Modelo de cadeias de spin com "rotatórias" representando interações quirais que direcionam o sentido de propagação de excitações de spin (vermelho) e de excitações que só se propagam na borda da rede (verde) Crédito: IIF/UFRN

Estranhas propriedades magnéticas podem surgir em filmes finos de certos materiais submetidos a temperaturas ultrafrias próximas do zero absoluto. Atualmente, experimentos desse tipo tentam comprovar em laboratório a capacidade dos elétrons desses materiais de produzirem um novo estado da matéria previsto pela teoria do magnetismo quântico ainda na década de 1980, chamado de líquido de spin quiral. A descoberta poderia ser a base de uma nova tecnologia, a computação quântica topológica.

Para ajudar nessa busca, físicos teóricos estão desenvolvendo novos métodos para calcular com precisão as condições físicas em que surgiriam a fase exótica da matéria. Uma equipe do Instituto Internacional de física da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (IIF-UFRN), desenvolveu uma nova abordagem para construir e analisar modelos de líquidos de spin quirais.

Liderados pelo  professor Rodrigo Gonçalves Pereira, o doutorando Gabriel Ferraz e a doutora Flávia Braga, todos do IIF, colaboraram com Reinhold Egger, na Universidade Heinrich-Heine, Alemanha, publicando o estudo em outubro na Physical Review Letters.

“O exemplo mais familiar de ordem magnética é o ferromagnetismo, em que os momentos magnéticos dos elétrons dentro de um material se somam quando o sistema se ordena coletivamente”, Pereira explica . “O resultado disso é uma magnetização macroscópica, que faz com que um ímã grude na geladeira. Existem vários tipos diferentes de ordenamento magnético, mas atualmente há um grande interesse em encontrar materiais isolantes nos quais os pequenos ímãs dos elétrons não se ordenam mesmo na temperatura do zero absoluto. Isso só pode acontecer por causa das frustrações das interações locais e dos efeitos das flutuações quânticas”.

Esse estado de desordem flutuante é  conhecido como líquido quântico de spin. O termo “líquido” se refere a uma analogia com líquidos e sólidos, no sentido de que em um material sólido os átomos estão ordenados em certas posições no espaço, enquanto nos líquidos eles se movem o tempo todo.

“Em isolantes magnéticos, os elétrons se encontram localizados em posições fixas de uma rede”, explica Ferraz. “Apesar de localizados, eles interagem com os seus vizinhos por meio de uma interação de troca. Um líquido de spin quiral é uma fase em que os spins desses elétrons interagentes não se ordenam em nenhuma direção específica, mas possuem um sentido de circulação que quebra simetrias de reflexão e de reversão temporal.”

“A nossa ideia é partir de um sistema em que os elétrons estão localizados em uma linha. Isso é um sistema unidimensional conhecido como cadeia de spin, que é bem mais simples de descrever teoricamente do que um sistema em que os elétrons estão em duas dimensões. O que fazemos então é colar cadeias na forma de junções, montando uma rede bidimensional”, explica o Prof. Pereira.

De acordo com a Dra. Flávia Braga, do ponto de vista numérico, tratar sistemas fortemente correlacionados em duas dimensões é uma tarefa extremamente difícil devido à carência de técnicas numéricas controladas. “A forma como construímos a rede faz com que seja possível utilizar o método do grupo de renormalização da matriz de densidade para determinar precisamente o ponto crítico de uma junção de cadeias e até mesmo inferir sobre propriedades físicas da rede bidimensional através da investigação de múltiplas junções”, afirma a física do IIF-UFRN.

Um dos possíveis desdobramentos do trabalho é que o melhor entendimento teórico ajude a projetar novos materiais. Em princípio, os líquidos de spin quirais podem ter aplicações em computação quântica topológica.

“Uma vez que se descubra um material que realiza essa física, você pode pensar em manipular as excitações coletivas para implementar certas operações lógicas. Essa é uma motivação para o estudo dessa área”, conclui o Prof. Pereira.

A pesquisa foi realizada graça ao apoio financeiro do MEC e do MCTIC.

Artigo científico
Spin Chain Network Construction of Chiral Spin Liquids
Gabriel Ferraz, Flávia B. Ramos, Reinhold Egger e Rodrigo G. Pereira
Phys. Rev. Lett. 123, 137202 –  25 de setembro de 2019
ArXiv:1906.00807

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