Grupo de pesquisadores do ALPHA publica artigo na Nature que pretende encerrar décadas de especulação sobre a antigravidade
Um grupo de cientistas brasileiros, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e INMETRO, juntos à colaboração Antihydrogen Laser Physics Apparatus (ALPHA) pretende encerrar décadas de especulações sobre a antigravidade. O resultado do estudo, publicado em um artigo na revista Nature hoje (27/09), afirma que a aceleração da gravidade sobre antimatéria é compatível com a da matéria, excluindo a possibilidade de antigravidade. Participaram do estudo os cientistas Cláudio Lenz Cesar, Daniel de Miranda Silveira e Rodrigo Lage Sacramento, da UFRJ, e Álvaro Nunes de Oliveira, da Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear (CERN), que opera o Grande Colisor de Hádrons, na Suíça.
A ausência de antimatéria primordial no Universo é um dos maiores mistérios da Física atual. Por décadas, os cientistas especulam se a antimatéria iria interagir com a matéria gravitacionalmente da mesma maneira que a matéria. Essa equivalência gravitacional é prevista pela teoria de Albert Einstein, que tem se mostrado bastante precisa. Havia especulação até de uma possível “antigravidade”, uma repulsão gravitacional que levaria os antiátomos a “caírem para cima”. Contudo, isto não seria esperado tendo em vista que mesmo a luz (pura energia, sem massa) cai sob efeito da curvatura do espaço-tempo induzida pela gravidade segundo a Relatividade Geral.
No entanto, a dificuldade em se construir uma boa teoria gravitacional quântica deixa dúvidas quanto a validade absoluta da Relatividade Geral. Uma medida direta de queda gravitacional precisaria esperar o desenvolvimento de técnicas de aprisionamento de grande quantidade de antihidrogênio frio (baixa energia cinética), com carga elétrica nula. Além disso, seria necessário um alto controle sobre campos magnéticos. E foi isso o que conseguiu realizar o grupo brasileiro na colaboração ALPHA.
A concepção original do experimento, descrita pelo professor Claudio Lenz Cesar em artigo publicado em 1997, é bastante simples. Os antiátomos são aprisionados em uma armadilha vertical e as barreiras magnéticas posicionadas acima e abaixo da amostra teriam que ser absolutamente idênticas e seriam lentamente reduzidas. Se os antihidrogênios experimentassem “antigravidade” a maioria deles “cairia para cima”, caso contrário, cairia para baixo. Sempre vai haver uma fração dos átomos que escapa em direção contrária à da aceleração da gravidade, pois os átomos começam com energia cinética (de movimento) alta comparada com a diferença da energia potencial gravitacional ao longo da armadilha.
No experimento, pôde-se observar, utilizando um detector de aniquilação cobrindo toda a extensão da armadilha, quantos antiátomos escapam para cima e quantos para baixo. Ao escapar da armadilha o antiátomo colide com as paredes e se aniquila permitindo assim sua detecção. Uma precisão maior da medida é obtida compensando o efeito da gravidade pela aplicação de pequenas diferenças de campo magnético acima e abaixo da amostra. Os resultados mostram uma medida da aceleração da gravidade de a = (0.75 ± 0.13 (incerteza estatística + sistemática) ± 0.16 (incerteza de simulação)) g, onde g é a aceleração local da gravidade. Portanto, a aceleração medida é da ordem de 75% de “g” com incertezas da ordem de 20-29% de “g” (dependendo de como se combinam as incertezas avaliadas), ou seja, é compatível com a gravidade normal sentida por átomos, é incompatível com ausência de gravidade, e exclui completamente a possibilidade da “antigravidade”.
O princípio de equivalência de Einstein que prevê que todos os corpos caem sob efeito da gravidade com a mesma aceleração independente de sua composição continua válido frente a essas medidas. Mas, será que o resultado será mantido quando o experimento atingir precisões muito melhores do que a alcançada nesse experimento inicial? Será que uma “quinta-força” não interage diferentemente com antimatéria e matéria? Eis uma das perguntas que sempre rondam a Física, que possui outros grandes mistérios como a essência da matéria escura e da energia escura. Até lá, o mistério da ausência de antimatéria primordial no Universo persiste sem uma explicação. Enquanto isso, outros experimentos – principalmente no CERN, como o LHCb e o BASE – buscam em diferentes regimes outros possíveis mecanismos que expliquem esse mistério da assimetria entre matéria e antimatéria.
Em breve o Brasil deve virar um país membro do CERN, num convênio que está no Congresso nacional para aprovação e posterior sanção presidencial. Isso vai permitir ao País ter um protagonismo muito maior nesses experimentos na fronteira do conhecimento e que só podem ser realizados no CERN com sua infraestrutura de aceleradores, incluindo o maior do mundo, o LHC, e o único desacelerador de antiprótons do mundo.
O grupo brasileiro no ALPHA tem sido apoiado pelo CNPq, RENAFAE e FAPERJ. Atualmente, o grupo está desenvolvendo uma técnica de geração de íons frios negativos de hidrogênio para introduzir hidrogênio na mesma armadilha do antihidrogênio e assim poder realizar uma comparação direta entre o átomo e o antiátomo. Esta comparação direta entre átomos e antiátomos vai permitir um salto na precisão destes testes fundamentais na fronteira da Física atual. Leia sobre esse estudo no artigo da SBF de junho.
(Colaboraram UFRJ e SBF)