De acordo com o Censo de Ensino Superior do Inep, em levantamento cobrindo o período de 2014 a 2023, 73% dos ingressantes nos cursos de Física desistiram do curso. Além disso, dados do Censo da Educação Superior de 2019 indicam que três em cada quatro estudantes de Física tiveram o mesmo destino. Esses são números que superam os de outros cursos como Química, Matemática, Pedagogia e Biologia, que historicamente também registram alta evasão estudantil.

Para os pesquisadores Bianca Vasconcelos do Evangelho Franco (Sociedade Educacional Santa Isabel – Cesi), Tobias Espinosa (UFRGS) e Leonardo Alburquerque Heidemann (UFRGS), esses dados são “particularmente alarmantes” e geraram questionamentos cuja busca de respostas culminou no artigo Autorregulação acadêmica como um elemento importante da intenção de persistir: um estudo empírico com estudantes de graduação em Física, publicado na revista científica Ensaio – Pesquisa em Educação em Ciências, em março deste ano.

O intuito do trabalho foi compreender a persistência estudantil universitária traçando relação entre os construtos preditores de persistência (crenças de autoeficácia, senso de pertencimento e percepção da relevância curricular) – propostos por Tinto (2017, 2022) – e a autorregulação de aprendizagem. Para isso, além do levantamento de referências, os pesquisadores aplicaram um questionário a 140 estudantes de bacharelado e licenciatura em Física de gêneros diferenciados e idade entre 17 e 58 anos.

As perguntas abordavam comportamentos autorregulatórios, crenças de autoeficácia, percepção da relevância curricular e senso de pertencimento. Os resultados da análise descritiva mostraram que mais de 60% dos estudantes se percebiam adotando comportamentos autorregulatórios relacionados à avaliação do próprio desempenho. No entanto, mais de 40% dos alunos relataram dificuldades em organizar rotinas de estudo adequadas, evidenciando uma lacuna na fase de planejamento, considerado crucial para o sucesso acadêmico.

Para os autores, as capacidades autorregulatórias podem ser desenvolvidas em sala de aula. “O currículo dos cursos de Física não costuma incluir diretamente disciplinas focadas exclusivamente no ensino de estratégias de autorregulação da aprendizagem, no entanto, essas competências podem ser desenvolvidas por meio de atividades que incentivem os estudantes a planejar, monitorar e avaliar seus próprios processos de aprendizado”, defendem.

3.	Modelo de Autorregulação da Aprendizagem de Rosário (2004)
Modelo de Rosário (2004) também é citado como base teórica para investigar as relações entre autorregulação e persistência.

De acordo com a equipe de físicos, tais ações poderiam ser aplicadas ao longo de toda a graduação, com ênfase nas disciplinas introdutórias, “período no qual se concentram as maiores taxas de evasão, devido à necessidade de adaptação dos estudantes aos valores e à dinâmica universitária, que contrasta significativamente com a da educação básica”.

Outro potencial auxílio para o desenvolvimento de estratégias de autorregulação apresentado pelos pesquisadores seriam os projetos extracurriculares. Para Franco, Espinosa e Heidemann, processos de modelagem social, nos quais estudantes mais experientes compartilham suas próprias estratégias de estudo com os novatos, são algumas das alternativas para o aprendizado de habilidades autorregulatórias. “Além disso, a flexibilidade desses projetos permite a criação de atividades direcionadas, como palestras sobre autorregulação e dinâmicas práticas que envolvem o estabelecimento de metas claras, monitoramento do progresso, autorreflexão e a aplicação de técnicas de estudo ativo”, exemplificam. Apresentar feedback personalizado comporia outro momento necessário, ajudando a direcionar as abordagens escolhidas por cada aluno e a aprimorar as habilidades individuais ao longo do tempo.

Modelo de Autorregulação da Aprendizagem de Zimmerman (2000)
O Modelo de Autorregulação da Aprendizagem de Zimmerman (2000) propõe um processo autorregulatório que envolve três fases cíclicas.

A escassez de trabalhos que abordam os impactos de ações de combate à evasão ou o fomento à persistência – identificada em uma ampla revisão de literatura realizada pelos pesquisadores, apresentada no artigo publicado na revista Investigações em Ensino de Ciências (Franco; Moraes; Espinosa; Heidemann, 2022) – dificulta a busca por soluções ao problema apresentado, porém os subsídios existentes oferecem ações pertinentes, dentre as quais encontra-se o acolhimento dos ingressantes e ações de integração dos estudantes, tanto no contexto acadêmico quanto social. Um exemplo citado pelos pesquisadores é o programa de mentoria desenvolvido na Licenciatura em Física da UFRGS, que oferece suporte contínuo e estruturado aos alunos – Revista Ensaio (Calsing; Heidemann, 2023).

“Laços de amizade e colaboração são fundamentais para que os alunos construam um sentimento de pertencimento ao curso e à universidade”, defendem os professores, que descrevem os métodos ativos de ensino como uma estratégia poderosa de combate à evasão, “pois além de promover resultados melhores de aprendizagem, estimula o trabalho colaborativo e a construção de relações sociais”.

Há de se destacar que a diversidade de gênero e socioeconômica são um desafio a ser transposto pela academia. Para o grupo, é essencial que as instituições de ensino superior desempenhem um papel ativo na criação de um ambiente acolhedor e inclusivo, o que pode ser alcançado por meio de interações formais e informais entre estudantes, professores e funcionários, e atividades que vão além das disciplinas tradicionais. Como sugestão, os autores citam eventos sociais e culturais que envolvam a comunidade acadêmica e reforçam aplicação de métodos ativos de ensino, um incentivo à interação e colaboração entre estudantes de diferentes perfis.

Os resultados do estudo realizado pelos pesquisadores oferecem alternativas para instituições de ensino superior, que podem considerar a implementação de programas e intervenções que promovam a autorregulação na academia. “O desenvolvimento de uma consciência crítica de si mesmo e da instituição é fundamental para construir estratégias que promovam o engajamento do aluno e a transformação cultural dos cursos de Física”, concluem.

Adeptos ao movimento Ciência Aberta, os pesquisadores disponibilizaram os dados subjacentes à pesquisa no repositório de dados abertos da plataforma Scielo. O artigo publicado na Revista Ensaio pode ser acessado por meio da plataforma Scielo.

Informações adicionais

Métodos

Para investigar a relação entre autorregulação acadêmica e persistência, o estudo utilizou os seguintes métodos:

  1. Questionário Online: com questões relacionadas à autorregulação acadêmica, crenças de autoeficácia, percepção de currículo, senso de pertencimento e intenção de persistência. Os estudantes indicaram a frequência com que se percebiam adotando comportamentos autorregulatórios em uma escala de 1 (Nunca) a 5 (Sempre).
  2. Análise Descritiva: análise descritiva das respostas dos estudantes às afirmativas do questionário.
  3. Análise de Correlação: análise de correlação entre os construtos investigados. Ajudou a identificar se existiam relações estatisticamente significativas entre a autorregulação acadêmica e a intenção de persistência, bem como com as crenças de autoeficácia, senso de pertencimento e percepção da relevância curricular.
  4. Análise de Regressão Linear: Por fim, foi realizada uma análise de regressão linear para examinar a intenção de persistência em função dos demais construtos. Essa análise permitiu entender como a autorregulação e outros fatores preditores influenciam a intenção dos estudantes de persistir em seus cursos.

Principais modelos teóricos referenciados

  1. Modelo de Autorregulação da Aprendizagem de Zimmerman (2000): propõe um processo autorregulatório que envolve três fases cíclicas – planejamento (fase prévia), execução e avaliação.
  2. Modelo de Tinto (2017): Este modelo é utilizado para compreender a relação entre a autorregulação da aprendizagem e os construtos preditores da persistência dos estudantes.
  3. Modelo de Autorregulação da Aprendizagem de Rosário (2004): embora não detalhado no texto, esse modelo também é citado como base teórica para investigar as relações entre autorregulação e persistência.

Por Frederico S. M. de Carvalho

Curadoria:

  • Glauco dos Santos Ferreira da Silva
  • Marta Maximo Pereira
  • Pela CAPEF

Referência ao artigo:

FRANCO, Bianca Vasconcelos do Evangelho; ESPINOSA, Tobias e HEIDEMANN, Leonardo Albuquerque. AUTORREGULAÇÃO ACADÊMICA COMO UM ELEMENTO IMPORTANTE DA INTENÇÃO DE PERSISTIR: UM ESTUDO EMPÍRICO COM ESTUDANTES DE GRADUAÇÃO EM FÍSICA. Ens. Pesqui. Educ. Ciênc. [online]. 2024, vol.26, e45565. Epub 05-Fev-2024. ISSN 1983-2117. https://doi.org/10.1590/1983-21172022240167.

Palavras-chave: Intenção de persistência ou evasão; Autorregulação; Física.

Referências adicionais

Em resposta à entrevista para a Antessala do Ensino, os Físicos lançaram mão de alguns trabalhos que nortearam as respostas ou que desenvolvem o tema de forma mais aprofundada. Aproveitamos para disponibilizar a vocês tais referências, para que também auxiliem novas pesquisas na área.

Calsing, I. W., & Heidemann, L. A. (2023). Um estudo sobre a influência de um programa de mentoria na motivação para a persistência de licenciandos em Física durante o ensino remoto emergencial. Ensaio: Pesquisa em Educação em Ciências, 25, e39652. https://doi.org/10.1590/1983-21172023250120

Franco, B. V. D. E., Moraes, K. R. D. M., Oliveira, T. E. D., & Heidemann, L. A. (2022). Evasão e persistência estudantil em cursos de graduação das áreas de ciências e matemática: uma revisão da literatura. Investigações em ensino de ciências.
Porto Alegre. 27(1), 272-307.

Rosário, P. (2004). Estudar o estudar: as (des)venturas do Testas. Porto, Porto Editora.

Tinto, V. (2017). Through the eyes of students. Journal of College Student Retention: Research, Theory & Practice, 19(3), 254-269. https://doi.org/10.1177/1521025115621917

Tinto, V. (2022). Increasing Student Persistence: Wanting and Doing. In: Huijser, H., Kek, M.Y.C.A., Padró, F.F. (eds) Student Support Services. University Development and Administration. Springer, Singapore. https://doi.org/10.1007/978-981-16-5852-5_33 Zimmerman, B. J. (2000). Attaining self-regulation: A social cognitive perspective. In M. Boekaerts, P. R. Pintrich, & M. Zeidner (Eds.), Handbook of self-regulation (p. 451-501). Cambridge: Academic Press. https://doi.org/10.1016/B978-012109890-2/50031-7