Encontro de Outono, o maior evento da Física no Brasil, será realizado em maio com cientistas de todo o mundo e ação de incentivo às meninas na ciência

Roger Marzochi

Um encontro pode mudar a nossa vida completamente. Luiz Gustavo Cançado, no fim da década de 1990, sentiu na pele momentos como esse.  Cursando Física na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), tudo que o estudante queria à época era se formar para lecionar a disciplina em escolas. Mas, a convite de um professor, começou a frequentar seu laboratório, descobrindo um novo universo. “Quando eu entrei no laboratório fiquei impressionado: achava que ciência era coisa de norte-americano. Eu não sabia que havia pesquisa de Física no Brasil em 1998”, lembra Cançado.

E, além de descobrir esse universo, logo em seguida ele foi convidado para participar do Encontro Nacional de Física da Matéria Condensada, no sul de Minas Gerais. Ele embarcou no ônibus de excursão, sentiu a animação dos colegas e, no evento, outra descoberta: é possível fazer carreira na ciência. “Quando cheguei na plenária de abertura havia um monte de gente, uma grande comunidade de pesquisadores que se conheciam. E, então, decidi naquele momento que eu seria um pesquisador, pois me dei conta que cientista era uma carreira, era uma realidade de fato.”

Além de conquistar prêmios acadêmicos e concluir pós-doutorado no Instituto de Óptica da Universidade de Rochester (EUA), ele manteve a docência, trabalhando também como professor-adjunto do Departamento de Física (ICEx) da UFMG. E essa experiência de vida que nasceu na década de 1990, que mudou a chave dos rumos profissionais de Cançado, ganha novas dimensões a partir do fato de que hoje ele é coordenador geral do Encontro de Outono, o maior evento de Física do País, que será realizado entre os dias 21 a 25 de maio de 2023 no Centro de Artes e Convenções da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), em Minas Gerais. As inscrições podem ser realizadas até o dia 14 de fevereiro por meio do site http://www1.fisica.org.br/~eosbf/2023/index.php/en/

O Encontro de Outono pode ser considerado como uma evolução do Encontro Nacional de Física da Matéria Condensada, que teve o seu primeiro evento realizado em Cambuquira, em Minas Gerais, em 1978. Com o tempo e a experiência de convenções unindo diversas áreas da física, a reunião dos cientistas da área de Matéria Condensada começou a aglutinar áreas da Física que tinham pontos de intersecção, até 2017. No ano seguinte, o evento se expandiu para o Encontro de Outono e, hoje, abarca cientistas das áreas de Matéria Condensada, Física Atômica e Molecular, Ótica e Fotônica, Física de Plasmas, Biofísica e Física Médica, Física Estatística e Física Computacional.

E Cançado quer que mais estudantes tenham contato com pesquisadores, ampliando o seu networking para além dos meios digitais. Após praticamente dois anos com eventos realizados virtualmente, o Encontro de Outono será exclusivamente presencial, sem qualquer chance de participação à distância. Ocorrerão plenárias com palestrantes como: MauricioTerrones, Diretor do NSF-IUCRC Center for Atomically thin Multifunctional Coatings (The Pennsylvania State University); Nicola Marzari, presidente do Laboratório de Simulação de Materiais (Paul Scherrer Institut); UlrikeDiebold, do Instituto de Física Aplicada de Viena, Áustria (TU Vienna); Luiz Davidovich, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

O evento, diz Cançado, não é apenas para que o pesquisador abra uma tela do computador a partir da sua casa para apresentar a sua pesquisa. A ideia é conhecer pessoalmente quem faz ciência hoje no Brasil. “Um currículo não fala tudo. Uma conversa é muito diferente de uma troca de mensagem. E o sentimento coletivo engrandece e empodera a comunidade. Continua sendo muito importante que esse encontro seja presencial para manter esse sentimento coletivo”, diz ele, que quando era estudante teve contato nesses encontros com pesquisadores como o físico Daniel Shechtman, Prêmio Nobel de Química de 2011.

A física Andrea Latgé, professora titular do Instituto de Física da Universidade Federal Fluminense (UFF), coordenadora de programação do Encontro de Outono, lembra que a presença de Shechtman no evento foi muito importante em decorrência de sua história. Em 1982, o israelense estava estudando com microscópio eletrônico um material formado por uma liga de alumínio e manganês e descobriu “quase cristais”, uma formação que, até então, era impossível de se perceber na natureza.

“À época, seu estudo foi rechaçado e ele foi demitido da universidade”, lembra Cançado. “Mas a comunidade científica acabou dando o braço a torcer porque as medidas realizadas eram, de fato, verdadeiras. Eu me senti muito orgulhosa daquela oportunidade tão próxima de um prêmio Nobel. Outros agraciados vieram também a participar em edições posteriores dos nossos encontros”, completa Latgé.

Ela lembra também que a sua participação no antigo encontro de Matéria Condensada, da qual começou a participar na década de 1980, era um momento de grande importância para os estudantes de física, pois abria um espaço novo para que o aluno apresentasse seu trabalho para um público qualificado.

“Ter uma apresentação oral em um encontro desses era um momento histórico da vida do aluno”, diz Latgé, que já como pesquisadora chegou a encontrar correlações entre um trabalho de física experimental de um cientista estrangeiro com um estudo de modelagem do mesmo sistema de carbono que ela desenvolvia com um aluno, abrindo portas para um novo artigo científico em colaboração.

Esses vínculos poderão ser reforçados no Encontro de Outono que, segundo a cientista, também reservará espaços para mesas de discussão para debater o futuro da pós-graduação em física, divulgar as revistas da SBF e analisar meios para uma maior inserção da Física nas empresas.

Além da possibilidade de manter contato presencial com seus pares, o Encontro de Outono deste ano realizará atividades em escolas de Ouro Preto, em parceria com a Prefeitura e Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), no sentido de incentivar que mais meninas despertem o interesse para o estudo da Física e a carreira na ciência.

Segundo Latgé, o projeto “Tem Menina No Circuito”, das professoras Elis Sinnecker, Tatiana Rappoport e Thereza Paiva do Instituto de Física da UFRJ, levará alunas de escolas da cidade a criarem dispositivos e se aproximarem dos conceitos da Física. Esse projeto venceu no ano passado o prêmio Nature Awards for Inspiring Women in Science, na categoria “ScienceOutreach”.

“Existe uma preocupação muito grande de se criar incentivos às mulheres para fazer Física. Fui representante mulher única em muitos espaços e durante muito tempo. Esse movimento tem crescido e o número de meninas nos cursos de Física hoje é muito maior do que quando comecei a estudar. Mas nós mulheres temos ainda baixa representatividade na Física, como acontece também na Ciência da Computação.”