O chamado "Terceirão" da UFRJ, aulas de reforço para ajudar as meninas a se preparem para o ENEM
O chamado "Terceirão" da UFRJ, aulas de reforço para ajudar as meninas a se preparem para o ENEM.

A ciência e a universidade podem ser para todas, e o projeto Tem Menina no Circuito tem mostrado isso na prática ao levar meninas de escolas públicas periféricas do Rio de Janeiro para dentro do mundo acadêmico. Criado em 2014 pelas físicas Thereza Cristina de Lacerda Paiva, Elis Sinnecker e Tatiana Rappoport, todas professoras do Instituto de Física da UFRJ, o projeto visa atrair meninas da educação básica para as ciências exatas e ampliar suas perspectivas de futuro.

A iniciativa ganhou reconhecimento internacional em 2022 ao vencer o Nature Awards for Inspiring Women in Science, na categoria Science Outreach. Mas seu maior impacto é sentido nas salas de aula e nas comunidades escolares, onde meninas que antes sequer consideravam o Ensino Superior passam a se ver como cientistas em potencial.

Posters coloridos ao fundo no EOSBF de 2023 em Ouro Preto, quando foi comemorado dez anos de criação do projeto com um evento de divulgação para as crianças e jovens.
Posters coloridos ao fundo no EOSBF de 2023 em Ouro Preto, quando foi comemorado dez anos de criação do projeto com um evento de divulgação para as crianças e jovens.

Desde o início, o Tem Menina no Circuito escolheu atuar em escolas públicas da Baixada Fluminense e de outras regiões periféricas do Grande Rio, locais onde o Ensino Médio é visto, na maioria das vezes, como a etapa final da formação acadêmica. “Nossa escolha nos empurrou para um ativismo social inesperado. Nos demos conta de que fazemos inclusão social pela ciência”, reflete Thereza.

A falta de informação sobre o mundo universitário, as carreiras científicas e a presença de mulheres na ciência são algumas das barreiras que impedem meninas de sequer considerarem essa possibilidade. “Ao interagir com essas meninas, trazendo-as para visitas à UFRJ e a museus de ciência, propondo atividades lúdicas e rodas de conversa sobre estereótipos, abrimos uma nova porta, mostrando que a universidade e a ciência podem ser para elas também”, explica Thereza.

Ao longo dos anos, muitas das meninas atendidas ingressaram na universidade, algumas delas em cursos das áreas exatas. O projeto já tem ex-participantes formadas, inclusive em Física. “Não há dúvida de que ações como as implementadas pelo Tem Menina no Circuito e por tantas outras iniciativas para meninas nas exatas são efetivas. Aqui, é importante ressaltar que essa efetividade não pode ser medida apenas por números”, diz Thereza.

Um grupo de 40 meninas  do projeto foi conhecer em 2022 o CNPEM, em Campinas.
Um grupo de 40 meninas do projeto foi conhecer em 2022 o CNPEM, em Campinas.

Muitas vezes, a pergunta mais comum é sobre quantas meninas foram atendidas e quantas ingressaram na universidade, mas a questão é mais ampla. “O ponto principal vai muito além de contar. Mesmo que uma única menina tivesse sido bem-sucedida, já teria valido a pena. A mudança que buscamos é na expectativa de toda uma comunidade escolar, que precisa acreditar que pertence aos espaços de saber. Precisamos mostrar às meninas que a ciência é para elas”, explica.

Para isso, o projeto não se limita às estudantes, mas também busca envolver as famílias. “Conversamos com mães e pais (menos presentes nesse contexto) e outros responsáveis, como avós e tias, sobre o que fazemos e por que fazemos. Algumas direções de escolas, que com nossa permanência ao longo dos anos se tornaram mais próximas e parceiras, também começaram a discutir mais questões de gênero”, explica Thereza.

Em 2024, o projeto inovou ao realizar seu primeiro camp científico exclusivo para meninas. Durante um fim de semana em um hotel fazenda perto do Rio de Janeiro, 50 meninas participaram de atividades como observação do Sol e do céu noturno, oficina de classificação de galáxias, programação e cine-debate sobre estereótipos. Também houve uma aula especial sobre técnicas de estudo, ministrada por uma das monitoras do projeto, que é aluna de graduação.

A experiência mostrou o poder da imersão científica em um ambiente descontraído e inspirador. “Na viagem de volta, no ônibus, gravamos alguns depoimentos. É muito impressionante ver como um fim de semana pode mudar as expectativas de vida de uma adolescente”, conta Thereza. A cientista reforça a importância de mais mulheres se dedicarem à divulgação científica e ao incentivo de meninas na ciência. “Precisamos de mais mulheres dedicando tempo para apresentar a ciência e as mulheres cientistas às meninas. Mostrar que esse é um caminho possível é fundamental para mudar o futuro da ciência.”

(Colaborou Roger Marzochi)