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Esquema do experimento com tubo de ensaio com clorofórmio (sample), envolto por bobina de rádio-frequência (rf-coil), dentro de câmara de resfriamento com campo magnético (B0) de alta intensidade. Crédito: Nature Communications 10, n.2456 (2019)

O fluxo de calor tende sempre a ocorrer espontaneamente de um corpo quente para um frio. Nunca testemunhamos o contrário acontecer pois a probabilidade do fluxo de calor de um sistema macroscópico inverter de direção espontaneamente é infimamente próxima de zero, fato que pode ser usado para determinar a direção da assim chamada “seta termodinâmica do tempo”. A direção da seta termodinâmica do tempo pode ser ocasionalmente invertida, porém, em um sistema microscópico regido pelas leis da mecânica quântica. Uma equipe internacional liderada por pesquisadores brasileiros conseguiu registrar e controlar o fluxo de calor entre dois núcleos atômicos em uma molécula, fazendo energia fluir espontaneamente do frio para o quente.

“Usamos essa ideia do que é espontâneo para determinar a direção do tempo”, diz o físico Kaonan Micadei, que se doutorou na Universidade Federal do ABC (UFABC), primeiro autor do estudo publicado semana passada na revista Nature Communications,  em vídeo produzido pela revista Pesquisa Fapesp. “Só que, nos sistemas muito pequenos, no regime quântico, não existe nenhuma lei que diga que esses fenômenos não possam ser reversíveis.”

“Várias propostas teóricas surgiram sobre como inverter o que a gente chama de seta termodinâmica do tempo, usando efeitos quânticos – efeitos típicos da mecânica quântica”,  explica o físico Roberto Serra, professor da UFABC também co-autor do do trabalho, que empregou  moléculas de clorofórmio manipuladas por campos de rádio frequência. No experimento, os pesquisadores usaram campos magnéticos para criar uma correlação de natureza quântica (similar ao emaranhamento) entre o spin do núcleo atômico do hidrogênio e o spin do núcleo do isótopo 13 do carbono nas moléculas de clorofórmio.

Quando os dois núcleos interagiam, à medida que a correlação entre os spins enfraquecia ao longo do tempo, a produção de entropia do sistema era compensada, resultando em um fluxo de calor do núcleo mais frio para o mais quente. Micadei e seus colegas, explicam o fenômeno observado por meio da emergente  teoria da termodinâmica quântica. “Os desenvolvimentos nessa área estão ampliando o domínio de validade das leis da termodinâmica para sistemas microscópicos, em que flutuações de energia são importantes”, diz Serra. De acordo com o físico, no caso do experimento publicado, é como se a correlação quântica fosse um “recurso disponível” e a informação contida nela fosse convertida em combustível para reverter o fluxo de calor, similar a energia consumida por um refrigerador convencional. “O que ocorre é uma transformação de informação em energia”, complementa informalmente.

Além da UFABC, o trabalho contou com a colaboração de pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) e de instituições internacionais na Alemanha, Reino Unido e Singapura. O estudo teve apoio financeiro das agências brasileiras CNPq, CAPES, FAPERJ e FAPESP.

Artigo Científico
Reversing the direction of heat flow using quantum correlations
Kaonan Micadei, John P. S. Peterson, Alexandre M. Souza, Roberto S. Sarthour, Ivan S. Oliveira, Gabriel T. Landi, Tiago B. Batalhão, Roberto M. Serra & Eric Lutz
Nature Communications 10, Article number: 2456 (2019)
ArXiv:1711.03323

Contato para imprensa
Igor Zolnerkevic
Assessor de comunicação
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