Um jovem físico brasileiro de 24 anos descobriu um método eficaz para realizar uma medida de propriedades de processos quânticos muito mais próxima da real sem utilizar o método Choi, desenvolvido por Man-Duen Choi, um matemático canadense conhecido por seu trabalho em teoria dos operadores e mecânica quântica.
O nome dele é Guilherme Clarck Zambon, piracicabano que faz doutorado sanduíche no Instituto de Física de São Carlos, da Universidade de São Paulo, e Escola de Ciências Matemáticas e Centro para a Física Matemática e Teórica de Sistemas Quânticos Fora do Equilíbrio, da Universidade de Nottingham, no Reino Unido. A descoberta de Zambon foi relatada no artigo “Process tensor distinguishability measures”, publicado no dia 10 de outubro na revista Physical Review A, que recebeu o selo Editor’s Suggestion do periódico científico por se destacar com relação aos demais artigos da edição.
“O artigo mostra que o uso do método Choi apresenta problemas e encontro uma solução”, diz o cientista ao Boletim SBF, em entrevista a partir do Reino Unido. “A forma usual, que eu também já utilizei em meus primeiros artigos, pode ser enganosa. Portanto, essa minha contribuição faz com que esse tipo de medida de propriedades de processos quânticos seja mais real”, afirma.
Os pesquisadores no campo da física quântica estão explorando maneiras de descrever como sistemas quânticos evoluem em múltiplas etapas ao longo do tempo, por isso há essa busca por métodos capazes de quantificar essas transformações. Essa linha de estudo quer entender processos complexos em sistemas que interagem com seu ambiente, algo que vemos na chamada teoria dos “tensores de processo”. Mas afinal, o que isso significa?
Os tensores de processo são uma espécie de “pente quântico”, um conceito que descreve o comportamento de um sistema quântico (como partículas subatômicas) enquanto ele passa por uma série de transformações. Imagine um pente com vários dentes, onde cada dente representa um momento no tempo em que o sistema é medido ou interage com algo ao seu redor. Em cada passo, o sistema pode mudar de acordo com leis quânticas, o que torna o rastreamento de sua evolução um desafio.
“Cada dentinho do pente é uma evolução de um instante de um determinado tempo para outro. E o cabinho do pente, que é o que liga os dentes, representa o fato de que os dentes estão correlacionados. Então, o que acontece no passado, dependendo do que acontecer, pode influenciar o que vai acontecer no futuro. É por isso que vem a estrutura do pente. São determinadas etapas do processo que estão correlacionadas”, explica Zambon.
O problema é como medir as diferenças entre dois processos quânticos. Assim como em outras áreas da ciência, é importante ter formas de dizer se um processo é muito diferente de outro, especialmente para aplicações tecnológicas onde a precisão quântica é essencial, como na computação e comunicação quânticas. Neste estudo, o cientista investigou duas maneiras de medir a chamada “distinguibilidade” entre processos quânticos: as divergências de Choi e divergências generalizadas.
Cada uma dessas medidas tem suas próprias características. No entanto, as divergências de Choi, embora úteis, apresentam uma limitação: elas não seguem uma regra importante da teoria da informação que garante que, se tivermos um conjunto de dados, a quantidade de informação contida nesse conjunto não pode aumentar quando simplesmente processamos os dados.
“O principal foco do estudo é entender uma propriedade chamada Markovianidade, ou sua ausência, a não-Markovianidade. Essencialmente, estamos falando da ‘memória’ de um processo. Em um processo Markoviano, cada estado depende apenas do presente, sem influência do passado – como se os dentes de um pente estivessem soltos, sem cabinho conectando-os; o que ocorre em um momento específico não interfere no futuro. Já os processos não-Markovianos carregam uma espécie de memória, onde estados passados impactam estados futuros”, explica o cientista. “Para identificar essas propriedades, geralmente utilizamos métricas chamadas divergências de Choi. Na literatura, quase todos os estudos sobre tensores de processo usam essas divergências para medir a diferença entre processos, mas existem desafios importantes nessa abordagem que buscamos explorar.”
Ao estudar profundamente a questão, ele descobriu que o uso dessa metodologia deixava brechas que provocam erros. “Eu fui revendo na literatura e percebi que esse era um problema que o pessoal tinha passado reto. Não se tinha prestado atenção no fato de que as divergências de Choi não satisfazem a desigualdade de processamento de dados. A maior parte das aplicações não menciona isso, acho que não se atentaram. E tem, inclusive, dois outros artigos que afirmam que não existe esse problema. Falaram, se você olhar, que esse problema não existe. E os demais artigos simplesmente não dão atenção. Só que daí o que eu mostro é que esses artigos que mostram que não existe o problema, eles estão errados, eles deixaram isso passar. Se você fizer o cálculo, você percebe que existe o problema”, afirma.
Para encontrar uma solução, Zambon buscou em uma área correlata, um outro tipo de pente chamado de quantum strategies (estratégias quânticas), para as quais se utilizam as chamadas divergências generalizadas. “Então, eu vi que eles usavam nessa área próxima as divergências generalizadas, eu falei: acho que a gente pode e deve usar isso também para tensor de processo. Então, eu pego essa outra medida e eu demonstro que elas satisfazem essa propriedade da desigualdade de processamento de dados e mostro algumas outras propriedades úteis também, não só essa, mas algumas outras que também são interessantes para você utilizar.”
Ele concluiu, portanto, que as divergências generalizadas podem ser uma opção mais apropriada para comparar processos quânticos em várias situações. Esse tipo de análise ajuda a desenvolver teorias de recursos quânticos, que são áreas de estudo focadas em medir e quantificar recursos quânticos que podem ser valiosos em tecnologias avançadas. A pesquisa abre caminhos para tornar mais seguras e precisas as operações em tecnologias de ponta.
(Colaborou Roger Marzochi)