A partir da análise do sinal temporal dos neutrinos de Supernovas, seria possível observar valores muito pequenos do momento magnético dessas partículas, os quais seriam impossíveis de serem medidos em laboratórios terrestres.
O físico Yago Porto, pesquisador de pós-doutorado na Universidade Federal do ABC (UFABC), apaixonou-se pelo estudo dos neutrinos, partículas elementares abundantes no Universo que interagem com a matéria de forma muito sutil ou mesmo imperceptível, devido à natureza das interações fracas do Modelo Padrão da Física de Partículas. Integrante da classe dos léptons, da mesma família dos elétrons, os neutrinos não possuem carga elétrica e só em 2000 que foi descoberto que essa partícula possui massa.
“Os neutrinos são as únicas partículas elementares que mudam de tipo, oscilando enquanto se propagam e interagem com a matéria. A maneira como os neutrinos mudam de sabor é um fenômeno quântico muito interessante. As formas como eles oscilam e interagem com a matéria chamou minha atenção: é a única evidência laboratorial de física além do Modelo Padrão.”, explica Porto, em entrevista ao Boletim SBF.
Além de possuírem massa, os neutrinos também apresentam momentos magnéticos e spin, conforme explicado pelo cientista. O problema é que o valor desse momento magnético é tão ínfimo que os experimentos que usam fontes terrestres de neutrinos não têm a capacidade de identificá-lo.
Mas em seu mais recente estudo “Resonances of Supernova Neutrinos in Twisting Magnetic Fields”, publicado no dia 5 de março deste ano na revista Physical Review Letters (PRL), em parceria com o cientista Sudip Jana, do Instituto Max Planck de Física Nuclear, na Alemanha, Porto relata um método que usa o sinal temporal de neutrinos provenientes das explosões de supernovas como uma forma de identificar na Terra o valor diminuto de seu momento magnético.
“O entendimento da física por trás do momento magnético, que possivelmente envolve novas partículas e talvez novas simetrias, pode impactar não apenas o estudo das propriedades fundamentais dos neutrinos, mas também da física de partículas como um todo.”, afirma o pesquisador, no vídeo explicativo enviado à SBF.
Quando uma estrela gigante, com até dez vezes a massa do Sol, chega ao fim de sua vida, ela explode em uma supernova, um dos eventos mais brilhantes do céu. Durante todo o processo até a explosão propriamente dita, ela emite muitos neutrinos, que são detectados na Terra de forma mais rápida do que a luz emitida na explosão. Porto explica que os campos magnéticos de uma supernova provocam uma alteração dos neutrinos de Dirac, que possuem duas componentes de uma propriedade quântica chamada helicidade: neutrinos de mão esquerda, que interagem com a matéria, e neutrinos de mão direita, que não interagem. “Em Supernovas com campos magnéticos muito altos e, principalmente, que mudam de direção ao longo da trajetória dos neutrinos, ocorrem conversões entre neutrinos de mão esquerda para mão direita, as quais só são possíveis na presença de momento magnético não nulo.”, diz Porto.
Com a tecnologia atual, os físicos experimentais esperam captar claramente um pico no sinal temporal dos neutrinos, cuja intensidade depende da hierarquia de massa. Se os neutrinos, que são criados com helicidade de mão esquerda através de interações fracas se converterem durante a explosão estelar em neutrinos de mão direita, que não interagem com a matéria convencional, o sinal temporal dos neutrinos de supernova será modificado. Essa modificação do sinal temporal é o que se espera observar.
“O que demonstramos é que mesmo se os neutrinos tiverem um valor de momento magnético muito pequeno para serem detectados na Terra, em supernovas o campo magnético é tão intenso e complexo que é capaz de fazer o neutrino precessionar. O termo técnico para isso é ‘ressonância na precessão do spin’. Quando o neutrino chega à Terra, o fluxo estará consideravelmente reduzido. Essa diminuição do fluxo, em comparação com o esperado no caso padrão, indicaria o valor do momento magnético dos neutrinos.”, explica Porto.
Os cientistas elaboraram gráficos que mostram esse processo (veja o vídeo acima) para diferentes hierarquias de massa em detectores modernos, como o Hyper-Kamiokande, no Japão, e até o Deep Underground Neutrino Experiment (DUNE), que deverá entrar em operação nos Estados Unidos em até dez anos.
“Se o sinal detectado seguir o padrão esperado, será reconhecido como pertencente à física padrão. Se for modificado de acordo com a explicação fornecida na publicação, teremos evidências da presença do momento magnético do neutrino interagindo com o campo da Supernova, fornecendo uma estimativa do valor desse momento magnético. Essa observação seria sensível a valores do momento magnético do neutrino muito menores do que é possível medir na Terra, devido à medição ter sido realizada pela Supernova que está sendo detectada”, conclui Porto.
(Colaborou Roger Marzochi)