Por Mariana Hafiz
Única mulher doutora de sua cidade natal, no interior do Ceará, Rogelma se interessou por ciência no primeiro ano do Ensino Médio, quando viajou 480 quilômetros para estudar numa escola na capital do estado, Fortaleza. Lá, as aulas de física chamaram a sua atenção e a deixaram empolgada para explorar a área na faculdade. “Eu já tinha o desejo de ser professora, só não sabia o que iria ensinar. Depois que conheci a física no primeiro ano do ensino médio, decidi que queria ser professora de física”, lembra a pesquisadora.
Após a decisão, uma série de passos eram necessários para atingir o objetivo: ela precisava prestar o vestibular da Universidade Federal do Ceará (em 2002, a Universidade ainda possuía vestibular próprio) e fazer a prova específica para o curso escolhido. Como ela ia prestar para física, isso significava aulas extras na escola de física e matemática. Nas aulas de física, ela era a única aluna – não havia nem meninos. Mesmo decidida e com apoio dos pais, Rogelma escutou comentários desmotivantes de colegas e professores durante o processo: “Olha, física é difícil”, “Está vendo? Só tem você na aula, não é um curso fácil”, “Nossa, você é maluca, você vai para uma coisa que não tem ninguém” foram algumas das coisas que ouviu.
Após entrar na universidade, ela encontrou um tipo diferente de desafio – a representatividade: em um departamento de mais de 50 professores, duas eram mulheres. A hoje professora da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) se recorda de pensar, quando reparou nesses números, que a carreira seria árdua. O que fez diferença foi o incentivo da família, que aceitou e motivou a escolha da estudante – seu irmão também seguiu a carreira acadêmica e concluiu um doutorado em antropologia.


Além disso, Rogelma considera que ter a certeza do que queria foi determinante para mantê-la na carreira. Para chegar a ser professora em alguma universidade pública federal ou estadual no país é necessário fazer a graduação, dois anos de mestrado e mais quatro de doutorado, e depois esperar abrir uma vaga em concurso público, que por si só consiste em várias fases, com conteúdo de todos esses anos de estudo, também sobre a área de pesquisa e exigência de planejamento de aulas. Não bastasse o longo percurso e as dificuldades próprias de todos esses níveis da carreira, mulheres ainda lidam com outras dificuldades no meio do caminho. “O que me fez ficar e atravessar várias dificuldades, desde piadinhas no dia a dia até o meu potencial sendo colocado sempre em cheque por questionamento de professores ou de colegas, foi saber o que eu queria”, afirma Rogelma. “Eu queria muito ser professora de física e eu gosto muito de física, então esse gostar fez com que as dificuldades fossem superadas e que eu me concentrasse mais em fazer o percurso do que nos obstáculos”.
Representatividade e pesquisa
Ao longo da sua carreira, o número de mulheres na física foi algo que sempre chamou a atenção de Rogelma. Dentro da UFRB, em um departamento de 14 professores, apenas duas são mulheres. Isso é algo que ela associa, dentre outras coisas, ao desânimo das meninas em seguirem na área: lá na UFRB, os alunos entram num Bacharelado geral que dura 3 anos e, depois disso, escolhem a carreira em engenharias, física ou matemática. Rogelma enxerga que, por vários fatores, mas incluindo a falta de representatividade, muitas das meninas acabam escolhendo seguir para as engenharias. “Só eu e outra professora na física? Isso desanima. Além disso, tem-se aquela impressão de que física é muito difícil, o que afasta os jovens de ambos os gêneros, mas principalmente as meninas. As mulheres em ciências exatas quando erram algo, o potencial é questionado. Quando são homens, isso é considerado como só um erro, um lapso, coisa de momento. As alunas percebem isso também, de que é um ambiente hostil”, afirma.
Hoje, Rogelma analisa essas questões também do ponto de vista científico. Ela coordena um projeto de pesquisa que estuda a quantidade de mulheres professoras de física em universidades federais do Brasil localizadas em capitais. Dois colegas homens compõem a equipe do projeto a convite da professora, que julga ser importante incluir os homens neste processo para que eles tenham uma noção da disparidade nos números. “Quando contei o que estava querendo fazer, eles apoiaram imediatamente e disseram querer participar. Eles veem a importância do projeto, mas quando começam a avaliar os dados eles se surpreendem. Eu me lembro de um colega que estava coletando os dados e me disse ‘nossa Rogelma, em tal lugar tem tantos professores homens e poucas mulheres”, comenta a professora.
Para a pesquisadora, produzir conhecimento sobre a representatividade feminina na ciência é uma forma de argumentar por mudanças futuras e comunicar melhor o que essa diferença, na prática, quer dizer. “Quando eu falo que a ciência precisa das mulheres é porque onde você é minoria a situação complica. As decisões são tomadas em grupo, então se é um grupo que tem mais homens do que mulheres as decisões serão tendenciosas. É muito importante entender que a física precisa das mulheres para a gente ter mais diversidade, até porque isso gera mais resultados. Nós mulheres temos o potencial, então por que desperdiçá-lo por uma questão de preconceito?” questiona.
Além desse projeto, o foco das pesquisas de Rogelma na física é desenvolver modelos computacionais para entender como as moléculas de água interagem com outros materiais, visando obter água potável. O acúmulo de conhecimento adquirido por pesquisas dessa área pode melhorar o aproveitamento da água do oceano, por exemplo, principalmente para solucionar os problemas de escassez já existentes e que muitos países deverão enfrentar até 2030.


Ela também desenvolve projetos em colaboração com escolas públicas de Cruz das Almas (Bahia), onde fica o campus da UFRB onde ela trabalha, para ajudar as meninas a perceberem que elas gostam das ciências – Rogelma acredita que não necessariamente elas desgostam de ciências, mas que somente precisam de incentivo. Nesses casos, professoras e alunas da UFRB dão palestras nas escolas para compartilhar suas experiências.


Hoje, após persistir, Rogelma se sente realizada na profissão e compartilha todos os passos da carreira acadêmica em um perfil do Instagram, o @passeiocomafísica. Lá, a ideia é ajudar a divulgar o que de fato faz uma cientista no dia a dia, algo que pode passar despercebido. Seu conselho para as meninas que desejam tornar-se cientistas é “insistir sempre, não importa de onde a gente saia. Eu saí de uma cidade de 5 mil habitantes e sou a única mulher lá com doutorado, então parecia improvável que eu fosse conseguir. Acredite no seu potencial e não dê o poder da decisão do seu futuro para ninguém. Procure informação e siga a sua vontade”, conclui.