O Museu de Arte de São Paulo (MASP), em plena Avenida Paulista, já é uma obra de arte. Sonhado pela arquiteta Lina Bo Bardi, o museu tem influência do Modernismo e do Brutalismo, uma vez que usa o concreto aparente e o vidro. Inaugurado em 1968, impressiona até hoje com seu vão livre de 74 metros, criado dessa forma com o intuito de permitir vista livre para o Vale do Anhangabaú. A partir de quatro grossas bases de concreto, o MASP parece flutuar no vazio.

A ideia se torna ainda mais intrigante se pudéssemos enxergar cada vez mais o íntimo da matéria até o universo quântico, que revelaria que o átomo é também um grande vazio. Se o MASP fosse o núcleo de um átomo de hidrogênio, por exemplo, o seu único elétron estaria localizado próximo a Curitiba, no Paraná.

“Nós somos um grande vazio! O átomo é um grande vazio: é um núcleo no qual o elétron está girando em volta de um grande vazio. Por que isso tudo não colapsa?”, pergunta Olival Freire Jr, professor de História da Física da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Diretor Científico do CNPq e ex-membro do Conselho da Sociedade Brasileira de Física (SBF).

Para responder a essa pergunta, a revista Nature, referência em divulgação científica no mundo acadêmico, convidou Freire Jr e Thiago Hartz, professor do Instituto de Matemática da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a escreverem um ensaio sobre um evento da evolução histórica da mecânica quântica pouco mencionado na academia, mas de vital importância: o Princípio da Exclusão de Pauli.

Olival Freire Jr (dir), Silvan Schweber e Thiago Hartz.
Olival Freire Jr (dir), Silvan Schweber e Thiago Hartz.

Nomeado em homenagem ao físico teórico austríaco Wolfgang Pauli, que o formulou, esse princípio é fundamental para a compreensão da estrutura eletrônica dos átomos e, consequentemente, das propriedades da matéria que explicam por que somos o que somos no aspecto estrutural. “O Princípio da Exclusão de Pauli é absolutamente crucial”, afirma o historiador da ciência.

Diferentemente de outros artigos da revista, The Quantum Law of Matter pode ser lido gratuitamente no site da publicação. “Foi uma alegria receber o convite de uma revista com o prestígio da Nature, que tem tomado essa decisão de publicar uma série de ensaios escritos por especialistas do mundo inteiro e destinados a um público mais amplo, com o intuito de comemorar os cem anos da Mecânica Quântica no Ano Internacional da Ciência e da Tecnologia Quânticas (IYQ, sigla para International Year of Quantum Science and Technology). Que outros brasileiros possam ter essa oportunidade, que, digo, foi muito mais difícil do que escrever textos técnicos”, brinca Freire Jr, em entrevista online concedida ao Boletim SBF a partir de sua sala no CNPq.

O artigo de Freire Jr e Hartz busca atrair a atenção do leitor exatamente pela curiosidade sobre por que o átomo é como é e como ele se aglutina, formando elementos mais complexos, como moléculas. Além disso, apresenta um processo evolutivo das descobertas científicas entre os séculos XIX e XX, que, dia após dia, ano após ano, foi inspirando cientistas na busca por entender o Universo – da criação da Tabela Periódica à teoria sobre o elétron e ao Princípio da Incerteza, segundo o qual não é possível determinar ao mesmo tempo a velocidade e a posição de uma partícula.

A partir dos estudos de Max Planck, em 1900, sobre a emissão de energia distribuída em pacotes (quanta), até Niels Bohr, que, em parceria com outros cientistas, definiu a existência de três estados e números quânticos do elétron (camada, momento angular e momento magnético), algo estranho acontecia nos laboratórios durante o estudo do espectro ótico de uma amostra aquecida. Com o calor, os elétrons ganhavam energia, mas, em determinado momento, perdiam-na. Ao decaírem, emitiam luz, que era dividida por um prisma, criando linhas no espectro. No entanto, quando a amostra, além de aquecida, era exposta a um forte campo eletromagnético, as linhas se dividiam sem explicação. Essa foi uma das curiosidades que impulsionaram Pauli.

“O Princípio de Pauli foi influenciado por ideias de Edmund Clifton Stoner, mas sua abordagem era original — e incomum — em muitos aspectos. Para começar, parecia estar baseada principalmente em numerologia, sem uma conexão direta com a física conhecida. A principal contribuição de Pauli ao modelo de Bohr foi a introdução de um quarto número quântico — um que, ao contrário dos de Bohr, não tinha analogia com a física clássica e nem mesmo qualquer representação visual no espaço-tempo. Esse novo número quântico, o spin, poderia ter apenas dois valores”, escrevem os autores do ensaio.

Freire Jr reforça essa ideia de “numerologia” porque parte da formulação de Pauli surgiu como uma inspiração, semelhante à de artistas e poetas, que abstraem a realidade e a explicam sob a condição de mantê-la “invisível”, impossível de ser visualizada diretamente. O próprio Pauli, pai do spin, não saberia dizer o que era esse momento angular intrínseco do elétron. Aos 24 anos, lembra o artigo de Freire Jr e Hartz, Pauli já era um gênio da matemática e mantinha uma frutífera correspondência até com Carl Jung, um dos pais da psicanálise. Suas análises sobre o spin levaram-no a criar o que Freire Jr associa a um postulado dos Dez Mandamentos: dois elétrons nunca poderão ter os mesmos quatro números quânticos iguais.

“Um ano após o princípio de Pauli, a matemática chegou ao que se chama estatística de Fermi-Dirac. Os elétrons são considerados férmions, e, no caso deles, não podem ter os mesmos números quânticos iguais, caso contrário, colapsariam. Isso é o oposto do que ocorre com os bósons, que não possuem essa restrição. A matéria que conhecemos — átomos, moléculas — não se condensa. O Princípio de Pauli nos explica por que a matéria é espessa. Quer dizer, por que ela não reduz tudo? Por que não colapsa? Por que os elétrons e prótons não se juntam e fazem a matéria colapsar? Então, eu diria que é um princípio explicativo fundamental”, explica Freire Jr.

Freire Jr não descarta a importância de Werner Heisenberg, que introduziu o conceito de “mecânica matricial” e estabeleceu as bases formais da mecânica quântica em 1925, mas considera que Pauli é frequentemente esquecido nos cursos de Física no estudo da Mecânica Quântica. Para o cientista, Pauli levou a velha mecânica quântica ao seu limite máximo, preparando o terreno para novas descobertas. “Nós ficamos muito contentes de ter escrito esse capítulo, que é, eu diria, um momento de transição. É o máximo que a velha mecânica quântica foi capaz de produzir. A partir dali, já era a nova mecânica quântica. Hoje, você pode dizer que o Princípio de Pauli não tem nada de errado, ele continua sendo um princípio explicativo fundamental.”

(Colaborou Roger Marzochi)