Análise envolveu o uso do experimento ArgoNeut, que operou entre 2009 a 2010 no Fermilab, nos Estados Unidos
Uma das formas em se descobrir uma partícula prevista por teorias é se certificar experimentalmente daquilo que ela definitivamente não é. Nessa lógica inversa, um grupo de cientistas da Universidade de São Paulo analisou os dados do ArgoNeut, experimento pequeno, de um metro por cinqüenta centímetros, instalado no Fermi National Accelerator Laboratory (Fermilab), nos Estados Unidos, conseguindo grande avanço na busca pelas chamadas “partículas exóticas”, que não estão previstas no Modelo Padrão e que podem ajudar a explicar, entre outros temas, questões como a energia e matéria escuras.
Criado inicialmente como um detector de neutrinos, o ArgoNeut foi um experimento feito entre 2009 e 2010 para testar uma nova classe de equipamentos, que estão sendo implementados agora, em detectores gigantes de neutrinos no DUNE (Deep Underground Neutrino Experiment), um projeto de US$ 3 bilhões do qual participa a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Apesar de suas pequenas dimensões, o ArgoNeut foi além de captar neutrinos: o argônio líquido em seu interior se mostrou extremamente estável e confiável para captar neutrinos, mas segundo os cientistas, ele teria também grande capacidade para captar interações entre partículas exóticas com as partículas do modelo padrão.
O físico italiano Enrico Bertuzzo, professor associado do Instituto de Física (IF) da USP, explica que o Modelo Padrão, criado no século passado, é bem sucedido em se explicar as partículas elementares, mas possui muitas lacunas. O próprio Neutrino, por exemplo, não teria massa dentro da teoria do Modelo Padrão, embora experimentos tenham comprovado a existência de massa nessa partícula. “E quando olhamos para a energia e matéria escuras, não há candidato no Modelo Padrão que possa explicar isso”, explica Bertuzzo.
Mas há quase 50 anos novas e novas teorias têm surgido para se estender o Modelo Padrão. Na década de 1970, por exemplo, os pesquisadores Roberto Peccei e Helen Quinn teorizaram a existência de “axiôns”, partículas hipotéticas que resolveriam um problema na física de partículas sobre Carga-Paridade (Problema CP) e que poderia explicar a matéria escura, inclusive. Até hoje, essa partícula não foi descoberta, mas seus princípios teóricos alimentaram a criação de hipóteses para outras partículas que podem existir no universo que são chamadas Axionlike Particle (Partículas Parecidas com o Axiôn, ou ALP).
Bertuzzo explica que o estudo da USP, do qual ele participou, estava interessado em buscar pela detecção de duas ALPs: leptophilic ALPs, que se acoplariam apenas a léptons carregados e fótons; e o Majoron, partícula que seria responsável pela geração dinâmica das massas de Majorana dos neutrinos, batizado com o nome do físico italiano Ettore Majorana, que primeiro propôs a existência desse tipo de massa.
Figura 1 No eixo vertical, f é a amplitude de probabilidade de interação entre ALPs e partículas do Modelo Padrão; eixo horizontal é a massa em Giga Elétron-Volt; a região cinza simboliza a área na qual outros experimentos descartaram a existência das partículas exóticas, enquanto a vermelha e lilás são regiões excluída pelo ArgoNeut. Isso mostra que novos experimentos deverão ter foco sobre as regiões brancas, nas quais as ALPs podem ainda existir
Em teoria, o ArgoNeut deveria captar essas partículas. Para isso, um feixe de prótons é disparado sobre alvos de grafite que estão, respectivamente, a um quilômetro e a 300 metros de distância do detector do experimento. O choque entre prótons e o alvo gera uma reação que cria uma série de partículas, que precisam viajar certas distâncias para decaírem próximas ao detector. Quando elas decaem, elas reagem com os elementos do argônio líquido, gerando sinais de sua existência.
E, ao analisar os dados coletados pelo experimento entre 2009 e 2010, os cientistas verificaram que nenhuma detecção dessas duas partículas exóticas foi confirmada. Isso, no entanto, não é motivo algum de desmotivação. Ao não detectar as partículas em certas regiões de interação entre massa e amplitude de probabilidade de interação, o estudo da USP aponta quais as condições sobre as quais novos experimentos devem se debruçar em busca dessas novas partículas. O estudo, que teve também a participação dos cientistas Ana Luisa Foguel, Gabriel M. Salla e Renata Zukanovich Funchal, foi publicado em abril de 2023 no periódico Physical Review Letters.
“O estudo traz duas conclusões. Primeiro, que a gente conseguiu colocar limites (de amplitude de probabilidade de interação), que são muito mais fortes do que se esperava. Segundo, que o ArguNeut é extremamente competitivo apesar de ser muito pequeno, em comparação com experimentos maiores”, afirma Bertuzzo. “Não quer dizer que isso aumenta a probabilidade das ALPs serem detectadas, mas hoje temos uma ideia melhor do que elas não são. Nós fazemos o processo inverso. Portanto, não faz sentido aos futuros experimentos focar nas regiões que pesquisamos, mas sim em áreas nas quais elas ainda podem existir.”
(Colaborou Roger Marzochi)