Estudo com a participação de cientistas mulheres brasileiras em parceria com instituição do Canadá teve sucesso nos testes com camundongos; apresentando um novo método com potencial para translação clínica, mas também descrevendo o efeito benéfico da melanina
O tratamento de um câncer por meio do uso da luz, chamado de terapia fotodinâmica, é extremamente importante porque age de maneira seletiva apenas no local iluminado, diferentemente de técnicas como a quimioterapia e a radioterapia, que podem provocar efeitos colaterais em todo o corpo. A partir do uso de um medicamento fotossensível, que é somente ativado pela irradiação adequada, reage com o oxigênio presente no tecido tumoral produzindo espécies reativas de oxigênio (EROs). Essas EROs são altamente reativas e promovem a oxidação de diversas biomoléculas do tumor, resultando na morte das células do câncer. No caso de tumores altamente pigmentados, como é o caso do melanoma, a terapia fotodinâmica não apresenta resposta efetiva, uma vez que existe uma grande atenuação da luz nesses tecidos. O grande vilão desse método é a melanina, pigmento natural do corpo que, compete com a absorção da luz com a molécula fotossensível e, quando em grandes concentrações, resultam no insucesso da terapia fotodinâmica.
As cientistas brasileiras Cristina Kurachi, do Instituto de Física da USP de São Carlos, e sua ex-aluna Layla Pires, hoje pesquisadora do Princess Margaret Cancer Center do Canadá, em parceria com outros cientistas do país da América do Norte, descobriram uma forma não apenas de driblar o efeito da melanina, mas também de usá-la a seu favor durante o tratamento de melanoma ocular em ratos. A pesquisa inédita teve sucesso com o uso de laser disparados em pulsos de femtossegundo, que corresponde a de 10-15 segundo, ou seja, um quadrilionésimo de segundo, algo extremamente rápido. Nesse regime de irradiação, efeitos não-lineares, como a absorção por 2 ou 3 fótons, podem ocorrer.
Os seus resultados foram publicados no artigo “Femtosecond pulsed laser photodynamic therapy activates melanin and eradicates malignant melanoma” na revista PNAS, em março deste ano. “O olho é um órgão extremamente sensível. Se o tumor for tratado com outros métodos como a radioterapia, ou terapia térmica, isso tudo vai causar danos às estruturas nobres do olho e o paciente pode ter como consequência tratar o tumor, mas perder a visão”, diz Cristina, em entrevista ao Boletim SBF.
“No caso da terapia fotodinâmica por absorção de dois fótons, o tratamento é altamente localizado no foco do laser, não sendo observados danos nos tecidos adjacentes ao tumor”, afirma a pesquisadora, que participou dos testes em camundongos no Canadá. “Além disso, o melanoma é um tipo de tumor que é altamente metastático, ainda que se possa ter um controle local do tumor, ainda existe uma alta taxa de pacientes que acabam falecendo por consequência de uma metástase à distância.”
A pesquisa teve início no doutorado de Layla, em 2016, que realizou estudos in vitro, e os primeiros ensaios in vivo no estágio no laboratório do Prof. Brian Wilson. Cristina explica que, quando observaram o resultado inesperado de maior resposta nas células de melanoma pigmentadas, em comparação com as células não-pigmentadas, evidente quando usado o Visudyne, perceberam que precisavam investigar melhor o efeito da melanina.
Os últimos experimentos ocorreram posteriormente, durante o pós-doutorado de Layla no Canadá, e foram cruciais para explicar que a melanina, após ser excitada por dois ou três fótons, transfere energia para a molécula fotossensível, otimizando a resposta fotodinâmica e a morte da célula tumoral.
A figura mostra melanoma não-pigmentado (A) e melanoma pigmentado (B) irradiado por laser por “n” vezes a partir do uso dos medicamentos Visudyne, Oxdime ou com simples ação da luz. Os gráficos abaixo mostram a resposta ao tratamento, comparando as respostas nas células de melanoma pigmentado (B16F10) e não pigmentado (B78H1).
A terapia provou o tratamento do melanoma ocular nos camundongos, sem qualquer dano aos tecidos adjacentes. Os pesquisadores do Centro de Óptica e Fotônica de São Carlos, com apoio da Fapesp, devem agora continuar os estudos em outros modelos pré-clínicos para, no futuro, em caso de resultados favoráveis, realizar testes em seres humanos.
(Colaborou Roger Marzochi)