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Rita de Cássia dos Anjos, professora da UFPR, recebeu o prêmio “Para Mulheres na Ciência”. Fonte: Arquivo Pessoal/ Rita de Cássia dos Anjos

A professora Rita de Cássia dos Anjos da Universidade Federal do Paraná (UFPR), setor Palotina, é uma das sete ganhadoras do 15º prêmio L’oréal-Unesco-ABC “Para Mulheres na Ciência”. Rita possui graduação em Física Biológica pela Universidade Estadual Paulista (UNESP) e mestrado e doutorado em Física pela Universidade de São Paulo (USP) de São Carlos. Desde agosto de 2014 é professora da UFPR no Setor Palotina.

A ganhadora que venceu na categoria “Ciências Físicas” fala como tem sido ser cientista, como decidiu participar do prêmio e os desafios de fazer ciência no Brasil sendo mulher. Para manter-se firme e persistente, Rita destaca que sua maior referência é sua mãe. “Quando eu não conseguia explicar para minha mãe o que eu fazia é porque alguma coisa tinha.”, diz. Ela nasceu em Olímpia, interior de São Paulo e hoje desenvolve ciência no interior do Paraná. Leia abaixo a entrevista na íntegra.

SBF: Quando foi que você decidiu cursar física e como foi sua formação científica?

Na verdade, meu interesse desde o ensino fundamental sempre foi a biologia porque minha mãe é enfermeira, então ela falava muito da saúde. Minha mãe é muito curiosa e sempre falava para mim que era importante entender como as coisas funcionam e não apenas aceitar que elas funcionem, eu sempre fui curiosa nesse sentido, sempre tive curiosidade de entender com o incentivo da minha mãe. Eu gostava muito de fazer biologia e no ensino médio tinha uma professora muito boa, que me acompanhou e me incentivou a prestar o vestibular. Só que apenas estudando em escola pública eu não tinha o básico para prestar vestibular para uma universidade pública. Depois, tive a possibilidade de fazer um cursinho. No cursinho pré-vestibular tive o primeiro contato com a física de verdade, de entender, de chegar numa equação, não simplesmente você usar uma equação substituindo valores. Aquilo me deslumbrou muito, foi meu primeiro contato que eu tive mais profundo com a física e coincidentemente nesse ano, surgiu o curso de física biológica na Unesp. Pensei: ’Nossa, é para mim esse curso!’

Como era a primeira turma, não foi assim tão concorrido, fiz um ano e meio de cursinho e passei. Quando estava fazendo o curso percebi que minha paixão mesmo era pela física. Então, terminei o curso de física biológica e depois no mestrado e doutorado fui fazer em física.

SBF:  Atualmente a sua área de atuação é a astrofísica? 

Sim, é a astrofísica de partículas. No mestrado, no Instituto de Física da USP de São Carlos, eu trabalhei com modelos de solitons. No Instituto, tive a oportunidade de participar de alguns workshops da área de astrofísica, o que me chamou a atenção e gostei bastante! Decidi trabalhar com astrofísica no doutorado! Hoje, não me vejo fazendo outra coisa que não seja com astropartículas.

SBF: Como foi decidir participar do prêmio L’oréal-Unesco-ABC “Para Mulheres na Ciência”?

O prêmio L’oréal-Unesco-ABC “Para Mulheres na Ciência” é um grande incentivo. Olhando hoje a ciência nacional e internacional também, para mim ele é um dos melhores prêmios que têm a nível de Brasil, porque ele é um prêmio voltado para a mulher, que ainda são poucas na ciência, para a mulher no início de carreira que é quando você ainda não conquistou muita coisa e não tem orientando, além de ser voltado para a ciência básica.

Quando você decide participar de um prêmio desses, significa que você quer ser reconhecida como uma boa pesquisadora na sua área e uma boa pesquisadora na área de pesquisa básica. Acho que esse é o primeiro passo em querer participar. Então, quando você ganha esse prêmio é como se alguém dissesse: ‘você é boa, seu projeto é bom e a gente quer investir em você’. Excelentes pesquisadores reconhecem que vale a pena investir em você. Para mim foi uma alegria sem tamanho!

Quando você está no interior, como em Palotina no Paraná, as coisas são mais difíceis. Você orienta um aluno bom aqui e ele decidi ir para alguma Capital fazer doutorado, então penso: “se tivéssemos estrutura e maior incentivo esses alunos não precisariam ir embora”. Essa estrutura tem que mudar, nós somos um país grande e temos pessoas de excelência em todos os estados. Para mim foi importante ganhar esse prêmio para minha carreira e também para meu Setor em Palotina, porque mostra que uma pesquisadora pode fazer ciência de qualidade estando distante dos grandes centros de pesquisa.

SBF: Como tem sido essa busca de fazer pesquisa no interior? 

Quando eu vim para cá eu continuei minha colaboração com meu orientador, aqui tive a sorte de ter um colaborador também da área de gravitação e cosmologia, então conseguimos falar a mesma língua. Mas, o que me incentivou muito a continuar minha pesquisa aqui no interior, foi a minha participação nos centros de colaborações que são o Observatório Pierre Auger e o Cerenkov Telescope Array (CTA) porque você tem um leque de pesquisadores e um acesso a eles de uma forma fácil. O que me permitiu fazer pesquisa de excelência aqui no interior são esses Observatórios e o contato que tenho com esses pesquisadores.

SBF: Atualmente, muitas universidades no Brasil promovem programas chamados “meninas cientistas” que têm por objetivo levar alunas de ensino fundamental e médio para dentro do ambiente acadêmico e estimular essas adolescentes dando novas opções de carreira. Como você avalia essa iniciativa? 

Essa é uma chamada muito bacana do CNPq e espero que continue. Temos uma professora que desenvolve esse projeto aqui, é um projeto de confecção de foguetes, dentre outras atividades. Como nossa cidade é pequena, nós temos uma interação muito grande com as escolas. Temos várias parcerias, vamos muito às escolas e esse projeto resultou em um grande incentivo para as meninas que têm atividades extra escola. Isso acaba sendo um incentivo grande para elas que percebam que é possível fazer ciência e começam a nos ver como espelho.

SBF: Gostaria de acrescentar alguma informação?

Acho muito importante destacar a diversidade no meio acadêmico. A mulher tem que estar na ciência, os grupos de pesquisa têm que ter diversidade de gênero, têm que ter jovens, porque ainda temos uma desigualdade muito grande. Quando falo de diversidade, falo de respeito.

Hoje o currículo lattes já reconhece que no ano em que uma mulher se torna mãe, ela tem esse período de produtividade “pulado”. É um incentivo? É. Mas isto ainda é muito pouco. Você tem um filho, dedica-se a ele, então você fica sem produzir um ano e no outro ano você volta com tudo? Não é assim! Por que não dedicar 5% de projetos de fomento para mães que estejam voltando da licença maternidade? Então, a mulher voltaria para a universidade e encontraria um fomento. Imagina que incentivo isso seria para esta pesquisadora? Ao final da licença maternidade já estaria pensando em aproveitar o fomento para investir em ideias e alunos. Dessa forma, ela voltaria para a universidade em pensamento antes de estar presencialmente.

Hoje discutimos muito essa questão da mulher na ciência, como incentivar meninas na ciência e etc. Só que precisamos continuar discutindo com ações, sobre o que precisa ser feito efetivamente dentro de nossas Instituições, sem esperar ações de governo apenas.

Por Joice Santos
Bolsista Mídia Ciência – FAPESP

Processo 2019/02744-3