Cientistas brasileiros estudaram um tipo específico de supercondutividade mediada por flutuações nemáticas, um fenômeno associado à quebra de simetria rotacional em um material, enquanto a simetria translacional permanece intacta. Esse tipo de comportamento é sutil e exige teorias modernas para descrevê-lo adequadamente, especialmente porque está frequentemente entrelaçado com outros fenômenos, como magnetismo, ordem de carga e supercondutividade.
A confirmação desse tipo de supercondutividade pode inspirar novas pesquisas que aproximem o uso de materiais supercondutores da temperatura ambiente, o que pode revolucionar diversas áreas da tecnologia, da comunicação aos transportes, explica Vanuildo S. de Carvalho, professor do Instituto de Física da Universidade Federal de Goiás (UFG) e um dos autores do estudo “Highly anisotropic superconducting gap near the nematic quantum critical point of FeSe1-xSx”, publicado na Nature Physics, no dia 13 de novembro. Assinam ainda o artigo os cientistas brasileiros Eduardo Miranda, Instituto de Física Gleb Wataghin, da Unicamp; Rafael Monteiro Fernandes, do Departamento de Física da Universidade de Illinois e Universidade de Minnesota (EUA); e Eduardo H. da Silva Neto, da Universidade de Yale (EUA).
“Os cientistas ainda não conhecem uma maneira de obter um supercondutor que funcione a temperatura ambiente sem a aplicação de pressões extremas. No entanto, isso não tem efeito prático. E identificar um novo tipo de interação é interessante porque pode ser um novo caminho para obter esse supercondutor em alta temperatura”, diz Carvalho, em entrevista ao Boletim SBF. O estudo publicado agora na Nature Physics teve uma parte teórica, realizada por Carvalho, Fernandes e Miranda; e uma parte experimental, realizada na Universidade de Yale, pelo grupo do professor Eduardo H. da Silva Neto.
Para realizar o experimento foi utilizado um microscópio de varredura de tunelamento para analisar o material supercondutor FeSe0.81S0.19, um seleneto de ferro dopado com enxofre. Esse material é uma liga de ferro (Fe), selênio (Se) e enxofre (S) que pertence à classe dos supercondutores baseados em ferro, que foram descobertos em 2008. A pesquisa identificou que o comportamento do gap supercondutor nesse material é diferente do observado em outros supercondutores e está alinhado com as previsões teóricas de um mecanismo baseado na teoria de flutuações nemáticas.
Supercondutividade é um estado em que um material conduz eletricidade sem resistência, geralmente a baixas temperaturas. Normalmente, isso ocorre quando os elétrons formam os chamados pares de Cooper devido a interações específicas, como aquelas mediadas por vibrações da rede cristalina ou por flutuações antiferromagnéticas. Porém, no caso do supercondutor FeSe1-xSx, o foco está no papel desempenhado pelas flutuações nemáticas. Fases nemáticas são estados em que os elétrons se organizam de maneira que a simetria rotacional do material é quebrada, mas a simetria translacional permanece intacta. Isso significa que o comportamento dos elétrons varia dependendo da direção, enquanto a organização translacional do material permanece intacta.
No estudo, os cientistas exploraram o comportamento do gap supercondutor, uma característica que mede a energia necessária para separar os pares de Cooper. Eles descobriram que o gap no supercondutor FeSe0.81S0.19 não é uniforme, sendo menor em algumas direções. De acordo com a pesquisa, os mínimos desse gap aparecem em ângulos de 45° em relação às ligações entre átomos de ferro no cristal. Essa característica contrasta com outros supercondutores baseados em ferro, onde o gap tende a ser mais simétrico. Essa descoberta sugere que, no material FeSe₁₋ₓSₓ, as flutuações nemáticas desempenham um papel central na formação dos pares de Cooper responsáveis pela supercondutividade.
“Além do composto FeSe1-xSx, a fase nemática ocorre em outros materiais supercondutores à base de ferro. No entanto, no diagrama de fase desses sistemas ela aparece na vizinhança da transição de fase para uma ordem antiferromagnética. Como resultado, a ocorrência quase que simultânea dessas ordens dificulta a caracterização do efeito líquido da nematicidade eletrônica na fase supercondutora. Em contraste, o material supercondutor FeSe1-xSx exibe uma transição de fase nemática sem a presença magnetismo, tornando-o assim uma plataforma ideal para a elucidação do papel das flutuações nemáticas no estado supercondutor”, explica Carvalho. “O que nós verificamos foi que o comportamento do gap supercondutor do material FeSe0.81S0.19 concorda precisamente com o resultado teórico baseado no modelo de flutuações nemáticas. Em outras palavras, o nosso trabalho demonstrou a existência de um novo mecanismo envolvido no aparecimento do fenômeno de supercondutividade.”
(Colaborou Roger Marzochi)