Ilustração da metáfora do Polaron.

Imagine um pequeno íon, partícula carregada eletricamente, do tamanho de um grão de areia em um oceano imenso formado por átomos. Esse cenário não é apenas fruto da imaginação: ele está na vanguarda da física quântica, ajudando cientistas a entender como as partículas se comportam em sistemas extremamente pequenos e complexos. Pesquisadores do Brasil e da Itália exploraram um fenômeno chamado polaron iônico de Fermi, que acontece quando uma impureza carregada (o íon) é inserida em um banho de partículas chamadas férmions, que são partículas fundamentais para a composição da matéria e incluem prótons, nêutrons, elétrons e quarks.

Os resultados foram publicados no dia 2 de dezembro na revista Physical Review Letters (PRL) no artigo “Fermi polaron in atom-ion hybrid systems”. Esses férmions seguem regras da mecânica quântica, que muitas vezes desafiam nossa intuição cotidiana. Por meio de simulações computadorizadas avançadas, usando uma técnica conhecida como Monte Carlo quântico, os cientistas analisaram como essas partículas interagem e como a presença de um íon modifica o ambiente ao seu redor, conseguindo resultados até então inéditos na literatura sobre o tema.

“O polaron é o que a gente chama de quase-partícula. Ocorre quando você coloca uma impureza (íon) em um banho, que é um gás. E essa impureza, juntamente com a sua vizinhança, tem um comportamento e tem propriedades típicas de uma partícula. Então, todo esse conjunto pode ser encarado como uma única partícula, que tem uma massa efetiva, tem uma energia de ligação, pode interagir com outras quase-partículas, inclusive”, diz Renato Pessoa, professor da Universidade Federal de Goiás (UFG) e principal autor do artigo, que ainda é assinado pelo professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Silvio A. Vitiello e pelo colombiano Luis A. Peña Ardila, da Universidade de Trieste, Itália.

Antes de avançarmos, vamos entender o conceito de polaron. Pense em um polaron como uma partícula que arrasta consigo uma “nuvem” de outras partículas ao se mover em um material. Imagine uma bola de boliche sendo jogada em um colchão d’água: enquanto a bola se move, ela deforma o colchão ao seu redor, criando um padrão que a segue. No caso dos polarons, o “colchão” é o material quântico, e a “bola” pode ser uma partícula como um íon.

Os pesquisadores previram no estudo teórico um experimento usando uma “armadilha de íons”, sistemas de lasers que aprisionam a partícula em meio ao gás que perfaz o “banho” em uma temperatura próxima do zero absoluto. “Os experimentos normalmente são realizados utilizando átomos alcalinos, de lítio ou algum outro átomo da mesma família do lítio na tabela periódica. Então, na maioria das vezes, esses polarons são formados ou por partículas de mesma massa, ou isótopos, ou um átomo como esse ionizado que é colocado dentro do banho”, explica Pessoa.

No estudo, os cientistas se concentraram em sistemas onde um íon carregado é introduzido em um “banho” de férmions altamente organizados. Nesse banho, que é uma sopa de partículas quânticas extremamente frias, os férmions têm uma polarização de spin. O íon é inserido no “banho” com spin invertido em relação aos férmions. “Quando esse íon é colocado no banho, ele interage com um potencial de longo alcance com essas partículas e o íon juntamente com toda sua vizinhança se comporta como uma quase-partícula. E aí é chamado de polaron”, diz Pessoa.

Ao realizar os cálculos, os cientistas mediram propriedades importantes desse sistema, como o espectro de energia, a massa efetiva (que mostra como o íon “pesa” dentro do banho) e o comportamento estrutural das partículas ao redor do íon. E descobriram que em situações de forte acoplamento – onde o íon interage intensamente com o banho – surgem grandes alterações na densidade ao redor do íon, algo que as teorias existentes não previam.

“Há uma literatura relativamente vasta a respeito do tema de polarons, não é um assunto muito novo. No entanto, quando se coloca íons e vai se estudar isso de maneira teórica ou mesmo fazendo uma simulação, essas metodologias tradicionais não conseguem alcançar o que a gente alcança utilizando Monte Carlo, que é o fato de que, por conta da interação do íon com as outras partículas, a densidade do banho se modifica muito fortemente em torno da partícula. E essa modificação na densidade do banho na vizinhança da impureza afeta de maneira muito importante as propriedades encontradas, a massa efetiva, a energia e assim por diante”, diz Pessoa.

O estudo observou como o sistema pode fazer uma transição suave entre dois estados diferentes: o estado de polaron (em que o íon arrasta uma “nuvem” de partículas ao seu redor) e o estado de molécula, em que o íon se liga mais diretamente a algumas partículas do banho. Essa transição, no entanto, é diferente do que acontece em sistemas neutros, nos quais não há carga envolvida.

Embora esse estudo aconteça no mundo dos sistemas quânticos, ele oferece insights importantes para tecnologias muito práticas. Um exemplo são os semicondutores finos, usados em dispositivos eletrônicos modernos, como celulares e computadores. Além disso, plataformas que combinam átomos e íons estão sendo estudadas como ferramentas para tecnologias quânticas, incluindo computadores quânticos e sensores ultrassensíveis. Compreender como íons e férmions interagem pode abrir caminho para avanços nesses campos.

Mas esse não foi o principal objetivo desta pesquisa, afirma Pessoa. “A contribuição maior do trabalho não mira diretamente a aplicação tecnológica desses sistemas, uma vez que o trabalho está interessado no entendimento da natureza e entender como que a ela se comporta nesse limite de um gás extremamente frio, com a temperatura muito, muito baixa, onde você tem um domínio da mecânica quântica. Ou seja, todas as propriedades do sistema só podem ser compreendidas à luz da mecânica quântica, resolvendo a equação de Schrödinger para esse sistema. Nós temos um objetivo muito claro de compreender o que é que está sendo alcançado no experimento e dar contribuições também no entendimento da natureza nesse limite onde o experimento ainda não alcançou. Então esse seria o objetivo final desse trabalho e não nesse momento mirar em aplicações tecnológicas imediatas.”

(Colaborou Roger Marzochi)