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Em estudo realizado na Universidade de Viena, Gabriela Barreto Lemos, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ganhou destaque em 2023 com essa pesquisa

A física mineira Gabriela Barreto Lemos, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ganhou destaque em 2023 por ter descoberto um método capaz de determinar o grau de emaranhamento de pares de fótons medindo apenas uma das partículas. O seu processo de investigação está descrito no artigo “One-Photon Measurement of Two-Photon Entanglement”, publicado em março na revista científica Physical Review Letters (PRL). Gabriela é a primeira autora do artigo, que também é assinado por outros pesquisadores, incluindo Anton Zeilinger, físico austríaco e professor da Universidade de Viena, um dos vencedores do Prêmio Nobel de Física de 2022 por seus estudos sobre o emaranhamento quântico de fótons.

O artigo, que demorou dois anos para ser escrito devido ao seu alto grau de complexidade, nasceu de uma intuição da cientista, integrante da Comissão de Justiça, Equidade, Diversidade e Inclusão da Sociedade Brasileira de Física (JEDI-SBF), que busca sua inspiração não apenas nas leis da física e da matemática, mas também na arte. Em 2014, Gabriela publicou uma pesquisa com a equipe de Zeilinger na qual a luz emaranhada reproduzia a figura de um gato. Uma radiação infravermelha incidiu sobre a imagem do felino e a repassou para fótons de luz vermelha que, mesmo sem detectar o objeto, conseguiram formar a sua figura.

“Esse trabalho apresentou emaranhamento. Se não tivesse, será que eu veria o gato? Pois o trabalho atual, publicado neste ano, começou com essa pergunta, aguçada pela minha intuição pela experiência de trabalhar nessa área”, diz Gabriela, em entrevista ao Boletim SBF. E, por irônico que seja, a sua intuição de cientista conseguiu ajudá-la a explorar um dos conceitos mais contraintuitivos da física quântica, que é o emaranhamento, fenômeno no qual duas partículas se comportam exatamente da mesma maneira mesmo se estiverem a distâncias descomunais.

E ela avança numa metáfora sobre o emaranhamento que satisfaz a ciência. Imagine duas maçãs, uma no Brasil e outra no Japão. Se elas estiverem emaranhadas é como se cada uma delas representasse um todo superior às partes.

E o que resultou de sua pesquisa intuitiva? Ela originou pares de fótons alfa e beta, os quais, por meio do fenômeno da superposição quântica, foram entrelaçados de maneira a formar um emaranhamento. Os fótons alfas eram de certa forma manipulados e os fótons betas eram medidos por meio da técnica de interferência quântica. Essa técnica gera algo parecido com o que ocorre quando se joga uma pedra num lago com águas calmas, gerando na superfície ondas de vários tamanhos. Se o encaixe for perfeito, há diversos graus de emaranhamento quântico, dependendo do tamanho das ondas geradas.

“O trabalho de 2014 foi uma inspiração porque o processo é parecido. Neste trabalho, nós sabemos que o objeto é a imagem do gato e a gente conhece os fótons beta e alfa, mas só vemos os fótons beta; no estudo atual, colocamos um objeto que conhecemos no feixe alfa e medimos o beta para saber qual era o par original. É como se as ondas geradas pelas pedrinhas que caem na água do lago fossem o gato”, explica Gabriela. Considerando uma metáfora culinária, a cientista explica que é como se a existência da interferência quântica no sistema apontasse para uma deliciosa torta de maça, mesmo pelo fato de estarem separadas entre o Brasil e o Japão. “E, se não tiver interferência, não tem torta, talvez porque a maçã era de plástico”, brinca a cientista.

Ela explica que o fato de o estudo ter nascido de uma intuição, que se comprovou em laboratório na Áustria, rendeu-lhe um trabalho colossal para provar essa tese por meio de conceitos matemáticos e físicos, o que explica o fato de a redação do artigo ter demorado dois anos. Os cálculos matemáticos foram desenvolvidos pelo físico indiano Mayukh Lahiri, que também assina o artigo.

“A matemática não é simples para inspirar a intuição neste estudo. Demoramos muito tempo para dar uma forma matemática. Eu e o Mayukh conversamos muito. E ele demorou mais de um ano para achar o formalismo matemático. Até que ele fez uma conta dificílima, enorme, lindíssima! E fiquei um tempão para entender a conta dele, pensei: ninguém vai entender essa conta. Ele fez um trabalho hercúleo de colocar isso no papel. Ele tem mania de fazer contas em papel branco com uma caneta de pena da Montblanc.”

E, até hoje, ela não está completamente contente com as explicações, que são pouco entendidas até mesmo por físicos experientes. Além dos desafios matemáticos e dissertativos, o grupo de cientistas busca hoje uma forma de transformar esse princípio da natureza em algoritmo que poderia ser utilizado na computação quântica e na criptografia quântica.

“É um trabalho que incomoda o coração do físico. E, na verdade, a gente adora isso. É mais gostoso não entender o Universo, a gente quer chegar nesses momentos que não se entende, porque senão perdeu a graça”, explica com entusiasmo, lembrando que o estudo publicado em 2014 está inspirando diversos cientistas ao redor do mundo a desenvolver projetos até com aplicação comercial. “É uma pesquisa básica, mas que pode no futuro estar presente em sistemas computacionais e de criptografia.”

(Colaborou Roger Marzochi)