Por Mariana Hafiz

Novo estudo teórico indica que o vácuo quântico (uma região de baixa energia onde existe o ‘nada’ do universo) em volta de buracos negros destrói o horizonte de Cauchy – uma região interna deles além da qual a Teoria da Relatividade Geral deixa de prever o funcionamento de sistemas físicos. “Isso coloca um problema fundamental teórico porque nós achamos que todas as teorias da natureza, como a Relatividade Geral, deveriam ser teorias preditivas”, afirma Marc Casals, pesquisador do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas do Rio de Janeiro (CBPF) e um dos autores do estudo. 

A pesquisa também demonstra que os fluxos quânticos fazem com que a curvatura do espaço-tempo onde existia o horizonte de Cauchy se torne infinita. Os resultados, obtidos por Casal e colegas do Instituto de Tecnologia de Israel (Technion) e da University College Dublin, na Irlanda, foram publicados em dezembro de 2022 na Physical Review Letters e representam um passo importante para compreender os reais limites da Relatividade Geral, proposta por Einstein em 1915. 

Até os anos 1960, físicos esperavam que a teoria Relatividade Geral fosse preditiva, isto é, sabendo o ponto inicial de sistemas físicos e entendendo as leis da física que operam sobre eles é possível prever o funcionamento desse sistema no futuro. Contudo, observações começaram a surgir demonstrando que isso não funcionava bem dentro de buracos negros. “Se eu dou dados iniciais para o campo gravitacional, a Relatividade Geral vai saber prever a evolução desse campo no futuro, mas quando chega no horizonte de Cauchy, ela não saberá prevê-la de forma única”, explica Casals. Isso significa que, depois deste horizonte, existirão várias possibilidades futuras, sendo que todas resolvem as equações de Einstein, mas não se sabe qual delas é a verdadeira. 

Os dados encontrados confirmam a hipótese do físico inglês Roger Penrose, 43 anos após a sua formulação. Penrose havia indicado em 1979, com sua hipótese da censura cósmica forte, que essas regiões de falta de predictabilidade que existem além do horizonte de Cauchy não poderiam existir em buracos negros na natureza devido aos campos de matéria e do vácuo quântico com os quais eles interagem no universo. 

O que o presente estudo demonstra é que, quando a região do horizonte de Cauchy interage com o vácuo quântico, ela não é só destruída, mas que essa destruição resulta numa distorção na curvatura do espaço-tempo ainda mais forte daquela que acontece quando a região sofre perturbações por campos clássicos de matéria. “Em todo caso, você vai chegar numa região de curvatura infinita e nunca vai encontrar uma região na qual tem falta de predictabilidade”, esclarece Casals.

Os pesquisadores também analisaram que, caso um observador entre em um buraco negro e se posicione próximo à região de curvatura infinita, ele será expandido ou diminuído em suas dimensões a depender da posição angular em que se encontra e do grau de rotação do buraco negro. 

Os resultados são indicações do que acontece com o espaço-tempo dentro de buracos negros na natureza, mas o exato funcionamento desses sistemas ainda é desconhecido. Por isso, os autores antecipam continuar essa linha de investigação em pesquisas futuras.

* A SBF agradece ao Prof. Dr. Ednardo Paulo Spaniol pelo auxílio técnico.