“O ataque à ciência em um país representa um ataque a todos os cientistas.” A afirmação é de Rodrigo Capaz, presidente da Sociedade Brasileira de Física (SBF), que conclama os cientistas brasileiros a apoiarem as iniciativas da Sociedade Americana de Física (American Physics Society – APS) em defesa da ciência nos Estados Unidos. Capaz, que também é conselheiro internacional da APS, esteve em um encontro da entidade na Califórnia, na semana passada, no qual pode perceber quão preocupados estão os cientistas norte-americanos. “Nem no primeiro governo Trump ocorreu o que está acontecendo agora. As pessoas estão muito assustadas, com razão”, explica Capaz.
Logo em fevereiro, a APS se manifestou publicamente em defesa da ciência, em um comunicado firme publicado em seu site oficial. No texto, a entidade expressa profunda preocupação com as recentes ações do governo Trump, que colocaram em risco as bases do sistema científico norte-americano. A APS conclama a comunidade de físicos e pesquisadores a relatarem o impacto positivo de suas pesquisas na vida das pessoas, como forma de sensibilizar os congressistas e barrar o processo de erosão da ciência nos Estados Unidos. “A história nos ensina que, juntos, somos poderosos”, afirma o comunicado, destacando a importância da mobilização coletiva em um momento crítico.
Mais do que uma reação simbólica, a APS está articulando uma campanha nacional de advocacy para defender o financiamento de pesquisas básicas e proteger a integridade das instituições científicas. A entidade alerta que cortes draconianos em agências como NSF (National Science Foundation), DOE (Department of Energy), NIST (National Institute of Standards and Technology) e NASA terão consequências desastrosas, com projetos cancelados, carreiras desfeitas e um apagamento silencioso de descobertas que poderiam transformar o mundo.
O apelo da APS é claro: tornar visível a importância da ciência na vida cotidiana para que o Congresso compreenda que o apoio federal à pesquisa não é apenas um investimento técnico — é um compromisso com o futuro. As preocupações são amplas, espalhadas em várias instituições que defendem a ciência. Há, por exemplo, rumores de que os cortes do orçamento para a ciência podem chegar a 50% no caso da NASA, em 2026, segundo o site Ars Technica, o que levou a Planetary Society a incentivar seus associados a escreverem aos seus congressistas em protesto.
Rodrigo Capaz avalia que são três os principais impactos da investida contra a ciência norte-americana. Em primeiro lugar, o próprio corte de recursos e a demissão de pesquisadores de diversas áreas. Mas há, também, um corte em programas para promover a igualdade e a equidade de gênero/raça, além do próprio ataque à imigração, o que reforça uma verdadeira “caça às bruxas”. “A ciência americana depende muito da mão de obra de pesquisadores de outros países. E restrições em políticas de imigração podem afetar a ciência americana de forma importante”, diz Capaz.
Essa ações, se forem levadas adiante, poderão minar as bases que colocaram os Estados Unidos na liderança da pesquisa científica. A decisão do atual governo de realizar profundos cortes no financiamento de pesquisas de agências como NSF (National Science Foundation), NIH (National Institutes of Health) e DOE (Department of Energy) lançou a comunidade científica em um estado de incerteza e caos, como relata a agência Bloomberg, que avalia que a erosão do apoio federal pode comprometer a posição dos EUA como líder global em pesquisa científica e inovação tecnológica.
Para a The New Yorker, o impacto mais profundo da agenda de Trump não está apenas nos cortes orçamentários, mas na tentativa de desacreditar o próprio valor da ciência. A reportagem “Trump’s Agenda Is Undermining American Science” argumenta que a administração promoveu um ambiente hostil à ciência baseada em evidências, em uma postura que mina a confiança pública na ciência e compromete a capacidade do país de enfrentar desafios como pandemias, mudanças climáticas e crises ambientais.
Essa devastação institucional se reflete também nas universidades, como mostra reportagem do The Guardian, que relata um cenário de caos nos campi americanos. As instituições de ensino superior enfrentam não apenas o corte de recursos, mas a insegurança provocada por mudanças abruptas nas políticas de apoio a estudantes e pesquisadores estrangeiros. Reitores e professores temem um êxodo intelectual, com a fuga de talentos para outros países.
A gravidade dos ataques à ciência chegou aos tribunais, como evidencia a Nature, ao reportar que a Universidade de Columbia moveu uma ação judicial contra a administração Trump após sofrer cortes abruptos em financiamentos previamente acordados. Pesquisas cruciais nas áreas de neurociência, física médica e outras ciências básicas foram diretamente impactadas.
“É um ataque à ciência, incluindo à física. E, assim como nos posicionamos contra ações desse tipo na Argentina, a Sociedade Brasileira de Física apoia a luta da APS na defesa da ciência nos Estados Unidos. Um ataque num país é um ataque à ciência como um todo. E precisamos nos unir para combater isso da forma mais forte possível”, afirma Capaz.
(Colaborou Roger Marzochi)