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Um dos aspectos mais curiosos da mecânica quântica é que ela não só explica o comportamento das partículas (ao menos do ponto de vista clássico), como sugere que alguns processos físicos podem ser descritos quanticamente, como se fossem partículas, embora não o sejam propriamente. Esses objetos quânticos ganham o nome genérico de quase-partículas, e uma das mais conhecidas é o fônon. Ela é essencialmente a descrição quântica da onda elástica gerada pelo movimento de vibração dos átomos (partículas reais) em um material.

A esse respeito, um debate intenso tem sido travado entre os físicos sobre a possibilidade de quase-partículas, e em particular os fônons, terem spin – uma propriedade quântica que pode ser comparada à noção clássica de rotação. Agora, um grupo brasileiro de pesquisadores faz uma descoberta surpreendente, ao determinar que fônons de fato podem ter spin, desde que gerados convenientemente.

O trabalho foi liderado por Sergio Rezende, professor do Departamento de Física da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) e ex-ministro da Ciência e Tecnologia (2005-2010), em parceria como o professor Antônio Azevedo, e os estudantes de doutorado José Holanda (primeiro autor do artigo) e Daniel Souto Maior. O resultado foi publicado na revista “Nature Physics” em 2 de abril.

“Nossa ideia foi gerar uma onda de spin num material ferromagnético de baixíssimas perdas – para isso nós usamos uma granada de ferro e ítrio – e convertê-las em vibrações de rede, ondas elásticas”, explica Rezende.

O quantum da onda de spin é chamado de mágnon, enquanto o quantum da onda elástica é o fônon. “Queríamos converter uma onda de spin numa onda elástica, ou seja, converter um mágnon num fônon. Isso é possível porque os materiais ferromagnéticos têm uma interação magneto-elástica, ou seja, a vibração dos spins provoca uma vibração da rede”, prossegue o pesquisador.

O grupo realizou experiências com micro-ondas para excitar os magnons em campos magnéticos não uniformes, constatando a viabilidade da conversão, e então resolveram fazer uma experiência com espalhamento de luz. “E descobrimos uma coisa muito interessante: o fônon que é produzido pela conversão magnon-fônon espalha a luz de forma que tem polarização circular. Isso mostra que o fônon gerado dessa maneira tem momento angular de spin, ou simplesmente spin, que é uma grande novidade.”

O resultado mereceu importante destaque na “Nature Physics”, que também publicou a respeito um artigo de comentário (News and Views) de Matthias Jungfleisch e Axel Hoffman, respectivamente da Universidade de Delaware e do Laboratório Nacional Argonne, nos EUA. “As descobertas de Holanda e seus colegas mostraram que o transporte de momento angular em materiais de estado sólido pode envolver múltiplos graus de liberdade, incluindo eletrônicos, spin e treliça — assim como de luz interagindo com o material.”

Do ponto de vista da ciência básica, é um achado importante. “Havia uma grande controvérsia nesse campo e nós mostramos agora que é possível que o fônon carregue momento angular de spin”, diz Rezende.

Indo além, Jungfleisch e Hoffman destacam que o resultado pode também ter implicações práticas. “Isso pode fornecer uma nova perspectiva para o desenvolvimento de dispositivos baseados no transporte e na conversão de informação codificada no grau de liberdade do spin.”

Para ler o artigo brasileiro (resumo de acesso livre, texto completo para assinantes), clique aqui.