Documentário sobre Joaquim da Costa Ribeiro é um testemunho poético de uma história familiar, social e científica da física moderna no Brasil.
O sucesso ou o fracasso não têm importância, pois o mais relevante de tudo é a experiência. Em síntese, é o que o físico Joaquim da Costa Ribeiro escreve em carta ao filho que fora reprovado no vestibular. Para além de uma lição sobre a importância da vivência, da experiência de vida, essa ideia sem dúvida expressa o espírito do fazer científico. Essa carta está no início do documentário “Termodielétrico”, dirigido e narrado por Ana Costa Ribeiro, neta do famoso cientista e filha do jovem que outrora reprovado no vestibular, consegue se formar em Química.
“Fiquei muito emocionada quando encontrei essa carta. Na verdade, ela vinha no final, mas depois, no processo criativo, ela veio no começo. Eu acho que ela já indicava um pouco onde eu me encontrei com esse amor. E acho que a herança familiar que eu tive, mais importante desse avô, foi justamente essa: a experiência que você faz, seja ela na área que for, você vai estar sempre correndo atrás de conhecer mais alguma coisa e que o resultado não é tão importante, o importante é você estar ali fazendo, experimentando. E eu acho que isso tem muito a ver com arte processo, não apenas criativo e artístico, mas também científico”, diz Ana Costa, em entrevista ao Boletim SBF. “A sensibilidade científica dele e a minha sensibilidade artística e o lugar onde a gente se encontra é principalmente esse: é o prazer em buscar o desconhecido”, afirma a cineasta.
“A ciência é uma busca permanente. E nessa busca tem muitas dificuldades, fracassos processos que não andam. O próprio Einstein dizia que 99% do tempo as coisas que ele tentava não davam certo. Mas aí tem o 1% que dá certo. É um processo, é uma busca incessante. E a ciência é uma interação complicada com a natureza”, diz o físico e divulgador científico Ildeu de Castro Moreira, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ex-membro do conselho da Sociedade Brasileira de Física (SBF) e presidiu a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) entre 2017 a 2021, entidade da qual é Presidente de Honra.
O cientista assistiu o documentário na semana passada no Museu de Astronomia de Ciências Afins (MAST) em sessão solene e ficou emocionado com a forma como a história de Costa Ribeiro foi apresentada ao público, que agora poderá também acompanhar a trajetória desse grande cientista. Com apoio da Embaúba Filmes, o documentário estreia nos cinemas do Brasil no dia 10 de outubro, exceto no Rio de Janeiro, cuja exibição está marcada para o dia 17.
Produzido com apoio do Projeto Rumos, do Itaú Cultural, o filme faz uma fusão de arte e ciência ao apresentar uma visão poética da construção de Ana Costa sobre a memória de sua família, trajetória que se fortaleceu após o trauma da perda de seu pai. Ao buscar essas memórias, ela se deparou com 11 rolos de filme de 8 milímetros de seu avô, com cenas não apenas da família, mas de suas viagens pelo mundo após a grande descoberta do Efeito Termodielétrico, uma propriedade de certos materiais que permite a condução de corrente elétrica após passarem por uma mudança de estado. Costa Ribeiro também foi um dos criadores do CNPq e do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF).
Castro Moreira lembra que o físico alemão Bernhard Gross, que chegou ao Brasil em 1933, começou a estudar certos isolantes elétricos chamados eletretos no Instituto Nacional de Tecnologia (INT) a pedido de uma companhia de energia elétrica. Os estudos avançaram até Costa Ribeiro fazer experiências com a cera de carnaúba, que na mudança do estado líquido para seu estado sólido, apresentou carga elétrica, um material conhecido como termodielétrico. E Moreira Castro avalia que o filme de Ana Costa será muito importante para a divulgação científica no País porque, apesar de não abordar diretamente a Física, revela uma personalidade de um cientista que é também um ser humano.
“A exibição do filme no MAST foi presenciada por vários cientistas lá. E eles me agradeceram. Eles falaram: você botou um cientista que é gente também, né? É humano. Ele tem uma mulher por quem ele é apaixonado, que tá dando uma bronca nele porque ele tá viajando demais, ele tem os filhos para sustentar. Um cara que descobriu um super fenômeno importantíssimo, mas que tinha uma vida normal, como todos nós: saia de manhã pra trabalhar, tinha uma esposa, tinha suas questões familiares também. Então, eu acho que o filme tem muito essa proposta de integração mesmo entre as disciplinas, entre a arte, a ciência, a natureza, a vida, a filosofia e o trabalho. Tudo um mesmo mundo”, diz Ana Costa.
A cineasta buscou também ressaltar a importância das mulheres na ciência, contando sobre a visita de Marie Curie ao Brasil em 1926. Apesar de não ter provas de que seu avô tenha participado das palestras da cientista polonesa, a primeira mulher a vencer dos Prêmios Nobel pela descoberta da radioatividade, Costa Ribeiro foi um estudioso dos minerais radioativos um grande crítico da entrega desses recursos sem muitos critérios a grandes potências estrangeiras. A referência feminina também está no relato da avó e das 42 cartas de amor trocada entre eles. E Ana Costa decidiu narrar o filme em primeira pessoa mesmo não sendo locutora ou atriz, mas como uma forma de marcar o terreno da mulher na arte.
A arte de contar histórias foi sendo lapidada aos poucos na experiência de vida de Ana Costa. Primeiro, ela se formou Bacharel em Comunicação Social pela UFRJ, Mestrado em Comunicação na mesma universidade, depois Mestrado em Fine Arts em Cinema pela San Francisco State University e, depois, se tornou Doutora em Arte e Cultura Contemporânea pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). “Termodielétrico” é o seu primeiro longa-metragem. E a experiência de filmar sobre ciência foi tão boa, que a cineasta sonha em novas realizações, especialmente em áreas ligadas ao meio ambiente e sustentabilidade.
Lembrando da carta que Costa Ribeiro envio ao filho, o cientista Castro Moreira lembra que além de ser uma lição de vida reconhecer a importância da experiência, há nesse impulso também um incentivo ao filho de nunca desistir de seus sonhos, e buscar mais, e mais uma vez. “Ele mostra também, para a vida individual das pessoas, a importância da resiliência, de não desistir. E podemos pensar isso no âmbito social e político. Você pode prestar novamente o vestibular e passar. O tempo individual é uma coisa, o tempo coletivo é outro. Só que o nosso tempo coletivo está muito devagar. A gente tem um potencial imenso, a gente sente que o país tem um potencial na física, na ciência em geral, na melhoria das qualidades de vida, e nós estamos vivendo momentos muito difíceis no país, que anda muito lento”, analisa Castro Moreira. Que a união entre arte e ciência possa colaborar para aprimorar as condições de desenvolvimento de um País tão rico e, ao mesmo tempo, tão pobre quanto o Brasil.
(Colaborou Roger Marzochi)