Olhar para o céu nos ensinou muitas coisas, não só sobre a Natureza, mas também sobre nós mesmos. Aprendemos que tudo o que vemos no Universo é feito da mesma matéria, dos mesmos átomos dos mesmos elementos químicos que existem aqui na Terra. Para onde quer que apontemos os telescópios, nos deparamos com hidrogênio, oxigênio, carbono, ferro e todos os elementos da tabela periódica.

Um grande físico estadunidense, Richard Feynman, disse certa vez que “Se um cataclismo destruísse todo o conhecimento científico, e se tivéssemos apenas uma frase para deixar como legado às futuras gerações, ela seria ‘tudo é feito de átomos'”. Os átomos, que compõem tudo, são feitos de elétrons, prótons e nêutrons. Apenas três unidades fundamentais. Toda a diversidade do mundo, dos seres vivos, rochas, planetas e estrelas, tudo são combinações diferentes dessas três partículas. Incrível, não é?

Satélite apontando para o espaço.
Assim na terra como no céu: em qualquer direção que apontemos nossas antenas e telescópios, vemos sempre os mesmos elementos químicos encontrados na Terra. No Universo visível, tudo é feito de átomos

Na verdade, a frase de Feynman deve ser corrigida: tudo o que vemos é feito de átomos. Isso porque descobrimos, há algumas décadas, que há muito mais coisa no Universo do que imaginávamos. O que podemos ver de alguma forma corresponde a apenas 5% do que existe no Cosmo. Dos 95% restantes, temos apenas hipóteses.

A segunda Lei da Termodinâmica é implacável: um dia, tudo morrerá. Mas a matéria tem uma permanência, só está em contínua transformação. Os átomos se rearranjam de infinitas formas, e nossa mera existência mostra como a ordem é fundamental. Pense em átomo de hidrogênio do seu corpo, por exemplo. Ele foi formado no Universo primordial, há cerca de 13,4 bilhões de anos, e percorreu um longo caminho. Em um passado distante, pode ter pertencido a uma estrela gigante, muito maior que o Sol, que teve um final dramático: explodiu espetacularmente, lançando sua matéria através do espaço, inclusive o nosso átomo. A supernova, essa explosão cataclísmica, é o evento mais violento que conhecemos e o momento em que os elementos mais pesados que o ferro são forjados.

Depois de vagar muito tempo pelo espaço, nosso átomo foi atraído pela gravidade de uma nuvem cósmica gigantesca, o berço do Sistema Solar. Alguns bilhões de anos depois, nosso átomo foi encontrado na Terra, fazendo parte de uma molécula orgânica do corpo de um dinossauro. Milhões de anos se passaram até que os restos mortais do dinossauro, incluindo o nosso pequeno átomo, viraram adubo em uma plantação de trigo. Certa manhã, ao ir à padaria, você levou o átomo de hidrogênio para casa e o incorporou ao seu patrimônio atômico. O Universo está dentro de nós.

No fim da vida, estrelas viram buracos negros, anãs brancas ou estrelas de nêutrons, sempre se livrando da maior parte da sua matéria. Muitas das partículas oriundas desses processos violentíssimos vagam pelo Cosmo sem pertencer a nenhum corpo. São as astropartículas, das quais todos somos feitos. Percorrem o seu caminho solitário indefinidamente. O espaço sideral está longe de ser vazio, pelo contrário, está repleto de astropartículas: prótons, elétrons, núcleos atômicos, fótons (as partículas de luz) e neutrinos.

O estudo das astropartículas é fascinante. A Terra é continuamente bombardeada por essa radiação cósmica. Felizmente, somos protegidos pela atmosfera, que impede que as astropartículas cheguem à superfície. Elas desaparecem ao colidir com moléculas de ar. Sua imensa energia se transforma em milhões de partículas secundárias, que se espalham pelo ar formando uma espécie de “chuveiro”. À medida que as partículas secundárias se propagam em direção à superfície elas são absorvidas pela atmosfera. Com grandes observatórios construídos na altitude, é possível detectar as partículas secundárias e, assim, determinar a direção e a energia da astropartícula original. Esses observatórios são um arranjo de detectores independentes instalados em uma área muito ampla, pois os chuveiros de partículas secundárias se estendem por quilômetros.

Concepção artística da colisão de uma astropartícula extremamente energética. Para reconstruir a colisão, é necessário detectar milhares de partículas secundárias usando um arranjo de detectores independentes. São os observatórios de radiação cósmica, instalados em grandes altitudes. (Osaka Metropolitan University/L-Insight, Kyoto University/Ryuunosuke Takeshige)

A América do Sul tem uma localização privilegiada. Além da altitude dos Andes, na latitude 22º aproximadamente, estamos voltados para o centro da Via Láctea, onde há um buraco negro gigantesco. Esses monstros cósmicos são uma das principais fontes de astropartículas, que são o último suspiro da matéria que é capturada pela irresistível atração gravitacional dos buracos negros. Cientistas brasileiros participam ativamente da construção de novos observatórios nos Andes chilenos, com o objetivo de descobrir a origem e os mecanismos que produzem os raios gama (fótons) ultra energéticos. É uma forma de estudar a dinâmica da Via Láctea.

Dentre as astropartículas que chegam à Terra, os raios gama são raros, cerca de 10.000 vezes menos frequentes que os prótons. No entanto, têm uma grande vantagem. Como prótons são partículas com carga elétrica, suas trajetórias sofrem desvios causados pelos campos magnéticos interestelares, o que, na maior parte dos casos, dificulta a identificação da sua origem. Como os raios gama são neutros, não são afetados pelos campos magnéticos, o que permite grande precisão na identificação de suas fontes.

Por Alberto Reis CBPF

Texto publicado pelo Ippog Brasil em 06/11/2024 e divulgado em parceria com a SBF.

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