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Por Flávia Natércia

Camila Manni Dias do Amaral, 32 anos, estuda as redes sociais de mulheres e pessoas LGBTQIA+ que fizeram doutorado em Física e trabalham na área acadêmica, na indústria ou no setor governamental nos Estados Unidos. Conforme ela explica, a “análise de redes sociais” (em inglês, social network analysis) é um conceito da Sociologia que, no departamento onde trabalha, está sendo aplicado ao Ensino de Física. “Nossa pesquisa tem como objetivo entender o que faz com que pessoas dos grupos mencionados continuem engajadas em suas áreas. Analisamos como essas pessoas se relacionam, quais os momentos fundamentais em suas carreiras e trajetórias pessoais e como instituições podem contribuir para que essas pessoas tenham experiências que contribuam para sua permanência no campo da Física”, conta Camila.

Camila se define como uma pessoa curiosa que tem pouco apreço por “caixinhas”. Essa definição se reflete em sua trajetória: ela é antropóloga e fez mestrado em Ciências Sociais com ênfase na antropologia das emoções e da saúde, mas depois mudou de área, licenciando-se em Física. Em seguida, ela fez doutorado em Ensino e História da Matemática e da Física. Orientada pela professora Marta Feijó Barroso, ela defendeu a tese intitulada “‘Eles acham que eu estou preparada para ensinar coisas que eu não estou’: percepção de professores sobre ensinar ciências no contexto de uma reforma curricular no ensino fundamental”. “Atualmente, lidero uma pesquisa em que trabalho como antropóloga e como física, então acho que depois da bifurcação no caminho, ambas as áreas se reencontraram e andam juntas”, conta Camila.

Camila gosta de todo tipo de música, mas suas bandas favoritas são Pink Floyd e Maneskin. Além de fazer pesquisa, ela gosta de cantar em karaokês e de passar o tempo com seu marido, sua família e seus amigos, tomando cerveja gelada. Seu passatempo favorito consiste em entrar em conversas que desafiam o que ela sabe ou acha que sabe ou acredita antes de começá-las. Ela se exercita regularmente, fazendo musculação e escalada. E atualmente está treinando para correr uma meia maratona e acaba de esquiar pela primeira vez em Salt Lake City, onde está morando para fazer seu pós-doutorado no Departamento de Física e Astronomia da Universidade de Utah. “Sou péssima esquiadora, mas não quebrei nenhum osso até agora e isso é definitivamente uma vitória!”, comemora Camila. Fora de sua área, ela lê pouco. “A faculdade, o mestrado, o doutorado e agora o pós-doutorado mataram a minha vontade de ler. Eu tenho que ler tanto, porque meu trabalho me demanda isso, que no final do dia não quero ler mais, prefiro sair para correr, assistir a alguma coisa no Netflix ou jogar Backgammon”, conta a pesquisadora. E é nas mulheres de sua família que Camila encontra inspiração para o trabalho e a vida.

Ela decidiu que queria seguir uma carreira na área de Física quando ela tinha seis anos, em uma exposição da UFRJ na Casa da Ciência. “Eu não tinha a menor ideia do que era Física, mas sabia que eu queria fazer”, conta a pesquisadora. No entanto, eventos traumáticos que ela prefere não compartilhar a levaram a seguir outro caminho. Por isso, ela fez Ciências Sociais antes de fazer a Licenciatura em Física pelo Centro de Educação Superior a Distância do Rio de Janeiro (Cederj). Nesse percurso, ela acredita que algumas oportunidades de criar conexões e fazer iniciação científica foram atrasadas ou perdidas, porque o curso era semipresencial e porque àquela altura ela já tinha feito graduação e mestrado em Ciências Sociais e trabalhava muito. “Para não dizer que não fiz nada, fiz iniciação científica por um ano no final do curso, no Laboratório Didático do Instituto de Física (LADIF)/UFRJ, onde me diverti bastante e tive a oportunidade de participar de atividades que foram bastante construtivas para uma licenciada”, relata Camila.

Ao longo de sua trajetória, um dos principais estímulos que recebeu foi a possibilidade de estudar sem ter de se preocupar com a subsistência. “Ter onde morar e o que comer foi um excelente estímulo para poder me dedicar à vida acadêmica, assim como as bolsas de estudo que recebi durante toda a minha vida escolar”, afirma Camila. “A Física é uma área em que a maioria das pessoas que eu conheço nasceu com uma certa estabilidade financeira, então essas coisas parecem garantidas e dinheiro parece um detalhe, mas, para quem nasceu pobre que nem eu, essas coisas importam bastante”, completa Camila. Seus pais são professores da rede pública e tiveram de batalhar muito para que ela e sua irmã pudessem estudar em uma universidade pública com toda a dedicação que isso requer. Por outro lado, o fato de ser mulher interferiu no seu percurso: ela passou em momentos diferentes por diversas situações que vão desde a exclusão deliberada até o assédio, as quais atrasaram seu ingresso na Física e lhe fizeram reconsiderar se desejava permanecer nessa carreira. 

Camila vê a participação das mulheres nos campos de Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática (STEM, acrônimo em inglês) como algo que tem se expandido, em parte devido a iniciativas criadas com esse objetivo. No entanto, ela questiona: será que essa expansão, que significa um aumento da inclusão, pode ser considerada uma inclusão igualitária? “Existe uma diferença entre dizer ‘mulheres, venham para a física’ e criar um ambiente que, de fato, seja inclusivo após a entrada dessas mulheres, e esse ambiente inclusivo que contribui para essa permanência é algo que eu não vejo. Políticas inclusivas são importantes, mas em ambientes excludentes elas dificilmente florescem”, pondera a pesquisadora. 

Segundo Camila, há pesquisas e levantamentos demográficos no Brasil que mostram a predominância de homens brancos cisgêneros na Física. Dentre eles, ela destaca o trabalho de Betina Stefanello Lima, analista em Ciência e Tecnologia do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), sobre o “labirinto de cristal” e o estudo de Célia Anteneodo, professora do Departamento de Física da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro, em que ela e seus colaboradores apresentam dados interessantes sobre a comunidade da Física no país. Camila também destaca discussões, como a realizada no trabalho de Betina, sobre os fatores que prejudicam as experiências das mulheres na Física. 

“Existem numerosos trabalhos também falando sobre microagressões sofridas por mulheres na Física”, relata Camila, cujo grupo em que trabalha conduz nessa área uma pesquisa na qual mulheres foram entrevistadas há 11 anos e entrevistadas novamente em 2022 abordando suas experiências nesse meio tempo. “Estamos trabalhando em uma publicação sobre esse tema e eu posso adiantar que os dados não são para deixar ninguém muito feliz”, conta Camila. Assim, ela considera que o panorama ainda tem de melhorar muito, apesar de ter havido um aumento no número de mulheres no campo da Física. “Penso que é importante pensar em como queremos que essa inclusão aconteça e em formas de promover uma inclusão a partir de iniciativas que não sejam transitórias ou, como se diz, ‘para inglês ver’”, completa. 

Mesmo assim, ela diria a uma jovem que está ingressando nesse campo: “Vai com tudo, guria!”. Isso porque o investimento no recrutamento de mulheres para a Física aumenta a diversidade, o que enriquece os grupos de pesquisa, e porque faltam pessoas nos campos de STEM, o que pode ser um problema sério. No entanto, apesar de a diversidade beneficiar as instituições, as empresas e as ciências como um todo, as pessoas de grupos minoritários recebem menos reconhecimento por seus trabalhos e salários inferiores. “Então, na minha opinião, a importância de incentivar meninas e mulheres na ciência é que, se nós queremos ser professoras e pesquisadoras de Física, devemos ter o direito assegurado de sê-lo e um ambiente que nos inclua e tenha políticas de incentivo para nossa permanência. Eu sou muito feliz com a minha profissão, absolutamente apaixonada pela pesquisa que estou desenvolvendo, e desejo essa mesma satisfação profissional a outras meninas e mulheres”, conclui Camila.