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Imagens de fractais.

Cientistas brasileiros participam da pesquisa que desvenda a estrutura desse material descoberto em 2021 e que, talvez um dia, possa revolucionar a computação quântica.

Há na natureza a repetição espontânea de formas geométricas nas quais cada parte é similar ao todo, expressando-se desde a distribuição de pétalas nas plantas até as curvas dos rios de bacias hidrográficas. Mas isso é muito mais difícil ocorrer em materiais sólidos, que organizam seus átomos em redes cristalinas a partir do princípio de diminuição de energia, na chamada “Interação de van der Waals”, que leva o nome do físico e termodinâmico holandês Johannes Diderik van der Waals, do século 19.

Foto do pesquisador Rodrigo Arouca, homem branco, careca e com barba, usando uma camisa branca.
Cientista Rodrigo Arouca está na expectativa de voltar ao Brasil após passar em concurso para Pesquisador do CBPF.

“Uma planta precisa fazer fotossíntese em superfícies de acesso à luz e ao ar, para capturar oxigênio. Por isso, é mais vantajoso a planta ter uma superfície maior. E um jeito de fazer isso é criando essas formas e buracos. Ao criar essas entranças, você está com a mesma área, mais ou menos, mas aumenta a superfície de contato”, explica o físico brasileiro Rodrigo Arouca, pós-doutor que atua no grupo Quantum Matter Theory na Universidade de Uppsala, na Suécia.

Os cientistas Cristiane Morais Smith e Rodrigo Arouca participaram de pesquisa sobre os múltiplos estados topológicos de fractais espontâneos criados na deposição de camadas finas de bismuto em um substrato de antimônio de índio
Os cientistas Cristiane Morais Smith e Rodrigo Arouca participaram de pesquisa sobre os múltiplos estados topológicos de fractais espontâneos criados na deposição de camadas finas de bismuto em um substrato de antimônio de índio.

Na expectativa de preparar as malas para retornar ao Brasil após ser aprovado no concurso do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) para ser pesquisador em Teoria na Área de Matéria Quântica, Rodrigo participou do grupo de cientistas que publicou, no dia 1º de julho, na revista Nature Physics, o artigo “Topological edge and corner states in bismuth fractal nanostructures”, que fez importantes avanços no estudo da estrutura descoberta por cientistas chineses, cujos resultados foram publicados em 2021 na revista Physical Review Letters.

Sob forte liderança dos cientistas da Universidade de Shanghai Jiao Tong, da China, os pesquisadores descobriram à época que a deposição de camadas finas de bismuto em um substrato de antimônio de índio levava à criação espontânea de fractais no material resultante. Mas faltava entender melhor essa estrutura, que se assemelha a triângulos de Sierpiński, que é o conjunto resultante da remoção sucessiva do triângulo equilátero do centro, quando se divide um triângulo equilátero em quatro triângulos iguais.

As propriedades topológicas dos fractais são mantidas mesmo em alto grau de desordem.
As propriedades topológicas dos fractais são mantidas mesmo em alto grau de desordem.

Para aprimorar a pesquisa, os chineses convidaram o grupo liderado pela professora brasileira Cristiane Morais Smith, da Universidade de Utrecht, bem no tempo em que Rodrigo estava na Holanda realizando o seu doutorado sanduiche entre a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e a instituição europeia, o que resultou no artigo da Nature Physics.

Com essa nova pesquisa, foram realizadas microscopias por varreduras por tunelamento do material e cálculos teóricos que revelaram o aparecimento e a estabilidade de modos de energia quase zero nos cantos dos triângulos de Sierpiński, “bem como a formação de modos de borda externa e interna em energias mais altas”, segundo resumo do artigo publicado neste ano.

Isso significa que, dependendo do nível de energia, há regiões isolantes e regiões condutoras de energia entre as formações dos triângulos, mais condutoras de energia em suas bordas e isolantes em seu centro, como ocorrem com os chamados isolantes topológicos. “Esses estados são também níveis de energia diferentes. A professora Cristiane foi a minha orientadora de doutorado sanduíche e buscamos justamente tentar entender esse estado do material e saber se eles tinham essa origem topológica”, diz Rodrigo. “Já em 2019, eles tinham essas medidas, mas não conseguiam entender. Eu comecei a trabalhar com esse sistema em 2020, mas o retorno ao Brasil me impediu de progredir muito nisso. O entendimento desse sistema realmente começou em 2022 quando o aluno de mestrado da professora Cristiane, Robert Canyellas, que coorientei, entrou no projeto. Ele fez as simulações do artigo junto com o aluno de doutorado Lumen Eek.”

A pesquisa também revelou que, mesmo se o material tiver um nível alto de desordem, suas qualidades se mantêm. “Mesmo se ele tiver muitas impurezas, ele continua sendo um bom condutor”, afirma o pesquisador brasileiro. Não à toa, esse trabalho abre a perspectiva de estender aplicações de dispositivos eletrônicos em materiais reais em dimensões não inteiras com estados topológicos robustos e protegidos, como afirma o próprio resumo do artigo. Porém, é ainda muito cedo afirmar que esse material seria a solução de todos os problemas para que haja uma computação quântica em temperatura ambiente, como se deseja.

Rodrigo argumenta que, em primeiro lugar, a pesquisa foi realizada por microscopia por varredura de tunelamento, que é feita a baixas temperaturas, por volta de 4 Kelvin. Talvez seja até possível que haja resultado positivo em temperatura ambiente, dado que um artigo de 2017 publicado na revista Science mostrou que uma camada atômica de Bismuto é um isolante topológico a temperatura ambiente, mas esse não foi o ponto da pesquisa. Passo a passo, novos estudos talvez demonstrem aplicações importantes dessa descoberta até para a computação quântica, o que não reduz a importância da ciência básica, que é uma das essências dos avanços científicos.

“Eu acho que, do ponto de vista de aplicação, o nosso resultado já é bem positivo, porque uma das vantagens de você ter esse material fractal é porque esse estado especial aparece nas bordas do sistema, dos triângulos. Então, se são estados que são úteis para você, a princípio, você pode utilizá-los. A questão é que para ser realmente uma coisa que resolve todos os problemas, é um passo grande”, explica Rodrigo. “Mas sem dúvida há sim uma grande perspectiva de aplicação.”

(Colaborou Roger Marzochi)