Professora de Licenciatura em Física da Universidade Federal do Acre realizou em 2022 um projeto de extensão em cinco escolas de Rio Branco alcançando cerca de 700 alunos do Ensino Médio
“Cozinhar, lavar roupa, cuidar dos filhos, lavar louça e fazer filhos.” Estas são, para um menino do Ensino Médio de Rio Branco, no Acre, as cinco profissões que uma mulher melhor desempenharia na sociedade. A resposta foi obtida em questionário que era distribuído aos alunos no projeto de extensão “Divulgação científica itinerante nas escolas: O lugar da mulher é onde ela quiser! Um panorama sobre as mulheres nas ciências”, criado por Bianca Martins Santos, professora de Licenciatura em Física da Universidade Federal do Acre (UFAC).
O projeto foi levado para cinco escolas da capital, chegando a alcançar cerca de 700 alunos do Ensino Médio em 2022. Bianca explica que algumas escolas possivelmente se assustaram com o título do projeto e o recusaram, enquanto em outras as apresentações foram realizadas em mais de uma vez e para diferentes turmas.
A resposta do adolescente em pleno século 21 revela o quanto é importante investir na educação para encontrar meios para superar o machismo e ajudar as meninas a conquistarem não apenas os postos de trabalho com os quais sonham, mas também igualdades salariais. “Ao final, pensamos que o projeto era como plantar uma sementinha que vai ser colhida à longo prazo. Mas com a consciência que há muito a ser feito”, diz Bianca, em entrevista ao Boletim da Sociedade Brasileira de Física (SBF). Por falta de apoio e financiamento, a professora explica que não foi possível ampliar o alcance do projeto, mas ela sonha em continuá-lo em breve, pois agora está concluindo pós-doutorado em Ensino de Física na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Bianca nasceu em Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, residindo em São João de Meriti, área de grande vulnerabilidade social. Na rua em que morava, o asfalto concretado só chegou quando ela era adolescente, num movimento feito por um político da região para conquistar votos. Cursou magistério no Ensino Médio, mas no terceiro ano ela precisou estudar à noite para trabalhar durante o dia para ajudar a família.
E essa necessidade foi o que fez a grande diferença em sua vida. No curso diurno ela não tinha Física, que lhe foi apresentada apenas no último ano à noite. Com ajuda do professor, ela descobriu que tinha aptidão em matemática e física, o que a levou para a graduação em Física na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Sempre com bolsa, ela conseguiu fazer mestrado em Energia Nuclear no Instituto Militar de Engenharia (IME) e doutorado em Física na Universidade Federal Fluminense (UFF). Em 2016, durante o seu primeiro pós-doutorado, ela prestou concurso de professor da UFAC e para lá se mudou com o marido.
Em 2020, com o nascimento de sua filha, Bianca sentiu ainda mais na pele o desafio de ser mulher, mãe e professora. E, após ler o livro “Mulheres na Física: Casos Históricos, Panorama e Perspectivas”, percebeu que além de ser desafiador o ambiente para as mulheres na ciência, não havia citações sobre mulheres na região Norte do País. Em 2021, incentivou os seus alunos da UFAC a debaterem a questão durante três meses. “Não existe só essa questão de ser mulher, mas há um preconceito regional, dependendo do lugar, você sofre esse preconceito, no sentido de acharem que você não é capaz. A mulher também tem que demonstrar que é capaz, que pode, independentemente de região.”
A ideia foi conduzir uma palestra nas escolas baseada nos três momentos pedagógicos: primeiro, uma problematização de um tema real enfrentado na ciência e na sociedade; depois, a apresentação do conteúdo que vai de encontro ao tema, apresentando as mulheres que marcaram seu tempo e fizeram grandes contribuições para ciência; e a busca de aplicar esse conhecimento endereçado ao problema inicial de forma palpável. A partir de dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2019, os alunos revelam alguns dos problemas.
Em primeiro lugar, o nível de ocupação de pessoas entre 25 a 49 anos de idade no mercado de trabalho é menor para mulheres com crianças de até três anos de idade (54,6%) em comparação aos homens (89,2%). Sem crianças, a taxa de ocupação para homens e mulheres é de 83,4% e 67,2%, respectivamente. “Apresentamos os dados que mostram que o nível de escolaridade das mulheres é maior do que o dos homens, mas ganhamos menos. Todas essas questões foram apresentadas aos alunos”, explica Bianca. “As meninas nunca tinham parado para pensar nisso. E é revoltante! Você estuda e consegue qualificação idêntica que os homens e eles, em algumas situações, ganham mais do que você só porque você é mulher! Levamos isso para as escolas.”
As apresentações nem sempre eram bem recebidas pelos alunos das escolas, conta Bianca, que lembra que muitas vezes os meninos ficavam cochichando entre si, gerando certo desconforto para as meninas. Mas, como ela mesma explica, foi um longo processo que ajudou não apenas os estudantes do Ensino Médio, mas as próprias alunas de Licenciatura em Física da UFAC a tomarem consciência dos enormes desafios das mulheres na sociedade e nas ciências exatas.
“As mulheres cursam mais graduações em humanas e saúde do que engenharia, tecnologia da informação, por exemplo. E a gente fez esse questionamento: por que a mulher ‘só’ vai para essas áreas? A ideia da palestra era de que a mulher é livre, existem opções para as mulheres, elas não podem ficar refém da escolha profissional da família ou da sociedade.” Há sempre esperança de mudança, como em um dos slides da apresentação do projeto que ilustrava uma resposta de uma aluna em um trabalho escolar: “…E Branca de Neve acordou com o beijo do Príncipe e foi estudar ao invés de casar. Todos viveram felizes para sempre.”
(Colaborou Roger Marzochi)