O Laboratório de Espectroscopia Vibracional e Altas Pressões da Universidade Federal do Pará (LEVAP-UFPA), em colaboração com oito instituições de pesquisa em quatro países, está na vanguarda da investigação de novos materiais com potencial para aprimorar significativamente a “inteligência” de dispositivos eletrônicos, sensores, capacitores e células fotovoltaicas. As pesquisas têm se concentrado nas chamadas perovskitas híbridas, derivadas de estruturas óxido-metálicas que vêm sendo estudadas a várias décadas, mas que ao serem combinadas com moléculas orgânicas, transformam-se em híbridos dielétricos de grande interesse.

Um dos resultados dessa pesquisa culminou no artigo intitulado “Temperature and volumetric effects on structural and dielectric properties of hybrid perovskites”, publicado em 31 de agosto no periódico científico Nature Communications. O estudo analisou o comportamento do formiato de acetamidínio manganês (AceMn) e do formiato de formamidínio manganês (FMDMn) submetidos a variações de temperatura e pressão, revelando características intrigantes que conferem a esses materiais capacidade de apresentar um comportamento “inteligente” controlado por parâmetros externos.

“Em razão do interesse em materiais dielétricos que possam exibir propriedades inteligentes controladas por parâmetros externos, estes formiatos demonstraram ser candidatos promissores nesta pesquisa. O grupo abordou essa problemática utilizando diversas técnicas, envolvendo múltiplas instituições e pesquisadores de quatro países. Portanto, trata-se de um tema relevante e atual no qual temos trabalhado intensamente”, afirma o professor Waldeci Paraguassu, pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Física da UFPA e um dos coordenadores do Grupo de Espectroscopia Eletrônica e Vibracional (GEEV) do Departamento de Física da universidade.

Paraguassu co-assina o artigo na Nature Communications junto com seu aluno de doutorado, Antonio José Barros dos Santos, e outros cientistas incluindo Andrzej Nowok, Szymon Sobczak, Kinga Roszak, Anna Z. Szeremeta, Mirosław Mączka, Andrzej Katrusiak, Sebastian Pawlus, Filip Formalik, e Adam Sieradzki.

Dentre as descobertas divulgadas, é interessante que ao aumentar a pressão, em vez de se deformar ou se fragmentar, o AceMn “apresenta um comportamento peculiar: aumenta a simetria cristalina, transita para uma fase mais ordenada, com menor entropia”, explica o cientista. “Fenômenos como esse são particularmente interessantes para estudos de física fundamental, pois permitem sondar as razões por trás de sua ocorrência e os fatores que influenciam o aumento da simetria cristalina em condições de pressão elevada, o que não é comum”, diz, em entrevista ao Boletim SBF.

Uma outra observação peculiar foi feita para o material FMDMn, que exibe um comportamento distinto sob pressão. Assim como o AceMn, sua estrutura cristalina é composta por metais ligados ao grupo formiato com “cavidades” centrais que abrigam moléculas orgânicas. No caso do FMDMn, sob pressão, essas cavidades sofrem alterações levando os íons orgânicos a se ordenarem, sem que haja mudança na simetria cristalina, o que também é um fenômeno incomum nestes sistemas.

“O volume dessa cavidade é crucial para correlacionar as propriedades dielétricas com a dinâmica da molécula orgânica em seu interior. Assim, por exemplo, em relação à permissividade dielétrica, é possível aplicar um campo variável a essa molécula, que leva a variações da polarização. E medir o tempo de relaxação, que é o intervalo necessário para que a molécula retorne ao seu estado original após ser ativada pelo campo, esse é um dos pontos centrais de nossa pesquisa”, explica Paraguassu.

“Um aspecto central do estudo é a relaxação dielétrica, mais do que a condução elétrica. Embora haja discussões acerca da dos processos de condução de portadores de carga, como elétrons e éxitons, que estão mais associados às propriedades ópticas, como a fotoluminescência, o foco desta pesquisa não está na condução de portadores de carga, mas sim na interação da molécula orgânica com a cavidade cristalina, e com o campo elétrico plicado, que influencia o tempo de relaxação.”

A principal descoberta deste estudo é a relação entre pressão e volume e seus efeitos na ativação das propriedades dielétricas, como o tempo de relaxação. “Em resumo, propusemos um modelo em que pressão e temperatura são parâmetros que controlam o volume de ativação da relaxação dielétrica. Isso possui um forte potencial de impacto para a sociedade, pois pode resultar na criação de materiais inteligentes e multifuncionais, que permitem o controle dessas propriedades dielétricas através de parâmetros externos, incluindo campos magnéticos, uma vez que o manganês é um material magnético. A compreensão do controle dessas propriedades ópticas, magnéticas e dielétricas por meio de parâmetros externos é de fundamental importância para o avanço tecnológico.”

Com a exuberância da floresta amazônica, seus rios e sua rica cultura popular, pesquisas como as conduzidas pelo professor Paraguassu evidenciam a riqueza do Brasil e a amplitude da pesquisa científica, que busca consolidar um ambiente propício ao desenvolvimento tecnológico e humano.

(Colaborou Roger Marzochi)