Pela primeira vez na competição internacional, alunos da universidade mineira conseguiram chegar à semifinal em disputa com 21 grupos de 19 países
Seria possível saber qual a geometria de um balão apenas pelo som que ele faz ao explodir? Essa era uma das 17 perguntas que deveriam ser respondidas durante o Torneio Internacional de Física (International Physicists’ Tournament, IPT) de 2024, realizado em Zurich, na Suíça, no início de abril. O problema, chamado carinhosamente de Big Bang, ajudou a criar um novo universo para o Brasil: pela primeira vez, seis estudantes da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), das quais quatro mulheres, e dois professores da instituição participaram da competição internacional, chegando às semifinais e obtendo a pontuação necessária para garantir a vaga à próxima equipe brasileira em 2025. A equipe da Alemanha venceu a edição de 2024 pela primeira.
“Foi uma experiência fantástica. É uma experiência internacional, na qual os alunos conseguem competir, conhecer gente do mundo todo, ver que a gente faz uma física de alto nível, comparável ao que todo mundo faz. A gente consegue disputar com eles de igual para igual, mesmo tendo uma dificuldade maior, às vezes, em equipamentos, em facilidade de conseguir as coisas. A gente consegue fazer uma física muito legal e mostra o nível do Brasil para a galera. Então foi extremamente proveitoso”, comemora o professor Ubirajara Batista, do Departamento de Física do Instituto de Ciências Exatas (ICEx-UFMG), que junto com a professora Maria Carolina Aguiar, preparam e acompanham os alunos nas disputas.
A equipe era formada pelos alunos de física da UFMG Anna Luisa Lemos, Felipe Kalil, Giovanna Fernandes, Maressa Sampaio, Pietra Zanni e Renan Alvim. “A formação da equipe também se reflete na disciplina que a gente tem aqui na graduação, porque muitos dos alunos da disciplina são mulheres. Foi muito natural na escolha da equipe”, explica Maressa, estudante do último semestre de Física. Ela nasceu em Governador Valadares e, após sonhar com a Medicina, decidiu entrar para a Física por influência de bons professores para seguir uma carreira na ciência.
Maria Carolina explica que as questões foram divulgadas em setembro do ano passado. Das 17 questões, 11 entraram na disputa do Torneio Brasileiro de Física, que no ano passado ocorreu em dezembro na Universidade Federal do ABC. Os alunos têm todos esses meses para encontrar soluções para as questões. Nesse processo, os alunos de física se envolvem com outros departamentos da universidade, como no caso da graduação em música, que cedeu um ótimo microfone e um estúdio para que o problema do Big Bang, relatado no início deste texto, fosse solucionado.
E, na competição nacional, a UFMG se consagrou vitoriosa. Ubirajara lembra, aliás, que a vitória foi apertada, porque o nível dos alunos do País está muito bom. E, ao fim da competição, houve a formação de um grande grupo de apoio à equipe da UFMG, que se tornou uma equipe brasileira. Mas entre vencer a competição nacional e embarcar para a Suíça novas barreiras se levantaram. Em primeiro lugar, a equipe da UFMG precisou preparar um relatório mostrando seus resultados para concorrer a uma vaga no internacional, uma vez que o Brasil não possuía lugar garantido.
Maressa passou o Natal e o Ano Novo para fechar o relatório e entregá-lo no início de janeiro. “Eu fiquei entre Natal e Ano Novo escrevendo o Report, mas para mim eu achei aquilo legal, porque eu estava me preparando pra concorrer ao torneio internacional. Então, estando motivada, a coisa realmente flui”, diz Maressa.
Com a aprovação do Brasil na competição, vem um novo desafio: conseguir dinheiro para viajar. A Sociedade Brasileira de Física (SBF), que já havia contribuído com R$ 12 mil no torneio nacional, investiu mais R$ 10 mil para a equipe da UFMG, que ainda fez uma vaquinha online que conseguiu mobilizar 175 apoiadores que doaram um total de R$ 17.230,71. As passagens de Maria Carolina e Ubirajara foram custeadas pela UFMG, mas a conta da viagem chegou quase a R$ 70 mil. Mas os professores conseguiram apoio de empresas e instituições, como Versatus HPC, Fundação Ipead, Fundep e Horiba.
A equipe brasileira disputou com 21 grupos, de 19 países. Os problemas, que são resolvidos ao longo dos meses, entram em um tipo de batalha, na qual uma equipe desafia a outra a apresentar uma resposta. A equipe desafiada pode, inclusive, recusar até cinco desafios. Ao aceitar o desafio, os alunos precisam apresentar a solução ao problema para a equipe concorrente e para os jurados em dez minutos.
“Participar do torneio é importante para a carreira de pesquisador porque, como não tem um roteiro pré-definido do que você deve fazer, você adquire uma certa autonomia na sua pesquisa, então você tem que bolar os experimentos, você tem que tirar da análise de dados as suas próprias conclusões e ver se isso está de acordo com outras coisas na literatura, com outros fenômenos e tudo mais. E um dos fatores que eu considero muito importante é a habilidade de comunicar essa sua descoberta de maneira efetiva. Porque durante o torneio você tem apenas 10 minutos para fazer sua apresentação e após a apresentação você tem um tempo de debate com as outras equipes”, explica Maressa, que deseja seguir carreira em pesquisas da física de partículas.
Para Maria Carolina, o processo de preparação para o torneio envolve amadurecimento que normalmente ocorre durante a pós-graduação, ou seja, é praticamente como se fosse uma antecipação aos alunos da graduação sobre o que ocorre durante um mestrado por exemplo. Para ela, o tema é tão importante, que em conjunto com Ubirajara, foi criada uma disciplina específica no curso de Física para preparar alunos para torneios. No semestre passado, a turma dessa disciplina já contava com 20 alunos. “Eles começam a ter essa experiência na graduação que é como se fosse uma iniciação científica, numa disciplina que os preparar para o torneio”, conta Maria Carolina.
Ambos os professores esperam que haja cada vez mais apoio a esse tipo de iniciativa no Brasil a fim de fortalecer a ciência e estimular o processo criativo de construção da metodologia científica pelos alunos. “Acho que uma boa coisa é promover cada vez mais o Torneio Nacional, para que ele tenha cada vez mais gente, ser ainda mais disputado, o que vai fortalecer todo mundo e nos preparar para a competição internacional”, diz Ubirajara.
(Colaborou Roger Marzochi)