Por Flávia Natércia
A doutoranda em Astrofísica Monyke Hellen dos Santos Fonsêca, 28 anos, é uma mulher negra, nordestina e mãe, que desde criança queria ser cientista, porque sempre teve a curiosidade de saber como as coisas funcionam. Além da pesquisa em Física, Monyke gosta de ler, passear com sua família e assistir a séries. Ela também gosta de praticar atividades físicas – já foi adepta da musculação e do pole dance–, apesar de não o fazer tanto quanto gostaria.
A cantora favorita de Monyke no momento é Luedji Luna, soteropolitana que canta suas vivências como mulher negra e mãe, com a qual Monyke se identifica. E seu grande sonho é se tornar professora universitária para atuar no ensino, na pesquisa e nas atividades de extensão. Por pertencer a um grupo minoritário na Física, Monyke quer contribuir para que outras pessoas como ela tenham acesso a espaços por meio da educação.
A pesquisa que realiza atualmente no doutorado no Observatório do Valongo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) tem relação com aquela que fez durante o mestrado: Monyke estuda galáxias em evolução. “Um dos componentes da galáxia é o bojo, que é a parte central, que tem formato elíptico. No momento, há um debate sobre como o crescimento dessas estruturas está relacionado com o declínio da taxa de formação estelar e vários mecanismos foram propostos para vincular o crescimento de bojos com o fenômeno de quenching, que ocorre quando uma galáxia para de formar estrelas”, explica Monyke. Seu objetivo consiste em categorizar esses bojos a partir de alguns parâmetros e então estabelecer os mecanismos que podem ter contribuído para a constituição atual da galáxia, relacionando o quenching com a morfologia das galáxias. “Entender essa relação contribui para uma compreensão mais profunda do processo de formação e evolução de galáxias”, completa a pesquisadora.
Devido à sua curiosidade sobre o funcionamento do mundo e à facilidade que tem com números, Monyke acabou escolhendo seguir carreira na Física. “Lembro que, na época dos estudos para o vestibular, descobri como o avião se sustenta no ar, através do princípio de Bernoulli, e achei super incrível, queria contar para todo mundo”, conta a doutoranda. Nessa época, a mídia noticiou a descoberta de um novo planeta, o que a fez pensar que queria também descobrir um.
No entanto, Monyke tinha medo de não ser aprovada no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e nos vestibulares por ter sempre estudado em escolas públicas. Por isso, quando estava no 3º ano do Ensino Médio, em 2011, ela se inscreveu no cursinho comunitário Universidade para Todos (UPT). O resultado não poderia ter sido mais gratificante, pois ela obteve cinco aprovações, três das quais em universidades federais: Física na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB) e na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), Matemática na UFRB, Biotecnologia na Universidade Federal da Bahia (UFBA) e Engenharia Elétrica no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia (IFBA). Primeiramente, Monyke optou pelo curso de Engenharia Elétrica, mas no ano seguinte mudou para a licenciatura em Física.
Ao longo da graduação, seus interesses mudaram. “Primeiro, me encantei com a Física Médica, mas no mestrado voltei a me interessar pela Astrofísica quando comecei a trabalhar com aglomerados de galáxias”, conta a pesquisadora. Em 2017, ela viveu uma experiência marcante ao participar do UPT dando aulas de Física para futuros vestibulandos. “Foi uma experiência muito recompensadora para mim. Foi maravilhoso participar do UPT do outro lado, como professora, porque me senti devolvendo o que fizeram antes por mim”, conta Monyke. Ela recebeu feedback positivo de alunas que teve no cursinho e que conseguiram entrar na universidade, fazendo toda a experiência nele valer a pena.
Agora Monyke espera conseguir concluir seu doutorado, porque os desafios para a permanência na pesquisa são muitos. “O meu pai só tem ensino médio e a minha mãe nem chegou a terminar. Eles não puderam estudar, mas sempre me apoiaram para que eu conseguisse. Então eu me lembro de chorar muito quando vi que tinha passado na seleção do doutorado, porque isso seria algo inacessível para alguém de onde eu venho. Por isso, eu entendo o peso que isso tem para mim, para minha família e para a minha comunidade. Tendo seguido toda minha trajetória na universidade pública, chegar aqui só reforça o desejo de retornar esse investimento para a sociedade de alguma forma”, conta a pesquisadora. Ao concluir sua formação, ela espera ser absorvida por uma universidade.
Quanto aos estímulos que recebeu ao longo de sua trajetória, Monyke conta que seu pai sempre investiu em jogos educativos, que estimulavam o raciocínio, e durante sua adolescência lhe dava livros. Mais tarde, na graduação, ela ganhou do Santander Universidades uma bolsa de estudos para fazer um semestre de intercâmbio acadêmico na Universidade de Oviedo, na Espanha, realizando um sonho que parecia impossível na realidade que vivia naquela época.
Por outro lado, Monyke acredita que o maior obstáculo que enfrentou até hoje em sua carreira foi o fato de ser mulher. No curso de Engenharia Elétrica, em uma turma de 50 alunos, havia somente quatro mulheres. “Cheguei a ouvir de um professor que lugar de mulher era na boca do fogão”, lembra Monyke. Desde então, ela fica indignada com essa forma de discriminação. Depois, quando passou a estudar física, mais uma vez integrou uma turma composta majoritariamente por homens. Naquela época, não havia eventos voltados à participação feminina na ciência, encontros de mulheres e mesas de diversidade, como existem hoje.
Além disso, ela engravidou no primeiro ano do doutorado e conta que não poderia imaginar o quanto isso viria a afetar seu desempenho. “A sobrecarga materna sempre foi normalizada na nossa sociedade e foi intensificada pela pandemia de covid-19”, relata Monyke. Para ela, a maioria das pessoas não tem uma noção real do quanto o acúmulo de funções, o gerenciamento de tarefas e o cuidado de um ser humano exercem impacto sobre a saúde mental e a produtividade das mães. “Mãe cansada não produz, não tem criatividade e vive em ‘modo sobrevivência’. É muito difícil conciliar esses dois mundos”, argumenta a doutoranda.
Sua experiência fez com que ela percebesse que a ausência de mulheres e negros na ciência não tem nenhuma relação com aptidão, e sim com uma estrutura que sistematicamente exclui esses grupos. Indignada com essa percepção, ela sentiu necessidade de contribuir para que essa realidade mude. Então, em 2020, quando se abriu uma seleção para o Grupo de Trabalho de Questões de Gênero (GTG) na Sociedade Brasileira de Física (SBF), ela se candidatou. Monyke foi aprovada e passou a integrar o GTG, que acabou em 2021.
Mas em 2022, parte do GTG passou a fazer parte da Comissão de Justiça, Equidade, Diversidade e Inclusão (JEDI), voltada à promoção desses valores no âmbito das ações e dos eventos da SBF. “Uma conquista recente do grupo foi o lançamento, em parceria com a Sociedade Brasileira de Matemática, do programa de Mentoria para Mulheres dos campos de STEM (acrônimo em inglês para Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática). O objetivo do programa é fornecer treinamento e orientação para mulheres jovens que estão no início da carreira e têm que lidar com os desafios da carreira acadêmica”, conta Monyke.
Ela acredita que a escolha de Luciana Santos, uma mulher engajada no combate às desigualdades de gênero e raça na ciência, como a nova ministra de Ciência, Tecnologia e Inovação do Brasil acende uma fagulha de esperança depois dos tempos sombrios que o país viveu nos últimos quatro anos. “Eu espero que, ao longo dessa gestão, tenhamos incentivos para a participação e a permanência de meninas, mulheres (e mulheres mães!) e negros na ciência”, afirma Monyke.
A uma jovem ingressante na Física, Monyke recomenda buscar referências com as quais se identifique, porque o sentimento de pertencimento contribui para a permanência na carreira. “Na minha experiência, posso dizer que não me vi representada pelo corpo docente nem na graduação nem na pós-graduação. Inclusive, quando entrei na graduação, as minhas referências eram apenas Isaac Newton, Galileu Galilei, Richard Feynman”, lembra a doutoranda. Somente com o tempo essas referências foram mudando. “Fui conhecendo mulheres, buscando referências de mulheres negras, vivas… trocando experiências e nos apoiando na carreira”, completa Monyke.