Coalescência entre um buraco negro e estrela de nêutrons -Crédito Divulgação

Coalescência entre buraco negro e estrela de nêutrons é fonte não apenas de ondas gravitacionais, mas também da emissão de raios cósmicos 

Um grupo de quatro cientistas brasileiros, entre eles uma mulher, realizou um estudo teórico que poderá colaborar para a “astrofísica multimensageira”, na qual é possível captar do espaço não apenas ondas gravitacionais e eletromagnéticas de um evento, mas também raios cósmicos. O caso estudado foi principalmente o da coalescência de um buraco negro e uma estrela de nêutrons num sistema binário, prestes a entrarem em fusão. Os resultados foram publicados no dia 27 de fevereiro de 2024 na revista Physical Review Letters, no artigo “Binary Coalescences as Sources of Ultrahigh-Energy Cosmic Rays”.

Após a descoberta de ondas gravitacionais pelos detectores Ligo (Laser Interferometer Gravitational-Wave Observatory) nos Estados Unidos, em 2015, resultado de uma fusão de dois buracos negros, cientistas de todo mundo estavam ansiosos para conseguir combinar junto a esses dados outras informações cósmicas, o que finalmente ocorreu pela primeira vez em 2017.

Em agosto daquele ano, tanto o Ligo quanto o Virgo, equipamento semelhante instalado na Itália, detectaram ondas gravitacionais geradas pela colisão de duas estrelas de nêutrons (o evento é conhecido por GW170817). Do espaço, o telescópio americano Fermi captou, segundos após as ondas gravitacionais, grande quantidade de raios gama, enquanto telescópios buscaram a origem desse cataclisma celeste por meio da luz: e ela ocorreu na galáxia NGC 4993, conta o site Unesp para Jovens.

Agora, o artigo do grupo de cientistas brasileiros busca usar as mesmas fontes binárias geradoras de ondas gravitacionais para também investigar outra possível origem dos raios cósmicos, que são prótons ou partículas mais pesadas como íons de ferro, que, em altas velocidades, atingem a atmosfera da Terra e produzem uma chuva de partículas, como múons e píons. Gigantescas estruturas na Terra, como o Observatório Pierre Auger, na Argentina, e o Telescope Array, nos Estados Unidos, captam essas partículas no solo. Mas descobrir de onde vieram estas partículas de muito altas energias é uma grande questão para ciência.

“O que nós queríamos fazer é a seguinte coisa. Seria possível nesse sistema que gera ondas gravitacionais, que a gente detecta, que a gente consegue caracterizar, também produzir raios cósmicos, partículas carregadas de muito altas energias?”, lembra o físico Jonas Pedro Pereira, 37 anos, integrante do Núcleo de Astrofísica e Cosmologia do Departamento de Física da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e do Centro Astronômico Nicolau Copérnico (CAMK), na Polônia.

Especialista em ondas gravitacionais, Pereira se uniu ao professor Jaziel Goulart Coelho (UFES), também especialista em sistemas gravitacionais, e com os experts em raios cósmicos da Universidade Federal do Paraná (UFPR), os professores Carlos H. Coimbra-Araújo e Rita de Cássia dos Anjos, para discutir que tipo de evento poderia ser fonte de informação multimensageira contendo raios cósmicos. “O aspecto colaborativo aqui é o mais importante, porque é um trabalho apenas de brasileiros, e a física que os brasileiros vêm fazendo é muito boa e de fronteira”, afirma Pereira.

E, pelos cálculos do grupo, um evento de fusão entre um buraco negro e uma estrela de nêutrons é o candidato mais importante e natural para a geração de multimensageiros contento também raios cósmicos. Isso porque, segundo Pereira, nos segundos que antecedem a fusão, o campo magnético extremo da estrela de nêutrons e as partículas carregadas presentes nas suas vizinhanças permitem e potencializam muito altas energias de partículas resultantes de colisões ou espalhamentos de duas outras próximas ao horizonte de eventos do buraco negro. “Nós encontramos que campos magnéticos da ordem de 1011, 1012 G, que seriam muito próximos dos campos típicos nas superfícies de estrelas de nêutrons, e buracos negros da ordem de 10 a 50 massas solares, que são aqueles típicos de sistemas binários detectados com ondas gravitacionais, já poderiam levar a partículas de muito altas energias. E nós chegamos à conclusão de que energias enormes para prótons, até da ordem de 1020 elétron-volts, que são comparáveis às maiores energias que o Pierre Auger consegue medir, poderiam advir destas coalescências”, diz o cientista, em entrevista pelo aplicativo Zoom ao Boletim SBF do Centro Astronômico Nicolau Copérnico, no qual fazia uma visita científica.

A partir da constatação das muito altas energias liberadas em eventos desse tipo, o grupo de pesquisadores traçou estimativas para fornecer aos observadores motivações para captar não apenas ondas gravitacionais, mas também raios cósmicos associados ao mesmo evento. “A gente concluiu que até milhões de eventos de colisão levando a partículas de muito altas energias poderiam acontecer durante essa coalescência (entre buraco negro e estrela de nêutrons). O que é talvez mais crucial disso tudo é que nós temos 90 eventos de coalescência detectados até hoje, porque os nossos detectores não são sensíveis o bastante para poder detectar mais. Mas no futuro, com detectores de terceira geração, como Einstein Telescope ou Cosmic Explorer, a gente vai ter dezenas de milhares, até milhões de eventos de coalescência de binárias por ano”, diz Pereira.

A ideia é de que a partir do momento em que for detectada ondas gravitacionais, que viajam à velocidade da luz no vácuo, cientistas fiquem atentos para a chegada em seguida de raios cósmicos. “O que a gente encontrou é que, pelo menos teoricamente falando, a produção de raios cósmicos associados às coalescências de sistemas binários é também muito robusta”, diz o cientista, que teve interesse em seguir o caminho da Astrofísica relativística depois de um projeto de iniciação científica sobre a Teoria da Relatividade Geral quando tinha 19 anos, durante a sua graduação em Física pela Universidade Federal de Itajubá (UNIFEI).  

(Colaborou Roger Marzochi)