Maria Heloise Moraes de Souza (esq), Kyara Carolayne Lopes e Valeska Tibisay (dir), do colégio Marista Social Lucia Mayvorne.

As mulheres sempre tiveram um papel importante na ciência e no estudo da astronomia, desde Hipátia de Alexandria (370-415 d.C.) a Vera Rubin, que a partir de sua pesquisa apresentou evidências para a detecção da matéria escura no século 20. Com a inspiração dessas grandes cientistas, o projeto Meninas na Ciência, liderado por Gabriela Kaiana Ferreira, professora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), vem fazendo uma imersão no espaço profundo a partir do olhar feminino.

Desde o ano passado, o projeto participa do Caça Asteroides, uma parceria entre o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) e o International Astronomical Search Collaboration (IASC/NASA PARTNER), que estimula jovens a identificar rochas ainda não catalogadas no espaço a partir de um conjunto de imagens fornecidas por um observatório instalado no Havaí. Em decorrência desse projeto, uma escola privada vai levar três alunas do Ensino Médio até a sede da Nasa, nos Estados Unidos, em janeiro de 2026.

Kyara Carolayne Lopes, Maria Heloise Moraes de Souza, Valeska Tibisay e a profa Gabriela Gauche do Marista Social Lucia Mayvorne.

Em 2023, as meninas identificaram oito candidatos a asteroides e, neste ano, foram nada mais do que dez. O interesse pelos mistérios do Cosmos levou, neste ano, à inscrição de 140 meninas de escolas do Ensino Fundamental, Ensino Médio, Graduação e Pós-Graduação de várias partes do Brasil ao projeto por meio do Meninas na Ciência, que as reuniu em 11 equipes, comandas pela própria Kaiana e pelas demais líderes Ana Lindsey Fernandes, Gabriela Gauche, Ana Carolina Momm, Ana Isadora Martins, Caroline Conti, Julia Medeiros, Selene de Souza Siqueira Soares, Graziela Piccoli Richetti, Giovana Conod e Luma Mendonça. Cada equipe recebeu um pacote com 20 imagens que foram analisadas utilizando o software Astrométrica.

“A gente viu que foi uma atividade que teve muita repercussão para o projeto Meninas na Ciência, pois trouxe mais interessadas para o nosso Instagram. E as nossas atividades não são apenas presenciais, mas também online. Tivemos mais inscritas em palestras online e pessoas no Instagram procurando saber das notícias envolvendo a caçada aos asteroides”, diz Kaiana.

Ela aposta no projeto e espera que, no próximo ano, consiga financiamento para aprimorar o trabalho de pesquisa e, principalmente, levar as meninas na premiação durante a Semana Nacional de Ciência e Tecnologia (SNCT), que neste ano ocorreu no dia 9 de novembro, em Brasília.

Debora Peres Menezes, representando as equipes premiadas pelo Programa Caça Asteroides, recebeu as medalhas das quatro equipes premiadas. Débora é ex-presidente da Sociedade Brasileira de Física (2021 – 2023), professora da UFSC e  hoje ocupa a Diretoria de Análise de Resultados e Soluções Digitais (DASD) do CNPq. No dia 6 de dezembro, na UFSC, haverá um evento de entrega das medalhas às meninas.

Além de ser um sucesso, o projeto ainda conseguiu um efeito incrível. Três meninas que participaram das equipes serão levadas para conhecer as dependências da Nasa, nos Estados Unidos. Maria Heloise Moraes de Souza, Kyara Carolayne Lopes e Valeska Tibisay, estudantes do colégio Marista Social Lucia Mayvorne, na comunidade do Monte Serrat, em Florianópolis, embarcarão para essa aventura em janeiro de 2026. Elas são alunas de Gabriela Gauche, que entrou neste ano no Mestrado Nacional Profissional de Ensino de Física (MNPEF), na UFSC.

O Colégio Marista, que desenvolve um programa de envio de estudantes para a NASA, ficou tão impressionado com os resultados do Caça Asteroides do projeto Meninas na Ciência que decidiu proporcionar essa experiência às jovens participantes, transformando a caçada em um ponto de partida para uma jornada extraordinária

“Eu tive uma experiência com robótica e agora com esse projeto do Meninas na Ciência. A gente nunca imaginou que ia ter essa volta toda com esse projeto do Caça Asteroides que, na minha cabeça, era pequeno. Mas agora que eu estou percebendo que é muito grande”, diz Valeska, 18 anos, que nasceu na Venezuela, viveu na Colômbia e está há três anos no Brasil. “Para a gente foi algo muito único, mas parecia muito pequeno no início. A gente não tinha a percepção de quão grande era o projeto, que foi se tornando uma coisa imensa. Quando a gente viu, estávamos até chorando”, diz Maria Heloise, 17 anos, que mora a vida toda na comunidade do Monte Serrat e desde sempre estuda no Marista Social Lucia Mayvorne.

Ambas agradecem profundamente a iniciativa do Meninas na Ciência e do colégio Marista, porque além da viagem, sentiram-se empoderadas não apenas para trilhar uma carreira na ciência, mas para provar que o lugar da mulher é onde ela sonhar. “Eu tenho uma mente mais aberta para a ciência agora. E cada experiência importa para a nossa vida. Então, ver a volta toda que teve esse projeto, faz nós nos sentirmos mais capazes de fazer várias coisas!”, diz Valeska. “Eu acho que eu sempre pensei que eu queria seguir um caminho e que seria só esse caminho. E esse projeto me fez pensar que não tem só um caminho. Tem vários caminhos. Principalmente para nós mulheres. E que a gente deve seguir outros caminhos, deve estar nesses lugares que a gente merece”, completa Maria Heloise.

“O mais legal do projeto Meninas na Ciência com a Caça Asteroides é fazer com que meninas participem de algo que elas nunca imaginaram que elas poderiam participar, experenciando como a ciência é produzida e como a ciência pode ser acessível.”, diz Gabriela Gauche. “Além disso, é importante que elas percebam que podem estar onde elas quiserem, não somente nas ciências, mas que são capazes de fazerem aquilo que elas desejarem, contrariando todo esse estereótipo que a gente já conhece de muitos anos sobre o papel social da mulher.”

O espaço é das mulheres – Principais destaques femininos no estudo do Universo

Antiguidade

370-415 d.C. – Hipátia de Alexandria: filósofa, matemática e astrônoma que contribuiu para o conhecimento dos astros e a disseminação do pensamento científico na antiguidade.

Tempos Modernos

culo 19 – Williamina Fleming foi uma astrônoma pioneira que catalogou milhares de estrelas e nebulosas no Observatório de Harvard. Ela desenvolveu um sistema de classificação estelar baseado no espectro das estrelas, que foi a base para o trabalho de Annie Jump Cannon. Fleming também descobriu 10 novas estrelas e mais de 300 variáveis, sendo uma das primeiras mulheres a receber reconhecimento significativo na astronomia. Henrietta Swan Leavitt descobriu a relação entre o período e a luminosidade das estrelas cefeidas, essencial para medir distâncias no cosmos.

Século 20 – Vera Rubin desafiou paradigmas ao demonstrar a existência da matéria escura, revolucionando a astrofísica. Cecília Payne-Gaposchkin, em sua tese de doutorado em 1925, revelou que as estrelas são compostas majoritariamente de hidrogênio e hélio, uma descoberta ignorada à época, mas posteriormente confirmada como um marco na ciência.

A Astrônoma norte-americana Sandra Faber é co-desenvolvedora da Lei de Faber-Jackson, que relaciona a luminosidade de galáxias elípticas à velocidade de suas estrelas, e contribuiu para o desenvolvimento do Telescópio Espacial Hubble.

A física brasileira Carola Dobrigkeit Chinellato, professora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), foi aluna e amiga de César Lattes e representa o Brasil no Observatório Pierre Auger, na Argentina, e é a maior especialista em raios cósmicos.

Século 21 -Já Katie Bouman é uma cientista da computação que liderou a criação do algoritmo usado para gerar a primeira imagem de um buraco negro, capturado em 2019 pelo projeto Event Horizon Telescope.

A astrofísica brasileira Isabel Aleman, de Embu das Artes, na Grande São Paulo, participou da coordenação do estudo das primeiras fotos feitas pelo Telescópio Espacial James Webb da nebulosa NGC 3132, ou Nebulosa do Anel do Sul, que está a 2,5 mil anos-luz da Terra.

Rita de Cássia dos Anjos, professora da Universidade Federal do Paraná Seção Palotina, é vencedora dos prêmios da SBF Carolina Nemes e Anselmo Salles Paschoa, é uma grande cientista dos projetos internacionais do Observatório Pierre Auger, na Argentina, e o Cherenkov Telescope Array (CTA), que estudam raios cósmicos e raios gama.

(Colaborou Roger Marzochi)