Galáxias e estrelas observadas pelo Telescópio James Webb - Crédito NASA, ESA, CSA, STScI

Obra é um manifesto que defende que mudanças de comportamento das pessoas na direção do consumo consciente e no respeito à diversidade cultural podem ajudar mais na influência de governos e empresas; autor faz também uma crítica do triunfalismo científico e a intenção de colonizar Marte e outros planetas

A vida na Terra é extremamente rara e o planeta, também. Se há chance de haver vida em outros lugares do Cosmo, esses seres podem estar tão distantes que nunca faremos contato; e por mais que se busque um lugar como a Terra, menor é a chance de ser habitado pelo ser humano e mais difícil ainda haver condições que garantam o surgimento da vida. Esta é a principal tese do “Biocentrismo”, nova forma de pensamento sobre a história da humanidade que o físico, escritor e astrônomo Marcelo Gleiser apresenta em seu novo livro “O Despertar do Universo Consciente – Um Manifesto para o Futuro da Humanidade” (Editora Record, 250 páginas), cujo lançamento no Brasil ocorreu no último dia 14 de março, em palestra do autor na Unibes Cultural, em São Paulo.

O Biocentrismo seria uma capacidade ímpar de a humanidade colocar a vida como a primeira e mais importante regra moral a ser seguida globalmente, com um profundo respeito à diversidade narrativa sobre a história humana, suas representações e a consciência de que não estamos acima da natureza, como argumenta o autor ao longo da obra apresentando dados sobre física, astronomia, biologia, filosofia e, de certa forma, antropologia. “Essa mudança vem lá de dentro, é uma mudança que tem que pegar no coração das pessoas, tem que pegar na carteira das pessoas, mais do que em ideologias de progresso infinito”, afirma o físico, durante a palestra de lançamento da obra.

Reconhecido como um grande divulgador científico, Gleiser argumenta que, nos cerca de 300 mil anos de história da espécie humana, os Deuses habitavam a natureza, que começou a ser dessacralizada com a agricultura, há 10 mil anos, e as religiões monoteístas, que levaram Deus para longe da Terra e defenderam que a natureza existia para servir o homem.  Dos atomistas pré-socráticos à Copérnico, que defendeu que não era a Terra o centro do Universo, houve o crescimento da razão e do saber científico que influenciou o Iluminismo. A ciência deu base para a Revolução Industrial, que gerou cidades superpovoadas dependentes de alimento, produzido em larga escala, e energia, proveniente de combustíveis fósseis; ao passo que a evolução do estudo da astronomia revelou que não só a Terra não é o centro do Universo, como a Via Láctea não é a única galáxia.

“O Iluminismo, aquela explosão de racionalidade que surgiu na Europa no Século XVIII, veio do sucesso da Física, que a natureza não só era um objeto, como também era um objeto que seguia leis mecânicas precisas, era aquela ideia da natureza era um relógio, um mecanismo de relógio. Então se você tem essa ordem no universo, a razão humana é capaz de entender essa ordem e esse é o único caminho para a verdade. Essa que é a centralidade da ideia do Iluminismo, que a razão humana, através do pensamento mecanicista, reducionista, de pegar as coisas grandes e quebrar em pedaços pequenos para entender é o único jeito da gente chegar na verdade. Essa funciona para certas questões científicas mas não para as que envolvem a vida e a possibilidade de vida em outros mundos”, diz o cientista.

Mesmo defendendo a importância da ciência na história da humanidade, o autor avalia que o avanço da astronomia reduz a importância da Terra diante do Universo, como se a vida pudesse facilmente existir em algum outro lugar parecido com este planeta, tese que ele critica ao mostrar que não só isso é raro, mesmo dentro trilhões de planetas e luas na Via Láctea, como é até hoje impossível conhecer as condições que levam a passagem de elementos inorgânicos à orgânicos, à vida. “Esse pulo em que você vai da química inorgânica para o orgânico, para a bioquímica, você começa a formar aminoácidos, proteínas… o pulo disso para a primeira vida, é totalmente misterioso”, diz o físico, durante o lançamento do livro. “A Terra não só é um lugar onde a vida surgiu, mas com as propriedades que mantém a vida durante esse tempo todo.”

Com o crescimento da população, que passou de 2 bilhões no início do século 20 para hoje 8 bilhões, a pressão sobre o planeta cresceu demasiadamente, sem contar a poluição e destruição ambiental que estão levando à extinção de espécies e ao aquecimento global. Das tribos às cidades, houve um processo de colocar para fora o que se considera natureza, houve um objetificação da natureza, a Terra perdeu o seu maravilhamento.

“A ideia é uma reconexão com o que eu chamo de coletividade da vida. Nós não somos os donos do planeta. Nós somos parte do planeta. E achar que a ciência, que certamente ajuda muito no desenvolvimento tecnológico, de tudo, vai resolver todos os problemas que a gente está causando com a industrialização, também não vai dar certo. Isso daí tem um nome, se chama triunfalismo científico”, afirma o cientista.

Gleiser se posiciona contra a intencionalidade de colonizar outros planetas, como Marte, não apenas porque o planeta é completamente hostil à vida, mas também que a emergência climática exige uma resposta urgente, que não pode esperar décadas. “E se a gente fosse colonizar outro planeta, quantas pessoas iriam? Quem que ia decidir quem vai? Oito bilhões? Nem a pau. Talvez mil, quinhentas, cem mil? E o resto? Fica aqui. Então, esse elitismo, sabe, é um absurdo. O foco da nossa vida é nesse planeta. Esse aqui é o ponto central.”

E, nesse processo, o autor defende a pluralidade de visões sobre a Terra, defende ações individuais na busca de reduzir o consumo de água, energia e carne, pois acredita que grandes revoluções têm início em pequena escala, apesar da importância de políticas públicas. De modo geral, Gleiser defende a ressacralização da Terra por meio da ideia de que a vida é extremamente rara. “Esse é o ponto principal que eu tento levantar no livro, que a gente tem que voltar ao que eu chamo de uma ressacralização da Terra. E que o ponto central da palavra religião é religar, é reconectar. Então, para nós, nesse momento histórico da nossa civilização, é religar com o quê? É religar e reconectar com o passado evolucionário da nossa espécie que durante 290 mil anos mais ou menos estava profundamente conectado com a natureza até que a gente saiu e construiu essas coisas aqui que são importantes, têm uma função, mas aqui não tem nada de natureza. Tudo isso aqui está fora da natureza. As cidades botam a natureza para o lado de fora”, afirma, durante a palestra. “Pequenas transformações, jeitos de viver que juntos, somados, podem chegar a uma coisa muito maior do que a gente tem no momento. Não fazer nada, para mim, é um suicídio coletivo.”

E você, membro da comunidade SBF, já refletiu sobre o tema?

(Colaborou Roger Marzochi)