A importância de elaborar perguntas e pesquisas

Por Roger Marzochi

Professor Fernando Lang, da UFRGS, dedica a vida em responder questões de leigos sobre fenômenos do cotidiano e defende que o público deve ser incentivado a pesquisar

Tão importante quanto obter a resposta é saber fazer a pergunta. E a pesquisa tem papel fundamental nesse processo de formulação das questões, isso em qualquer área da nossa vida. Essa reflexão, que é extremamente importante para o desenvolvimento da própria pesquisa científica, o gaúcho Fernando Lang faz sobre a atividade que mais faz seus olhos brilharem: responder questões do público em geral sobre fenômenos físicos intrigantes e, até mesmo, corriqueiros do dia a dia.

Por essa sua paixão, ele recebeu o Prêmio de Divulgação Científica Ernesto Hamburger 2022, concedido pela Sociedade Brasileira de Física (SBF). “Pra mim foi uma honra, até porque conheci e convivi com o professor Ernesto: a gente participou de atividades de ensino de física. Foi uma grande honra receber esse prêmio que honra o nome desse grande professor e divulgador científico”, diz Lang.

Aos 73 anos, Lang tem uma experiência invejável de 52 anos como professor de Física. Em uma época da vida, chegou a lecionar em três universidades ao mesmo tempo. Hoje, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, ele integra desde 2010 o Centro de Referência em Ensino de Física (CREF), coordenado pelos professores Leonardo Heidemann e Eliane Veit, respondendo às questões do público e combatendo fake news no “Pergunte ao CREF”. Qualquer pessoa pode acessar o site https://cref.if.ufrgs.br/ e direcionar sua questão, que será respondida não apenas por Lang, mas por outros profissionais também.

Hoje, o site tem entre 2 a 4 mil visualizações por dia. Nos anos iniciais da pandemia de COVID-19, esse número chegou ao recorde de 15 mil acessos diários, uma vez que a plataforma também foi usada para rebater fake news sobre vacinas e sobre o próprio vírus. Desde 2013, quando o site começou a aferir audiência, o Pergunte ao CREF soma um total de 11 milhões de visualizações.

“Eu acho que essa vocação para responder ao público é decorrência de toda a minha trajetória como professor. Eu trabalhei muito em formação de professores em cursos de licenciatura. E os alunos nos trazem questões para a sala de aula”, diz Lang, que lembra que tudo começou em 2005. À época, quando tinha um tempo livre, ele acessava o site Yahoo! Respostas, hoje descontinuado, e buscava explicar às pessoas questões que geravam curiosidades.

Uma vez, por exemplo, Lang se deparou com a pergunta de um menino que queria saber se uma pessoa ou animal virava um monte de cinzas após ser atingido por um raio, como ele assistia nos desenhos animados. O professor viu que muitos usuários faziam chacota com a pergunta do rapaz e se apressou a explicar as implicações físicas de um acidente desse tipo. “Diversas pessoas partiram para gozação, mas eu respondi sério. E o menino me agradeceu. Às vezes a gente recebe um retorno”, lembra.

Lang não apenas respondia às questões no Yahoo! Respostas como também as compartilhava com seus colegas na universidade. E, um dia, a professora Eliane Veit o chamou para fazer um projeto que à época se chamaria “Pergunte ao Lang”. “E eu disse: ‘não, porque eu não tenho competência para responder todas as perguntas’. E sugeri colocar nossos colegas na roda, criando o Pergunte ao CREF. E o site já iniciou em 2010 com cerca de 200 postagens que eu trouxe do Yahoo. E assim foi criado.”

As postagens são organizadas em 50 categorias, que vão desde a Acústica até Mecânica Quântica. O site já respondeu questões como o “mistério” das sombras dos fios dos postes de energia elétrica, sobre efeitos mágicos de ruídos de programas de áudio que alterariam as ondas cerebrais, sobre a vantagem de se encher os pneus do carro com nitrogênio, sobre a curvatura do espaço-tempo.

Certa vez, Lang respondeu na hora uma pergunta que acabara de ser feita por um paulistano, que viajara 300 km para o interior do Estado num feriado e estava preocupado porque havia deixado o carregador do celular ligado na tomada. O homem estava com tanto receio que o carregador pudesse explodir que pensava até mesmo em voltar para casa apenas para retirar o aparelho da tomada. “Eu disse para ele não se preocupar: quantas coisas nós deixamos conectadas em casa, porque vai se preocupar com o carregador do celular? As pessoas acham que se o carregador está na tomada a energia entra e não sai e pode acumular grande energia e acontecer alguma coisa. E ele me agradeceu, porque eu o respondi direto para o e-mail dele. E ele ficou tranqüilo”, lembra Lang.

Outra dúvida curiosa que o professor ajudou a resolver foi o de uma moça que sofria com eletricidade estática. Lang supõe que ela era recém casada. E ela havia adquirido um colchão que faz massagens, e achava que os choques que ela dava nas pessoas era decorrente do sistema elétrico do colchão. A moça chegou a fazer contato com a fábrica do produto, que em visita à sua casa, fez até mesmo um aterramento do colchão.

Mas, infelizmente, o problema persistia. Lang explicou que, em primeiro lugar, ela morava em uma cidade com baixa umidade relativa do ar, que propicia esse fenômeno; e, em segundo lugar, a eletricidade estática era causada pela fricção do colchão com a roupa de cama. “Não tem qualquer relação com a parte elétrica, que faz o colchão vibrar. E isso não tem solução. A solução que teria é colocar uma pulseira conectada no aterramento da rede elétrica. As pessoas fazem isso onde a eletricidade estática pode danificar equipamentos, levando as pessoas a trabalharem até com tornozeleira ou pulseira aterrada.”

Para além das questões curiosas do cotidiano, Lang avalia também que o Pergunte ao CREF tem grande importância em um momento crítico de desinformação pelas redes sociais e o crescimento de teorias conspiratórias e estapafúrdias, como a da Terra Plana. Ele lembra, por exemplo, que por volta de 2015 já se preocupava muito com os terraplanistas, mas era motivo de gozação de seus colegas na academia. Em 2019, pesquisa do Datafolha indicava que essa comunidade abrangia 7% da população brasileira, cerca de 11 milhões de pessoas.

“No início, quando comecei a falar em Terra Plana, em 2015, meus colegas achavam que eu estava dando uma de Dom Quixote. Hoje muitos deles se conscientizaram até pelo crescimento do negacionismo, muitos que me criticavam voltaram atrás. Mas de modo geral a academia fica ausente dessas discussões. Tem muito boa divulgação cientifica na internet, tem bons divulgadores científicos. Mas, de modo geral, esse pessoal não tem ligação com a academia”, conta o professor.

Embora haja necessidade de alguns de nós termos uma relação mística com a vida sob o prisma de aspectos espirituais, filosóficos e antropológicos, há uma abordagem deturpada da ciência que em certo grau é captado pelo Pergunte ao CREF. Há questões que Lang recebe que ele diz que não é possível entender nem o que a pessoa está querendo perguntar. “Às vezes, acabo retornando para a pessoa para que ela explique melhor. Mas há muita coisa que são completamente loucas, fora do que um físico possa responder.”

E Lang não poupa a imprensa na difusão de informações incorretas, motivo pelo qual ele decidiu que, após responder a um jornalista de um veículo de comunicação, as respostas estarão na íntegra publicadas no Pergunte ao CREF. E com o número de postagens já realizadas até agora, chegamos ao ponto de reflexão com o qual se iniciou o texto sobre esse divulgador científico. Lang vê com certa tristeza que as pessoas não sabem realizar pesquisas na internet, seja pelo Google ou por meio do buscador do Pergunte ao CREF: muitas questões que ele recebe já foram respondidas.

E ele percebe que a falta de interesse – ou de tempo – pela pesquisa é uma das responsáveis pela disseminação de mensagens falsas. “As pessoas têm que ser incentivadas a pesquisar. Elas simplesmente repassam o que recebem no WhatsApp de um amigo. Elas não checam e propagam as fake news. Mas isso requer tempo. As pessoas vivem em um mundo que não têm tempo para fazer isso.” Por isso, o seu trabalho é muito importante, não apenas para a divulgação científica, buscando aproximar das pessoas temas complexos traduzidos em acontecimentos do cotidiano, mas também rebater as mensagens falsas. “A divulgação científica é muito importante, pois pode contribuir para vencer essas idéias estapafúrdias de Terra Plana, antivacina e muitas outras.”