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Por Mariana Hafiz

Primeira doutora negra em Física no Brasil e primeira mulher negra professora do ITA, Sônia compartilha sua trajetória e conselhos para a futura geração de cientistas mulheres

Segunda melhor aluna das suas turmas, sempre uma das melhores em matemática, Sônia Guimarães é a primeira mulher negra doutora em Física do Brasil. É também a primeira mulher negra a se tornar professora do Instituto de Tecnologia Aeronáutica (ITA), cargo que assumiu quando o Instituto ainda não aceitava meninas entre seus alunos – o que só mudou em 1996. 

Hoje, grande parte do seu tempo profissional é dedicado a palestras e mentorias para aumentar a inclusão de meninas nas ciências, não só as incentivando a escolher essas carreiras, mas a permanecer nelas. A gente incentiva as meninas para virem para as exatas, elas conseguem passar no vestibular e no primeiro semestre do primeiro ano fazem Cálculo 1 e bombam. Muitas desistem e vão embora da Física, da Matemática, da Química, enfim, por causa de Cálculo”, diz a cientista.

De acordo com Sônia, fazer com que as meninas persistam frente a essas dificuldades envolve muito trabalho para desenvolver resiliência, já que “elas entram na classe e os meninos olham para elas do tipo “aqui não é o teu lugar”. Somado a comportamentos hostis de professores e da dificuldade já própria do curso, a professora ressalta que algumas conseguem encontrar motivação e persistir na carreira, chegando ao cargo de Ministra da Ciência e Tecnologia, mas que isso não é fácil. 

Para ela, parte da motivação veio da mãe que, com  independência financeira, apoiou Sônia em todas as suas escolhas. “Minha mãe tinha um buffet de festas, então ela não precisava, por exemplo, pedir dinheiro para o meu pai. Ela pegava o dinheirinho dela e falava para eu fazer o que tivesse que fazer”, lembra. Mesmo assim, ela teve que superar alguns comentários. “Disseram para mim minha vida inteira que eu nunca ia conseguir aprender física, mas eu sempre sabia o que eu precisava saber. Então, esse “você não vai aprender” não significava nada para mim. Eu poderia ter uma dificuldade ou outra, eu estudei muito e estudo até hoje, mas eu não podia ouvir essa gente porque, no mínimo, elas estavam erradas”, conclui. Na sua turma de graduação, dos 50 alunos ingressantes, somente duas meninas se formaram em tempo regular (após quatro anos de graduação) – Sônia era uma delas.

Caminhos para mudança

Quando Sônia passou no concurso para se tornar professora do ITA, em 1993, o Instituto ainda não permitia o ingresso de meninas, o que se tornou possível em 1996. Desde então, a professora se anima com os números de meninas sendo aprovadas no vestibular: foram 16 em 2021, 11 em 2022 e 09 neste ano, incluindo a primeira colocada do vestibular de 2023. “Parece pouco, mas em 96 não podia entrar nenhuma. Mesmo na pandemia, quando o mundo parou, entraram 16. Então elas estão vindo, a luz está logo ali!”, comemora. 

Ela se lembra que, nas suas turmas de graduação, mestrado e doutorado, a proporção de alunas mulheres era sempre baixa. Poucas meninas, menos ainda negras – mesmo no doutorado na Inglaterra, via muitas estudantes estrangeiras, mas poucas brasileiras ou negras. Em todos os cursos e instituições pelos quais passou, ela se recorda da maioria masculina e branca.

Sônia argumenta que, para haver mudanças, as cotas são as estratégias mais eficientes. No entanto, é necessário garantir não só o desenvolvimento de políticas afirmativas dentro dos programas de graduação e pós-graduação, mas também maneiras de fiscalizar o cumprimento delas. Dessa forma, seria possível evitar casos de fraudes às cotas, como auto declarações falsas. 

Para a professora, a mesma situação é verdade para que mulheres passem a ocupar também cargos de chefia dentro da carreira acadêmica – chefiar departamentos, compor os comitês de agências de fomento (ou seja, organizações que financiam projetos de pesquisa no país) que selecionam os pesquisadores a receberem verbas para suas pesquisas, e até mesmo cargos de gestão em instituições públicas de ciência e tecnologia. “É preciso que as pessoas do gênero masculino não possuam os departamentos, não possuam o CNPq, a Capes, que são órgãos que financiam as bolsas, como as de produtividade, por exemplo”, afirma Sônia. 

Bolsas de produtividade são uma modalidade específica de recursos concedida a pesquisadores de alto destaque dentro de suas áreas de pesquisa. Elas podem ser somadas a outras verbas que os pesquisadores já recebam, e são uma espécie de recompensa ao trabalho de alta qualidade produzido. Os critérios variam a depender da área do conhecimento, mas no geral as bolsas são concedidas para aqueles cientistas que possuam anos de dedicação à formação de outros pesquisadores, nível constante de publicação relevantes para a área e de alto impacto, além de liderança de grupos e projetos de pesquisa. 

Para Sônia, o problema está que, na maioria, essas bolsas são direcionadas a pesquisadores homens – que também compõe grande parte dos comitês que fazem a seleção dos bolsistas de produtividade. “Se você olhar o número de meninas que publicam muito é imenso. Por que é que elas não têm bolsa de produtividade?”, questiona. 

O mesmo pode ser dito sobre cargos de chefia em ciência. Um estudo do ano passado mostrou que, apesar de a maioria de alunos matriculados em programas de pós-graduação (que, no Brasil, é onde se desenvolve pesquisas e formam os pesquisadores do país) serem mulheres, elas são minoria em cargos de chefia. Sobre isso, Sônia ressalta que “existem muitas meninas com muita publicação no mestrado, no doutorado e com prêmios que vão prestar concurso em vários lugares e simplesmente não são aprovadas. A pergunta é: por que elas não foram aprovadas no concurso se elas são tão qualificadas?”, provoca.

A pesquisadora, que também é inventora – Sônia tem uma patente de detectores que desenvolveu e que são utilizados em mísseis para identificar aviões em movimento – defende que, também nesses casos, a solução é que os atuais dirigentes e “donos” dos departamentos estejam atentos às ações afirmativas, bem como à diversidade, justiça e inclusão. Esses são temas com os quais a professora trabalha também com os demais membros da Comissão para Justiça, Equidade, Diversidade e Inclusão (JEDI) da Sociedade Brasileira de Física. 

Para as meninas que desejam um dia ser cientistas, a professora Sônia deixa um conselho: “Estudem cálculo, como loucas porque é uma coisa que vocês não viram no ensino médio. Estudem muito matemática, mas venham para  Física, Química, Matemática, Engenharias e quando vocês ouvirem que isso é para homem, repitam que é disso que vocês gostam e que farão o curso que quiserem. Para as meninas negras: eu sou cientista, sou inventora e não sou branca. Quer dizer, o futuro está nas suas mãos, vá atrás daquilo que você quer. Não é aquilo que seu pai, sua mãe, seu avô, tia, namorado ou seu marido querem. Tem que ser o que você quer porque, além de tudo, não vai ser fácil. É difícil, mas você vai vencer e vai poder dizer para todo mundo que você conseguiu”, conclui.