A gente já nasce sabendo? Diferentemente das abelhas que, como nós, também estão em risco de extinção, a resposta é negativa, obviamente. Mas há muitos jovens que, em decorrência do uso excessivo da tecnologia, acreditam saber de tudo. Para comemorar o Dia do Professor, celebrado no último 15 de outubro, o Boletim SBF entrevistou Arnaldo Vaz, professor no Colégio Técnico da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Secretário para Assuntos de Ensino da Sociedade Brasileira de Física (SBF), para quem os “estudantes precisam ser desafiados”.

Mas não é um chamado à meritocracia, mas sim para perceber que a Física pode contribuir no combate ao negacionismo, na descoberta e na geração de um saber crítico que, com todos os desafios, são capazes de criar o desenvolvimento de uma sensibilidade cidadã.

“Se equivoca quem se restringe a invocar teorias e conceitos. Agir como observadores de uma doutrina nos torna cientificistas: fanáticos adeptos da racionalidade científica”, afirma. E, em outro trecho, recomenda que “deve-se promover ações que permitam reflexões sobre os problemas atuais de forma a destacar que inovação e desenvolvimento devem ser vistos de forma crítica, para que não fiquemos concentrados em inovar, sem nos perguntarmos para que inovar.” Leia abaixo a entrevista do professor:

Como o senhor avalia o papel do ensino de Física no Ensino Médio para a formação de jovens cidadãos? Quais são os principais desafios enfrentados pelos professores nessa etapa?

No Ensino Médio, a Física pode fazer com que os jovens tomem cuidado com seu impulso humano espontâneo de dar explicação para tudo. O Ensino de Física faz isso se permite às jovens e aos jovens oportunidade de aprender, tanto a fazer medidas e observações cuidadosas, quanto descrições precisas e quantitativas; se lhes dá oportunidade de aprender a criar hipóteses explicativas e a sustentá-las em evidências; ou de aprender a identificar a falta de bases empíricas nos argumentos e explicações das outras pessoas. Profissionais de outras disciplinas podem tentar desempenhar este papel. Contudo, o Ensino de Física tende a desempenhá-lo melhor; seja pela possibilidade de realizar experiências controladas, dada a natureza dos fenômenos físicos; seja devido ao grande número de materiais e atividades de Ensino de Física orientadas pela Pesquisa em Ensino de Física que estão disponíveis gratuitamente.

Hoje, as pessoas podem ter acesso livre ao conhecimento. Geralmente, quem é jovem tende a inventar explicações para os fenômenos. Conclusão: atualmente, pessoas jovens não precisam ser ensinadas. Sobretudo no Ensino Médio, estudantes precisam sim ser desafiados, instigados a manter-se curiosos e orientados a valorizar aprendizagens colaborativas e revisões por pares.

Em lugar de incentivar memorizações ou cultos a personagens e circunstâncias históricas idealizadas, a escola de nível médio tem o papel de engajar emocional, social, coletiva, ambiental e intelectualmente os estudantes. Se equivoca quem se restringe a invocar teorias e conceitos. Agir como observadores de uma doutrina nos torna cientificistas: fanáticos adeptos da racionalidade científica.

E como chegar a esse nível de excelência, professor?

Os principais desafios para isso são as condições estruturais da carreira de professores de física que atuam na educação básica no âmbito estadual e municipal. Além dos salários baixos e falta de plano de carreira na maior parte dos estados e municípios brasileiros, os professores sofrem com as políticas públicas de formação continuada de professores. É muito raro apostar na autonomia dos professores. As iniciativas de formação continuada concentram esforços em “ensinar” conteúdos e metodologias de ensino, consideradas inovadoras. São iniciativas bem intencionadas, contudo ineficazes; apesar de recorrentes e postas em prática pelo País todo. Seu pressuposto é falso, mas não parece: não é a falta de conhecimento por parte dos professores que causa os problemas da educação.

Hoje, o desafio para professoras e professores é passar menos conhecimentos e menos informações em sala de aula. As pessoas jovens precisam aprender como agir quando elas não souberem o que fazer, quando não tiverem conhecimento de base para analisar e resolver uma situação problemática. Elas precisam desenvolver o pensamento crítico a partir de reflexões sobre as questões que a física respondeu ao longo da história e, também, sobre situações fora do limite de validade das leis e princípios Físicos ou sobre fenômenos e situações que não se prestam à análise com base na Física. Sem rir, sobretudo o riso de sua distração para detalhes críticos de um fenômeno, as pessoas jovens não desenvolvem nem o pensamento crítico, nem o pensamento científico. Os problemas da educação, enfim, não são análogos aos problemas da Física, portanto, não se pode almejar por algoritmos para resolvê-los. Pode-se, sim, inspirar-se nas heurísticas que nossa espécie desenvolveu, e a Física é pródiga nesse respeito.

De que maneira o ensino de Física nas universidades pode contribuir para a inovação e o desenvolvimento científico do país?

Inovar e desenvolver são termos muitos gerais e que atualmente precisam ser pensados com cuidado, visto estarmos vivendo um momento crítico com as mudanças climáticas. Com base nisso, o ensino de física nas universidades pode contribuir com os desafios do momento atual, ao centrar a formação não apenas em conteúdos. Dessa forma, deve-se promover ações que permitam reflexões sobre os problemas atuais de forma a destacar que inovação e desenvolvimento devem ser vistos de forma crítica.

É comum, uma pessoa jovem e inteligente ter a presunção de ser capaz de inovar. A universidade pode contribuir para que ela aprenda que, apesar da percepção geral, não existem ideias ou pessoas geniais. Todas ideias que consideramos geniais foram fruto de trabalho – quase sempre árduo e quase sempre coletivo – em circunstâncias favoráveis.

A inovação e o desenvolvimento futuros dependem de humildade e muito trabalho. A indústria do entretenimento pode fazer as pessoas acreditarem que os primeiros frutos da árvore do conhecimento foram colhidos por homens superdotados – e excepcionalmente algumas mulheres; para confirmar o preconceito que a ideia de gênio carrega. Mas, nas universidades, estudantes vêm exemplos vivos de que, hoje, é mais difícil alcançar tais frutos.

Estamos diante de situações mais complexas, isto é, mais difíceis de compreender e que envolvem problemas mais complicados de resolver. Novos conhecimentos hoje são fruto do trabalho de equipes diversificadas de profissionais. Delas participam tanto pessoas com capacidade intelectual limitada, quanto algumas bem dotadas.

Atividades de extensão universitária, por exemplo, se feitas em parceria com povos originários, pessoas de culturas tradicionais ou grupos sociais à margem do sistema produtivo nos ajudam a perceber que, é possível que, hoje, uma pessoa comum enxergue mais longe do que pessoas intelectualmente bem dotadas enxergaram no passado.

Inovar e desenvolver, hoje, dependem muito de aprendizagem colaborativa e da valorização da diversidade humana. As pessoas que têm privilégios – como ainda são, no Brasil, quem tem acesso à universidade – precisam aprender a escutar; tanto para saber a causa da rejeição aos saberes ditos sábios, quanto para se deixar inspirar pelos saberes ditos populares. Se nós – cientistas e educadores – não aprendermos a escutar, nós seremos ignorados ou “cancelados”. Somos adversários a ser combatidos por quem se opõe à inovação e ao desenvolvimento: minorias a quem interessa manter a maioria das pessoas sem autoconfiança e sem acesso livre ao conhecimento.

O senhor acredita que a forma como a Física é ensinada hoje prepara os alunos para os desafios do século XXI, como a sustentabilidade, tecnologias emergentes e a interdisciplinaridade?

 O ensino de física no Brasil mudou muito nas últimas décadas, graças a esforços da comunidade de educadores e de pesquisadores envolvidos com a área de formação de professores. Entretanto, não podemos dizer que todas as escolas possuem um ensino de física voltado aos desafios do século XXI, visto que as condições de formação e trabalho dos professores são muito desiguais no Brasil. Porém, podemos afirmar que há muitas experiências exitosas nas escolas brasileiras, que apontam que o ensino de física não está dissociado dos desafios do século XXI.

Quais iniciativas a Sociedade Brasileira de Física tem promovido para incentivar a formação de novos físicos e melhorar o ensino da Física tanto no Ensino Médio quanto na Universidade?

Anos antes da SBF ser fundada, a comunidade brasileira de físicas e de físicos já se preocupava com a inovação permanente do ensino de física. Isto continua a acontecer e, como na época, pessoas desta comunidade estão – ao mesmo tempo – informada sobre as iniciativas de colegas estrangeiros e particularmente atentas, tanto às circunstâncias atuais do Brasil, quanto às suas muitas especificidades.

A Física é universal, mas a educação não é. Educação é – e sempre será – um campo de disputas ideológicas. Afinal, suas diretrizes dependem da leitura que cada grupo de pessoas faz do contexto sóciocultural, político e econômico atual e do futuro que elas projetam para a sua e para as demais nações. Embora o País seja um só, no Brasil coexistem várias “nações”, nem sempre, atentas às demais. Além daquelas minorias poderosas – que combatem o acesso livre ao conhecimento –, o País reúne gente cosmopolita, periférica metropolitana, agrária, sertaneja, amazônica, ribeirinhas, serrana, pantaneira etc.

Sócias e sócios da SBF podem fazer parte de uma dessas nações. Além disso, no entanto, somos parte da nação de cientistas brasileiros. Neste sentido, temos muitas semelhanças com nações científicas estrangeiras, inclusive na relação tensa com minorias não-democráticas ou na dificuldade com as diferenças de valores com as demais nações que coexistem em cada país.  

As iniciativas que a SBF tem hoje para incentivar a educação científica decorre das condições políticas e econômicas do país. Poderíamos fazer mais pela educação infantil e a escola fundamental, por exemplo. No entanto, as políticas públicas dos últimos oito anos retrocederam em relação aos avanços educacionais e de apoio ao desenvolvimento científico e tecnológico iniciados na década de 1990 (veja o gráfico).

Dentre as iniciativas atuais da SBF para inovação no ensino – em vez de destacar o Mestrado Nacional Profissional de Ensino de Física, a Revista Brasileira de Ensino de Física ou a Física na Escola –, eu chamo atenção para o aumento significativo do número de sócias e sócios em dia com a SBF, dentre aquelas e aqueles que atuam no Ensino Médio.

A busca de professoras e professores por uma sociedade científica pode ter causas difusas e difíceis de comprovar. No entanto, é razoável supor que isso se deve ao fato da SBF também organizar o Simpósio Nacionais de Ensino de Física (SNEF) – normalmente em janeiro dos anos ímpares – e o Encontro de Pesquisa e Ensino de Física (EPEF) – no final dos anos pares (veja o último). Em novembro de 2023, o XXV SNEF foi realizado de maneira colaborativa e capilarizada. O tema foi “Laços e nós do Ensino de Física” e ele ocorreu simultaneamente e de forma presencial  em: Caruaru (PE), Curitiba (PR), Juiz de Fora (MG), Manaus (AM), Rio de Janeiro (RJ), Volta Redonda (RJ), Santa Maria (RS) e São Luís (MA) (acesse).

O SNEF 2025 será na cidade de Niterói, RJ, entre os dias 20 e 24 de janeiro. Seu tema será “Todo mundo no mesmo lugar e ao mesmo tempo” e as inscrições vão até 29/11 (acesse). Certamente, vamos reunir outra vez pessoas que não esperam soluções de cima para os desafios cotidianos que elas enfrentam. Vamos proporcionar oportunidade de troca de experiência, de conhecimento e sobretudo de razões para persistir.

(Colaborou Roger Marzochi)