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No dia 14 deste mês, perdemos Yogiro Hama, nosso colega e grande cientista do Brasil. Sua partida representa uma imensa perda para a ciência e para todos aqueles que tiveram o privilégio de conhecê-lo e trabalhar ao seu lado.

Iniciou sua vida acadêmica no Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP). Fez seu doutorado no Japão e regressou à USP, onde desenvolveu sua carreira, chegando a professor titular. Em décadas de trabalho, formou inúmeros pesquisadores, que hoje estão ativos e ocupam posições de liderança. Continuou trabalhando até dez anos depois de se aposentar.

Sua especialidade era a física de partículas elementares, com ênfase no estudo de colisões entre núcleos a altas energias. Introduziu entre nós a ideia de que nestas colisões se forma um fluido, cujo movimento é descrito pelas complexas equações da hidrodinâmica relativística. Foi nesta área que Yogiro ficou conhecido internacionalmente e onde deu várias contribuições notáveis.

Em colaboração com outros pesquisadores, ele desenvolveu o primeiro programa para resolver estas equações levando em conta o fato de que as condições iniciais (o estado da matéria logo após o impacto inicial) varia de uma colisão para outra (em linguagem técnica “event-by-event hydrodynamics”).

Com isso, deu a melhor explicação para um enigma, conhecido como “ridge”. Essa linha de pesquisa teve um grande impacto na área e agora virou o método padrão para estudar a produção de partículas em colisões nucleares relativísticas. Outra contribuição marcante foi sobre como este fluido se desfaz, como ele se dissocia em fragmentos que não interagem mais.

Em uma série de artigos com seus colaboradores, propôs uma nova maneira de terminar a fase hidrodinâmica (o chamado “freeze-out”) na qual as partículas finais são emitidas continuamente. Este mecanismo de emissão contínua representou uma mudança de paradigma na comunidade internacional envolvida no estudo de colisões nucleares a altas energias.

Além destas mudanças no início e no fim, Yogiro também foi muito inovador na evolução do sistema em sua fase hidrodinâmica, ao aplicar esta abordagem ao estudo de correlações entre partículas observadas no estado final destas colisões, conhecido como interferometria HBT, com o qual é possível ter uma ideia do tamanho do sistema denso e quente formado nestes processos. Ele também observou que a existência deste fluido poderia influir no alinhamento dos spins de certas partículas e deu uma explicação para o fenômeno conhecido como “polarização de hyperons”.  

Trabalhamos juntos por mais de 40 anos e tivemos colaborações extraordinárias. Para nós, ele foi uma figura marcante, tanto como cientista quanto como personalidade agregadora, que inspirou e formou gerações de pesquisadores.

Entre suas inúmeras realizações, destaca-se a criação, em 1989, da série de reuniões conhecidas como “RETINHA” (Reunião de Trabalho sobre Interações Hadrônicas), que continua sendo organizada anualmente até hoje. Essa iniciativa surgiu no contexto de um projeto temático da FAPESP, coordenado pelo Yogiro e renovado sucessivamente por 25 anos.

O projeto atraiu pesquisadores de diversas instituições além da USP, como UFRJ, CBPF, UNESP, UNICAMP, UFRGS e UFSC, fortalecendo a colaboração científica no Brasil. A RETINHA sempre se caracterizou por um ambiente aberto e estimulante, incentivando discussões livres e proporcionando espaço para a participação ativa de jovens pesquisadores.

A ideia de estruturar uma série de workshops voltados para uma área específica da ciência foi inovadora no Brasil. Esse projeto do Yogiro ficou registrado como o primeiro “Projeto Temático” da FAPESP. O impacto dessa iniciativa na formação de jovens cientistas foi imenso, e graças a este esforço, a comunidade brasileira de física teórica de interações hadrônicas tornou-se altamente coesa e ativa.

Ao longo de quase meio século de dedicação à nossa comunidade, o Yogiro foi decisivo para seu crescimento e consolidação. Sua ausência será profundamente sentida, mas seu legado continuará vivo em todos nós. Ele sempre será lembrado como um mentor e protetor, nosso verdadeiro Mestre Yoda da física teórica.

Seguiremos dedicados à nossa área de pesquisa, honrando seu exemplo e sua memória.

por Fernando Navarra (IF-USP), Frederique Grassi (IF-USP), Sandra Padula (IF- USP) e Takeshi Kodama (IF-UFRJ)