Ingrid Barcelos busca incentivar as meninas na ciência

Ingrid David Barcelos, pesquisadora que ganhou destaque com pesquisas sobre os materiais bidimensionais, como o grafeno, esforça-se para participar de vários eventos, entre os quais aqueles que incentivam jovens a conhecer a profissão

A cultura está emaranhada em todas as atividades humanas e não seria diferente na Física. Como diz o cantor e compositor Gilberto Gil, cultura deveria ser algo tão comum como arroz com feijão, sem ser vista como algo extraordinário. E na vida da física Ingrid David Barcelos, pesquisadora e Líder do Laboratório de Amostras Microscópicas (LAM) do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), em Campinas (São Paulo), a cultura permeia sua vida desde a construção de uma carreira de sucesso até um dos seus objetivos atuais: incentivar o aumento do número de mulheres na ciência. O LNLS é um dos laboratórios do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM).

Ingrid Barcelos em palestra do projeto Supercientistas com alunos do Ensino Médio

E Ingrid tem esse poder de influência. De 2016 a 2021, ela venceu nada menos do que quatro prêmios, incluindo o Prêmio José Leite Lopes, concedido pela Sociedade Brasileira de Física (SBF) às melhores teses, e o Prêmio Para Mulheres na Ciência – Categoria Física, em 2021, concedido pela L’Oréal, Unesco e Academia Brasileira de Ciências (ABC). “Isso foi uma mudança de paradigma na minha carreira, porque a quantidade de pessoas que passou a me conhecer por causa desse prêmio foi assustadora”, lembra a cientista, em entrevista ao site e ao Boletim da SBF.

Essas premiações refletem o seu amor pela pesquisa de nanomateriais, destacando importantes contribuições para o estudo do grafeno, um dos materiais mais resistentes do mundo produzido a partir do grafite e extremamente fino. Apesar de ser um material tridimensional, a sua espessura é comparada ao tamanho de um átomo, o que leva os cientistas a atribuírem a esse material uma característica bidimensional (2D).

Utilizado de telas de celulares, baterias, televisões a até coletes à prova de balas, as características únicas do grafeno, de alta condutividade elétrica e resistência, inspiram novas pesquisas para aprimorar produtos eletrônicos. Para conhecer melhor esse e outros materiais bidimensionais, os cientistas do CNPEM se utilizam de aceleradores de partículas. O primeiro foi o acelerador do LNLS produzindo fonte de luz síncrotron (UVX) e o segundo o Sírius, o maior e mais moderno equipamento da Física do Brasil em atividade.

Nesses sistemas, elétrons são acelerados próximos à velocidade da luz em linhas circulares. Os elétrons fazem curvas com a ajuda de ímãs poderosos chamados dipolos. E, quando o elétron muda de direção, é emitida a chamada luz síncrotron, com emissões que variam do infravermelho, passando pela luz visível até o raio X. Essa luz é capaz de fazer uma “fotografia” dos materiais em escala nanométrica, equivalente a um milionésimo de um milímetro.

 Usando ainda a fonte de luz UVX, cujo síncrotron era menos potente que o do Sírius, Ingrid realizou um estudo sobre a associação do grafeno a um material natural isolante chamado pedra-sabão ou talco, que possui o mesmo caráter 2D do grafeno. Os pesquisadores Hélio Cacham e Bernardo Neves já tinham começado pesquisa com a pedra sabão na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Então a Ingrid, que se formou nessa universidade e que havia iniciado inclusive seus estudos em nanotubos de grafeno em Belo Horizonte, decidiu associar os dois materiais e estudá-los com o síncrotron.

Ingrid Barcelos em palestra a estudantes do CNPEM

Com essa associação entre um material condutor elétrico como o grafeno e o pó de pedra sabão como isolante abundante e de baixo custo, muitos avanços podem ser vislumbrados na fabricação de novos dispositivos optoeletrônicos. “Se eu pudesse resumir em poucas palavras toda a minha trajetória cientifica eu diria que foi uma combinação de um pouco de sorte por ter a oportunidade por trabalhar com coisas extremamente novas, com estar no lugar certo na hora certa, isto é, técnicas experimentais avançadas e muito trabalho e dedicação. Eu consegui fazer vários estudos inovadores com técnicas relativamente novas principalmente no Brasil, foi uma combinação boa”, conta a pesquisadora.

Com o destaque de suas pesquisas, ela tem uma agenda atribulada: até o final do ano ela participará de pelo menos sete eventos na área de nanomateriais e se vê obrigada a recusar convites. “Estou sobrecarregada, mas acredito que é muito importante ir. E quando vou, sou eu e mais uma”, diz ela, sobre a falta de mais mulheres na Física, um ambiente ainda inóspito para as mulheres. Ela explica que, pelo fato de ser negra, nunca sofreu com racismo. Mas, enquanto mulher, ela tem a sensação de que a Física não é ainda um espaço feminino. “A coisa do racismo pega mais pela questão identidade, de se sentir pertencente: se você entra em lugar que só tem branco, você logo pensa que está em lugar errado. E é uma questão de representatividade. E não temos nem mulher, imagine então mulher e negra.”

E, por isso, ela se esforça para participar de eventos e de projetos que instigue o desenvolvimento de novos cientistas, para incentivar as meninas a conhecer e se apaixonar por essa profissão. Segundo ela, uma demonstração da importância desses projetos, é o número de meninas que buscam tirar foto e fazer selfie com as cientistas mulheres, um sinal de que estão em busca de representatividade. “Eu não tive essa opção, eu entrei na ciência por acidente. Mas acredito que agora temos oportunidade de mostrar para as meninas que há meninas parecidas como elas na ciência. É impressionante a quantidade de meninas que tiram foto com a gente, é uma busca de representatividade.”

Ingrid conheceu Física no Ensino Médio. Sonhava na época em ser professora, ou de Física ou de História. Em 2005, ingressou para cursar Licenciatura em Física na UFMG. E foi no segundo ano que ela fez uma iniciação científica, justamente sobre nanomateriais baseados em carbono como nanotubos e grafeno, que mudou sua vida para a pesquisa. Iniciativa que hoje tem entre as suas missões elevar o número de meninas interessadas em Física.

 (Colaborou Roger Marzochi)