O céu repleto de estrelas quase sempre era acompanhado pela Lua nas memórias das noites de infância de Nádja Cajado da Silva, hoje professora de Física do Ensino Médio na rede pública Estadual da Bahia. Sem televisão à época, Nádja e seus cinco irmãos se juntavam para ouvir causos de seus pais e avós em sua casa na zona rural de Caldeirão Grande, cidade a 333 quilômetros de Salvador.
Quando a Lua estava alta, seu avô explicava o que deveria se plantar em cada uma de suas fases. “Na Lua crescente, ele dizia que era bom plantar feijão e milho; na Lua minguante, era tempo de repouso. Ele conversava bastante com a gente. Eu sou filha de costureira e agricultor e na zona rural não tinha televisão. Então, em vez de assistir a novelas, meus pais e os meus avós contavam histórias”, lembra Nádja.
Foi esse interesse pelo céu estrelado que guiou a jovem até a Física, tornando-se a única dos cinco irmãos a conquistar um diploma de ensino superior e, mais recentemente, a participar de um curso que marcou a sua vida: a Escola Sirius para Professores do Ensino Médio (ESPEM), um evento que em sua sétima edição reuniu, entre 13 a 17 de janeiro de 2025, um total de 60 professores do Ensino Médio de escolas públicas e privadas nas áreas de Física, Biologia e Química. Os professores visitaram o Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), em Campinas, São Paulo, que desenvolve pesquisas de ponta na ciência brasileira. O curso foi criado em 2018 pelo CNPEM e tem a parceria da Sociedade Brasileira de Física (SBF) desde o seu início.
“A ESPEM foi novamente um sucesso e está crescendo a cada ano, trazendo participantes de praticamente todos os Estados brasileiros”, afirma o cientista Murilo Santhiago, coordenador da ESPEM. “O CNPEM é um ambiente altamente tecnológico e o evento mobiliza muitos cientistas da instituição. A parceria da SBF, que também está ligada a aspectos da área de educação, é também muito importante para que a gente consiga organizar esse evento com a grandiosidade que ele alcança a cada edição.”
“Esse foi um dos melhores anos da ESPEM”, concorda Vitor Acioly, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), que, junto ao professor Antonio Carlos Fontes dos Santos, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), representa a SBF no projeto. “Eu me sinto bem realizado! O primeiro curso contou com 20 vagas, o segundo, 35. E o número de vagas foi ampliado, chegando atualmente a 60. Neste ano, participaram professores de diversas regiões, incluindo Oiapoque, áreas ribeirinhas da Amazônia, Acre, Rondônia e Roraima”, explica Acioly.
É no CNPEM que está localizado o Sirius, um acelerador de elétrons que produz a chamada “luz síncrotron”, capaz de fazer uma “fotografia” de átomos e moléculas. Este é o maior e mais avançado equipamento da Física brasileira, um sistema de quarta geração presente em apenas outros dois países no mundo, França e Suécia. Suas linhas de luz têm contribuído para avanços em diversas áreas, desde estudos sobre o grafeno até pesquisas voltadas ao combate ao vírus da Covid-19.
Durante cinco dias, os membros do curso ESPEM tiveram a oportunidade de conhecer de perto o Sirius, entre outras áreas de extrema importância para a ciência brasileira. É no CNPEM onde está localizada a ILUM, instituição de ensino superior aberta em 2021, cujo vestibular é mais concorrido que o de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), promovendo um ensino interdisciplinar de ciências que poderá colaborar na formação de pesquisadores de alto nível.
Santhiago explica que os alunos chegam ao CNPEM e já sentem a sua grandiosidade ao sair do ônibus: uma instalação de 68 mil metros quadrados, área próxima ao do Estádio do Maracanã, que fica em Barão Geraldo, bairro boêmio de Campinas no qual está localizado também o campus da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Os alunos são recepcionados por Antonio José Roque da Silva, diretor-geral do CNPEM, e pelos diretores de cada um dos laboratórios da entidade. Ao longo da semana, eles participam de palestras, aulas e experimentos, além de conhecerem o Sirius, o Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), o Laboratório Nacional de Biorrenováveis (LNBR), o Laboratório Nacional de Biociências (LNBio), o Laboratório Nacional de Nanotecnologia (LNNano), a Ilum Escola de Ciência e a Diretoria Adjunta de Tecnologia (DAT). “Os alunos colocam a mão na massa! E, por isso, essa parte experimental também torna a experiência ainda mais rica. Acredito que, mesmo em um curto espaço de tempo, oferecemos um cenário bastante amplo aos participantes”, afirma Santhiago.
A empolgação com a ESPEM vai além do brilho nos olhos de seu coordenador. “Foi muito gratificante ouvir as reflexões sobre o Ensino de Física do Brasil nas palestras dos professores Nelson Studart e Adalberto Fazzio, assim como os professores representantes da SBF que estavam lá. Foi uma imersão muito importante para dialogar sobre o Ensino, não só sobre o Ensino de Física, mas como o Ensino de Biologia e Química”, afirma a professora Nádja, que concluiu seu mestrado em Ensino de Física pela Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), em 2023.
Antes dessa experiência, Nádja fez uma formação em STEAM pelo Instituto Anísio Teixeira, sigla que simboliza a importância das áreas de Artes, Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática para a inovação. Após visitar o CNPEM, ela afirma que aquilo foi um verdadeiro “parque de diversões da ciência”. “Eu pude vivenciar lá um verdadeiro parque de diversão da ciência, que proporcionou uma visão mais ampla, interdisciplinar da ciência. Mostrou como as diferentes áreas do conhecimento se conectam e complementam. Essa nova perspectiva me motivou muito a buscar constantemente novas formas de tornar minhas aulas mais engajadoras e relevantes para os meus alunos.”
É música para os ouvidos do CNPEM e da SBF. “Uma das características desse curso é que o professor da Educação Básica, após ter contato com tudo isso, ele vai saber que nós brasileiros, sim, produzimos ciência de ponta, que está na fronteira do conhecimento. E a gente tira aquela síndrome do vira-lata”, diz o cientista Acioly.
“Nós sempre buscamos que a ESPEM seja cada vez melhor, para que os alunos absorvam mais conhecimento e levem essas informações aos alunos do Ensino Básico, porque fazer ciência em alto nível como fazemos aqui sem dúvida será uma grande motivação para estimular o nascimento de futuros cientistas”, diz Santhiago.
A professora Nádja que o diga: “a minha mensagem aos professores é sobre a importância de buscar novas experiências e aprendizados, especialmente para quem participou da ESPEM, pois ela demonstra que, apesar dos desafios do Ensino Médio, é possível inovar e inspirar os alunos. A Física, em especial a Quântica, deve ser apresentada como mais do que uma disciplina teórica, sendo uma oportunidade para despertar o interesse pela Ciência e pelo mundo. O segredo está em aplicar o conhecimento adquirido em eventos como a ESPEM no cotidiano da sala de aula, adaptando-o à realidade dos alunos e evidenciando como a Ciência pode transformar o mundo.”
(Colaborou Roger Marzochi)