Experimento teórico, que deverá ser colocado em prática na China, afirma que átomos gigantes mantêm forte correlação mesmo com perdas no sistema
Roger Marzochi
A unidade de processamento na computação quântica é o chamado qubit que, diferentemente do bit da computação clássica, possui muito além do que os estados 0 ou 1, que significam ausência ou presença de corrente elétrica num circuito. Esses qubits podem ser produzidos através da estrutura eletrônica de átomos convencionais, porém, ao passar por um processo de dissipação, eles enfrentam diversas limitações na geração de emaranhamento quântico, o qual representa uma forma de correlação quântica entre dois átomos ou sistemas quânticos. Esta é uma propriedade genuinamente quântica que existe mesmo a grandes distâncias.
Os cientistas do Massachusetts Institute of Techonology(MIT) publicaram um artigo na revista Nature em 2020 no qual relataram a criação de “átomos gigantes supercondutores”, dispositivos quânticos que se comportam como átomos. Estes átomos artificiais têm frequência bem acima dos átomos encontrados na natureza, situando-se na faixa dos gigahertzs, que está entre a radiação infravermelha e as ondas de micro-ondas. Essa ordem de frequência se encontra fora do espectro da luz visível, aquela emitida por alguns átomos encontrados na natureza.
Os átomos artificiais são conectados a estruturas chamadas de Guias de Onda, nas quais esses átomos gigantes interagem pela troca de fótons no sistema, operando nessa faixa de frequência de luz na ordem dos gigahertz. Essas estruturas melhoram a confiabilidade do sistema, mas o grande problema é que devem ficar numa temperatura próxima do zero absoluto para que o emaranhamento seja máximo. Como não há sistema perfeito, o aumento da temperatura provoca o decaimento do emaranhamento.
Uma pesquisa teórica, da qual participou o físico Alan C. Santos, pós-doutorando do Departamento da Física da Universidade Federal de São Carlos (DF-UFSCar), demonstrou que é possível manter alto nível de entrelaçamento quântico em átomos gigantes supercondutores, mesmo com a dissipação do sistema. O estudo “Generation of maximally entangled long-lived states with giant atoms in a waveguide” foi publicado na Physical Review Letters no dia 1º de fevereiro de 2023. Esse estudo foi realizado em colaboração com o físico Dr. Romain Bachelard, professor do Departamento de Física da Universidade Federal de São Carlos (DF-UFSCar).
Santos explica que, até mesmo em sistemas próximos ao zero absoluto, há dissipações. Ele usa como exemplo a garrafa térmica que usamos para manter o café quente. Além da temperatura do café e das propriedades isolantes da garrafa térmica, fatores adicionais contribuem para o resfriamento da bebida ao longo do tempo. A presença de moléculas no ambiente ao redor da garrafa, o contato da mão de quem segura o utensílio e uma série de outras condições são responsáveis gradualmente pela diminuição da temperatura do café. “Não existe um sistema quântico perfeitamente isolado, ele está propenso a perder a suas propriedades quânticas devido à sua interação com outros sistemas, da mesma forma que o café. E, tudo isso, por causa de influência externa”, explica o cientista.
Mas ele e os pesquisadores que participaram do estudo encontraram uma fórmula para que os átomos gigantes supercondutores mantenham alto grau de entrelaçamento quântico mesmo com a ocorrência da dissipação que ocorre no sistema. “Pode até ter perdas, mas não se perde o que realmente importa: a correlação quântica. E no nosso estudo mostramos que é possível ter perdas e, mesmo assim, manter o emaranhamento. Isso é um avanço, porque hoje se busca driblar a dissipação. E, na verdade, podemos usá-la ao nosso favor. Ao invés de destruir o inimigo, use-o a seu favor”, diz o físico.
E o estudo teórico tem grandes chances de ser aplicado na prática. O grupo de cientistas estuda a possibilidade de testar a teoria em um experimento que está sendo planejado para ser feito na China. Aos 32 anos, o físico nascido em Várzea Alegre, no Ceará, reconhece os esforços do seu professor do Ensino Médio, Carlos Henrique, de lhe ter despertado o interesse por essa ciência e de chegar a essas novas fronteiras do conhecimento. “Eu não gostava de Física e ele me fez gostar. Desde então, estou na Física.”