por Mariana Hafiz
De uma vontade de entender o mundo veio a escolha de Júlia Parreira por cursar Física na faculdade. Hoje professora da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG), a sua curiosidade por entender por que as coisas são dessa maneira a fez prestar o vestibular para Física, Biologia e Ciências Sociais ao mesmo tempo. No momento de fazer a escolha, encontrou na primeira opção um caminho para obter algumas das respostas que procurava, mas não todas: ela se recorda de, mesmo cursando Física, não conseguir compreender exatamente por que o universo é do jeito que é. Mesmo assim, encontrou beleza em algumas das explicações.
Esses sentimentos se mantiveram conforme Júlia persistiu durante os seis anos de pós-graduação: foram mais dois anos de mestrado e quatro de doutorado em Física até entender que talvez o caminho, para ela, fosse outro. “Eu achava Física muito bonita e via o trabalho de cientista como um caminho interessante para continuar entendendo as coisas, mas no fim do doutorado eu ainda não estava segura do trabalho de pesquisadora. Quando eu vi que fiquei aliviada por não conseguir a bolsa de pós-doutorado, decidi não gastar mais tempo com isso”, afirma Júlia. Vale ressaltar que no ensino médio sabe-se pouco sobre o que consiste na carreira de pesquisadora – também conhecida como carreira acadêmica – que, por vezes, se confunde com a carreira docente.
Nesse momento de indecisão em relação à carreira científica, Júlia já era professora e encontrou na sala de aula não só uma profissão mais condizente com seus interesses, mas um novo objeto de pesquisa também. Com outras professoras de várias instituições de ensino do país, ela participa de um grupo de pesquisa sobre metodologias de ensino ativo, para aprimorar as técnicas de ensino de ciências dentro da sala de aula.
Ela enxerga que o trabalho do grupo complementa as suas atividades enquanto professora de Física para as graduações de Engenharia, Licenciatura de Física e Licenciatura em Ciências Biológicas na PUC-MG. “Os problemas da minha pesquisa surgem em sala de aula e ali mesmo já vou investigando. Tem uma alimentação muito legal da docência através da pesquisa”, afirma ela.
Uma das grandes contribuições do grupo é o desenvolvimento de técnicas que buscam trazer novas formas de ensinar ciência para além do formato tradicional de aula expositiva – isto é, em que um professor, à frente da sala, passa conteúdo em uma lousa de forma verbal. Nesta concepção, cabe aos alunos o papel de copiar o conteúdo no caderno e estudar para provas. Os modelos que Júlia e colegas do grupo desenvolvem envolvem experimentos, conversas e debates conjuntos dentro da sala de aula, na intenção de que, desta forma, os alunos se apropriem do conhecimento ativamente e desenvolvam pensamento crítico, ao invés de só absorverem o conteúdo. A intenção do grupo é compreender o que funciona melhor ou pior dentro da sala de aula tanto no aprendizado quanto no bem-estar dos estudantes.
Legenda: Hoje em dia, Júlia Parreira prioriza experimentos práticos para engajar os alunos com a matéria da aula, ao invés da aula tradicional
Mesmo passando pela pandemia de Covid-19, os resultados parecem promissores. “Hoje eu não leciono mais no modelo tradicional e os estudantes interagem muito. Durante a pandemia, o desafio foi saber como fazê-los interagir, realizar experimentos e conversar entre si no ensino remoto. Eu e mais três professoras conseguimos inventar formas de fazer isso e o resultado foi muito positivo. Os alunos se sentiram acolhidos, mais integrados que conseguiam acompanhar as aulas”, detalha.
Gênero e sala de aula
A grande maioria dos membros deste grupo de pesquisa são mulheres – somente um dos professores é homem. Apesar de não ser intencional, a composição é vista por Júlia como algo natural, e faz dele algo a mais do que um espaço acadêmico – ele passa a funcionar também como um grupo de apoio no qual as professoras encontraram acolhimento e segurança durante a pandemia.
A importância de ter um espaço para representatividade feminina no universo acadêmica é particularmente forte em outro projeto do qual Júlia faz parte, o ComCiências das Minas, em que por um semestre, antes da pandemia, ela e colegas professoras trabalharam com alunas do oitavo e nono ano de uma escola municipal de Belo Horizonte em experimentos de física. A cada duas semanas as pesquisadoras iam até a escola e passavam a tarde com as estudantes, que, ao final do semestre, podiam replicar o que aprenderam ensinando aos colegas das suas turmas. “A ideia era a gente estar ali com essas meninas mostrando para elas que nós somos mulheres cientistas e que não é por ser mulher que elas não podem ser pesquisadoras ou qualquer outra coisa que elas queiram”, explica a professora.
Legenda: Júlia Parreira e alunas do projeto ComCiências das Minas, em Belo Horizonte
Apesar de não ter reparado individualmente nessas questões durante a sua trajetória acadêmica, mesmo porque a sua família sempre apoiou suas escolhas neste sentido, Júlia reconhece que, hoje, há mais espaço para discutir essas questões do que na época em que ela estava se formando.
Ela se lembra de duas situações específicas em que a discriminação de gênero ficou clara em suas aulas: em uma delas, a sala foi instruída a formar grupos para trabalhar e um deles foi composto inteiramente de mulheres. Em resposta, um aluno da turma comentou “nesse grupo não vai ter física não, só vai ter fofoca”. Em outra ocasião, um grupo de alunas dava aula como parte de uma atividade final do curso de Licenciatura em Física. Nesta sala, um aluno ficou com dúvida e, ao pedir ajuda para uma das professoras, ouviu de outro colega “é sério que vai ter que vir uma mulher para te ajudar com física?”.
Júlia conta que o que tem feito nessas situações é abrir o espaço para debate. “Eu parei as aulas e disse que não íamos mais falar sobre física, íamos conversar sobre outras coisas. Falei dos meus projetos e expliquei por que esses comentários eram problemáticos e por que não eram piadas. É uma boa abordagem porque depois vem muitas meninas conversar comigo. Em uma dessas ocasiões, ficamos 50 minutos da aula falando sobre o assunto com a sala inteira e houve cinco mulheres que choraram durante os 50 minutos”, recorda a pesquisadora.
Uma das principais diferenças que ela enxerga é que, dez anos atrás, talvez esse debate teria passado despercebido – o que também poderia acontecer se ela não fosse mulher ou não atuasse com o tema. Para ela, é importante criar essas formas de empoderamento porque uma das grandes dificuldades das mulheres nas ciências é a sensação de insegurança somada às complicações das disciplinas em si.
Por isso, seu conselho para as próximas mulheres físicas é que elas saibam que “vale a pena seguir na carreira, mas é um caminho de muita dedicação e empecilhos e que não é por ser mulher que a gente deve deixar isso nos frear. É importante encontrar outras pessoas iguais à gente para nos fortalecermos, para descobrir as dificuldades de ser mulher nas ciências e encará-las”, aconselha.