ocorrer de forma mais eficiente do que se imaginava, superando barreiras impostas por modelos teóricos anteriores. Isso pode ter implicações diretas no desenvolvimento de novos dispositivos eletrônicos baseados em propriedades quânticas.
“Foi um resultado impressionante”, afirma Azevedo. “Uma das limitações da spintrônica é apresentar só uma configuração no qual você transformava a corrente de spin em corrente de carga, que é uma configuração onde o spin é sempre perpendicular à direção de propagação. Mas a gente está mostrando que não. Existem outras configurações que são possíveis. Isso abre um leque muito grande de possibilidades de se verificar o fenômeno. E, além disso, agora sabemos que podemos usar materiais que não eram possíveis de serem usados antes.”
Para Azevedo, os resultados colocam a orbitrônica como uma alternativa promissora à spintrônica, expandindo as possibilidades de manipulação de cargas e momentos angulares para futuras tecnologias. Se comprovado em diferentes materiais e escalas, esse avanço pode impactar desde a fabricação de chips até o desenvolvimento de novos sensores e sistemas de armazenamento de informação quântica. Os resultados apontaram também para a possibilidade de converter correntes spin-orbitais em correntes elétricas nesses materiais.
“Para aplicações, a nossa pesquisa revela um aumento da eficiência em nanodispositivos que estão presentes na indústria, como memórias magnéticas. Esse aumento da eficiência a partir dessa nova área da orbitrônica se torna clara a partir do nosso trabalho e de vários outros trabalhos que vêm surgindo na área. E, como explica Azevedo, essa nova configuração experimental é muito importante para o desenvolvimento de novos dispositivos. E além do aumento da eficiência, essa nova configuração permite a conversão de corrente orbital em corrente elétrica”, explica Eduardo Santos, aluno de doutorado da UFPE que também participou da pesquisa.
Além disso, Azevedo lembra que essa descoberta pode proporcionar outros desdobramentos. “Eu estou convencido de que, se você tiver uma quebra de simetria estrutural, por exemplo, se os átomos se organizarem na estrutura cristalina de uma forma diferente de perpendicular, esse efeito deverá ocorrer também. Então, a gente já está com algumas ideias para fazer materiais com quebra de simetria não necessariamente magnética, mas uma quebra de simetria elétrica. E isso abre um leque de fenômenos do ponto de vista de física básica, que é uma coisa ainda não conhecida, inexplicada ainda do ponto de vista teórico”, diz o cientista sênior, que foi convidado pelo Journal of Applied Physics para participar como editor de número especial sobre o estudo publicado na PRL. “As pessoas estão conscientes agora de que o momento angular orbital tem um papel mais fundamental do que o de spin. É como se a orbitrônica fosse mais fundamental do que a spintrônica”, afirma o cientista.
(Colaborou Roger Marzochi)