Planeta Terra, ano de 2187. A evolução tecnológica sufocou a humanidade que, destroçada por mudanças climáticas extremas e guerras por recursos naturais, desenvolve um sistema de foguetes capaz de viajar no espaço para criar uma nova sociedade em um exoplaneta habitável. O enredo é do livro “Fluxo Escuro: 2187”, escrito pelo jovem divulgador científico de 32 anos Lucas Ferreira, de Brasília, estudante do Mestrado Nacional Profissional de Ensino de Física (MNPEF) da Sociedade Brasileira de Física (SBF), na Universidade de Brasília (UnB).
Lançada no dia 14 de novembro, Dia Nacional da Alfabetização, a obra é monólogo de um refugiado climático que narra o que acontece quando há foco apenas na evolução da ciência, sem considerar os aspectos sociais e existenciais. Esses fatores, associados às mudanças climáticas, podem transformar o planeta em um lugar inabitável.
Ferreira atua hoje como professor bilíngue em uma escola particular de Brasília e foi monitor educacional no Planetário de Brasília, onde desempenhou atividades de ensino e educação em Astronomia e Ciências Naturais em 2021. Entre diversos projetos educacionais e de divulgação científica, o autor integrou o Projeto “GLOBE/NASA/AEB no âmbito do Ciência na Escola” como parte do corpo técnico do Programa GLOBE Brasil, da Agência Espacial Brasileira (AEB), vinculado como bolsista do CNPq (2019-2020).
O livro ilustrado conta com imagens criteriosamente selecionadas e tratadas por Ferreira, que realizou uma curadoria detalhada para narrar a história também através de imagens, dando ao leitor cenários distópicos e futuristas, além de explorar as possibilidades tecnológicas de um futuro não tão distante assim. O livro também está disponível na versão digital para smartphones, tablets e Kindle.
As influências de Ferreira transitam desde Stephen Hawking, Kip Thorne, Carl Sagan, Marcelo Gleiser, Christopher Nolan a Jorge Luis Borges. O escritor é também apaixonado por heavy metal. Com sua guitarra de 7 cordas e com o nome artístico de “Comets in the Sky”, ele lançou em 2023, nas plataformas de streaming, a música Momentum. Para ele, a Educação é a saída para se evitar o trágico destino da Terra previsto em seu livro, o que mostra que o jovem divulgador científico está no caminho certo. Leia abaixo os principais pontos da entrevista que Ferreira concedeu ao Boletim SBF.
O que levou você para esse caminho da divulgação científica? E quais são as suas influências nessa área?
Desde o início da minha graduação no curso de Ciências Naturais da Universidade de Brasília (UnB), tive contato com os livros da biblioteca da UnB, na seção de Física e Astronomia encontrei um livro do Stephen Hawking e do Kip Thorne (vencedor do Nobel de Física em 2017 junto com Rainer Weiss e Barry C. Barish, por seu trabalho na detecção de ondas gravitacionais com o observatório LIGO). Era um livro sobre buracos negros. Então, comecei na graduação lendo sobre os buracos negros e objetos astronômicos exóticos, como estrelas de nêutrons, pulsares, quasares, etc. E isso despertou o meu interesse na Astronomia. Na época, eu estava cursando uma disciplina de Astronomia e foi muito interessante ter esse contato com algo um pouco mais científico, mais acadêmico. E, depois, já emendei com os livros de Carl Sagan e toda a parte da literatura científica. Tive contato também com os livros do Marcelo Gleiser. Cheguei a conhecê-lo pessoalmente na Semana Nacional de Ciência e Tecnologia de 2014, em Brasília. Ele autografou o meu exemplar de “A Dança do Universo” e me incentivou a continuar na Educação. Então, eu já tinha percebido que tinha facilidade para escrever e queria produzir algo nessa mesma linha: escrita científica. Ainda na graduação, cheguei a produzir alguns recursos didáticos e pequenos textos pela AEB/MCTI, mas nada exatamente como um livro.
Fluxo Escuro 2187 é o seu primeiro livro?
Exatamente.
E na ficção científica, o que você tem de inspiração nessa área?
Eu consumo mais material audiovisual. Se a gente for falar de Astronomia e Astrofísica, viagem no tempo, etc., acho que o filme “Interestelar” (Christopher Nolan, 2014) é uma das grandes referências que eu tenho. Eu não cheguei a consumir tanta parte de ficção científica, propriamente dita, até porque o Fluxo Escuro, apesar de ter essa pegada de ficção científica, é um livro mais pé no chão. Então, ele acaba entrando em Astronomia, Astrofísica, vai caminhando para termos que envolvem até Cosmologia também. Mas uma das influências que eu lembro que explodiu a minha cabeça, a minha mente, foi o conto “Biblioteca de Babel,” escrito por Jorge Luis Borges, que foi uma indicação do meu orientador na época da graduação. É uma história que fala sobre uma biblioteca infinita, que tem infinitos andares para cima, infinitas partes para os lados, dividida em vários núcleos que são hexágonos. A biblioteca em si são prateleiras divididas em hexágonos, interligadas para todos os lados, para cima e para baixo. As pessoas que vivem nesse mundo são chamadas de bibliotecários. Achei muito interessante como ele traz o conceito matemático de infinito e escalas em um conto pequeno.
No livro, você prevê o ano de 2100 o momento no qual haverá uma preocupação real sobre sustentabilidade no mundo. Queria entender o que levou você a fazer essa projeção, porque o fim do século é justamente o momento em que as previsões dos cientistas mostram que haverá uma drástica mudança climática, ainda maior do que a gente já vive hoje.
Por conta do livro se passar numa distopia, foi projetada uma guerra de recursos, que é chamada de Grande Guerra de Recursos, e também alguns estudos que eu fiz de Ray Kurzweil, que falam sobre singularidade tecnológica e alguns assuntos de futurologia. Então, é uma projeção que não está tão longe, como eu já vi alguns livros que projetam para o ano de 2800 e até na virada do milênio, mas que essa guerra por recursos envolve armas nucleares. Hoje a gente ainda tem um estoque absurdo de armas nucleares. Trata-se de um cenário que foi projetado em conflitos políticos, sociais e econômicos, envolvendo armas nucleares e que todos esses conflitos acabaram causando danos irreversíveis aos ecossistemas. O livro entra um pouco na discussão desses cenários, a partir de um monólogo de um refugiado climático que está passando por essas situações na Terra, que tem contato com a ciência, mas ele não é um dos cientistas (privilegiados) daquele mundo. O livro acaba sendo um livro descritivo. É uma narrativa desse personagem, que descreve os cenários tanto distópicos quanto tecnológicos e que, ao longo do livro, entra também em discussões sobre a vida fora da Terra, a questão dos exoplanetas e até do termo Fluxo Escuro, que vem da Cosmologia.
O livro discute essa ideia que a evolução tecnológica praticamente engoliu a humanidade, e destruiu a Terra, levando os humanos a buscar um exoplaneta, como você escreve, distante há 10 mil anos se viajar a 0,75% da velocidade da luz. Você acredita que a ciência conseguirá isso um dia? Você defende a busca por uma nova casa para a humanidade em um exoplaneta?
Com certeza. É uma brincadeira, uma jogada de tempo, distância e viagem espacial. Até porque as distâncias são tão imensas e alcançar essas velocidades para a humanidade hoje é inviável. Mas a projeção de alcançar um exoplaneta a 72 anos-luz de distância seria também uma projeção no escuro, porque como estará a tecnologia daqui 100 anos? Então, o livro chega a discutir sobre os novos tipos de processamento quântico, como os Qubits, por exemplo, que vai, com certeza, abrir portas para novas tecnologias, incluindo tipos de propulsão em relação às viagens espaciais.E aí eu lembro que uma das grandes influências para eu escrever sobre isso foi uma das pesquisas que tive contato na UnB, do professor José Leonardo Ferreira, do Laboratório de Física de Plasmas. Mas no livro chego a comentar a ideia de controlar fissões nucleares para a liberação de energia e alcançar essas velocidades. A que fim vamos conseguir fazer isso? Eu acho que é uma das ideias de viagens que a gente consegue fazer mentalmente lendo o livro.
O livro é rico na explicação de conceitos científicos para o grande público…
Sim, ele é um livro informativo, com caráter de divulgação científica, letramento científico, até porque ele foi lançado no Dia Nacional da Alfabetização, 14 de novembro. Isso porque ele também trata sobre essa alfabetização científica. E, sem dúvida, o livro é rico nessa parte toda relacionada à explicação de conceitos científicos.
E a expressão Fluxo Escuro, qual é a sua simbologia?
Fluxo Escuro foi um termo que eu escutei enquanto estava fazendo um curso de Cosmologia com o professor da UFSC Alexandre Zabotti, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em uma das aulas e fui pesquisar. Na época, eu estava trabalhando no Planetário de Brasília, fazendo um curso de Astrofísica e outro de Cosmologia, eu estava envolvido ali com Astronomia a fundo, e acabou que me encantei por esse termo, que acabou me inspirando para dar nome ao livro anos depois. Trata-se da ideia de que o Universo inteiro poderia estar convergindo para um ponto, como se ele pudesse ser arrastado de fora do Universo Observável. Será que existem outros Universos? É muito interessante pensar nessas escalas exorbitantes do Universo, e poder colocar isso em um trabalho, ou em um livro era algo que eu já queria desde aquela época. Todo o processo criativo e o livro em si entra naquela velha brincadeira dos escritores: “é o livro que eu gostaria de ler”. É o tipo de livro que eu, na graduação, ou em outros momentos da minha vida, gostaria muito de ter contato. É um livro que trabalha um pouco o lado fantasioso, mas não muito, até porque eu também nunca gostei muito dessa ficção científica muito pesada, de alta fantasia e que conseguisse ensinar alguma coisa ao longo do livro, principalmente sobre tecnologias, viagens espaciais, imaginar cenários, falar de, por exemplo, características dos exoplanetas, bioassinaturas e por aí vai. Até porque no final do livro tem um glossário científico, mas não qualquer glossário, é um glossário feito à mão, muito detalhado, com mais de 60 palavras e termos que vão aparecendo ao longo do livro.
Independentemente da possibilidade de a ciência, um dia, levar a gente para um exoplaneta, você citou Marcelo Gleiser, que, no livro “O Despertar do Universo Consciente – Um Manifesto para o Futuro da Humanidade” (Editora Record) propõe que, em vez de focarmos no fim do mundo, devemos refletir sobre o que podemos fazer para mudar o mundo hoje. Com essa perspectiva de que a Terra é o melhor lugar para a existência da vida, qual tem sido a sua contribuição para evitar essa profecia distópica apresentada no seu livro?
Eu acho que o meu papel como professor de Física e Ciências, tanto no âmbito do ensino médio quanto no fundamental, é explicar, não só para os adolescentes, mas para as crianças também, questões que envolvem desde o meio ambiente à conscientização sobre a produção do lixo, seu impacto ambiental, e falar também de questões um pouco mais complexas como a poluição luminosa, temperatura de cor, o impacto da luz nos seres vivos e na vida selvagem em torno das grandes cidades e por aí vai. Eu trabalho com imagens e vídeos, então as crianças acabam tendo esse contato com o impacto que o ser humano vem causando, como a poluição dos oceanos, aumento da temperatura, etc. Eu mostro, por exemplo, os Mapas Globais da NASA, que inclusive foram um dos conteúdos que acabaram entrando para o livro, onde os cientistas e agências espaciais se unem para criar esses mapas, que são mapeamentos muito detalhados do nosso planeta.
(Colaborou Roger Marzochi)