A luz colorida dos vitrais de catedrais ilumina também um tipo de pesquisa na Física brasileira que chegou a uma grande descoberta em 2024, que poderá revolucionar o uso de fótons em equipamentos eletrônicos nanométricos bidimensionais. O estudo teórico “Chiral Propagation of Plasmon Polaritons due to Competing Anisotropies in a Twisted Photonic Heterostructure”, publicado no dia 25 de novembro no periódico científico Nano Letters, afirma que é possível controlar a trajetória da luz em um material bidimensional composto de fósforo negro depositado sobre um substrato de calcita, o que é impossível até agora de ocorrer no grafeno, que também tem apenas uma camada de átomos.
“Há um pouco de arte nessa pesquisa”, diz Ícaro Lavor, jovem cientista brasileiro de 35 anos e um dos principais autores do estudo. Lavor é professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (UFRN), Campus Mossoró, pesquisador voluntário do Departamento de Física da Universidade Federal do Ceará (UFC) e do Departamento de Física e Centro de Excelência em NANOlight da Universidade de Antuérpia, na Bélgica. O cientista chinês Zehua Tao, que também assina o trabalho, é inclusive orientando de doutorado do cientista Cearense. O Prof. André Chaves (UFC), outro autor do estudo, foi orientador de doutorado de Lavor na UFC.
A pesquisa estudou a interação de fótons com elétrons, conhecido como plasmon-polaritons. O estudo revelou que os plasmon-polaritons, na nanoestrutura 2D proposto no trabalho, são mais eficientes para direcionar a luz devido à sua quiralidade – isto é, um comportamento assimétrico e direcional.
Nesse contexto, os estudos da plasmônica em grafeno, por exemplo, já revelavam que os plasmon-polaritons se propagavam com grande simetria, como ocorre, por exemplo, às ondas formadas na superfície da água quando se joga uma pedra. Essa simetria acaba por impedir um direcionamento da propagação da onda plasmônica, algo importante para aplicação na nano-optoeletrônica, por exemplo. “Nosso estudo aborda um desafio crucial na nanofotônica: controlar a direção da propagação da luz em escalas nanométricas de forma precisa e eficiente. O nosso objetivo é desenvolver métodos para controlar a direção e quiralidade dos polaritons plasmônicos de forma precisa, explorando as interações anisotrópicas para possíveis aplicações em dispositivos nanofotônicos compactos e ajustáveis”, diz Lavor.
Lavor ainda explica que, na interação entre fótons e oscilações coletivas de elétrons livres em nanomateriais com características plasmônicas, a luz pode ser modulada, resultando em diferentes energias e cores, em um processo análogo ao que ocorre nos vitrais das catedrais, por exemplo. “Há bastante arte, digamos assim, por trás desse fenômeno. Está na introdução da minha tese uma comparação desse efeito aos vitrais das catedrais góticas. As cores são originadas exatamente pela interação da luz com nanopartículas presente no vidro, como ouro, prata, por exemplo. E o que me atraiu bastante durante o doutorado foi exatamente porque é possível você ver, digamos assim, do ponto de vista experimental, uma onda de plasmon-polaritons”, explica o cientista.
Apesar de ser um estudo teórico, Lavor afirma que é possível realizar o experimento por meio de técnicas como “microscopia óptica de campo próximo por espalhamento e varredura (s-SNOM), que podem ser usadas para excitar os elétrons no fósforo negro e mapear os polaritons plasmônicos quirais em tempo real, validando o modelo teórico apresentado no artigo”.
Os cientistas escolheram o “sanduíche” de fósforo negro com calcita devido às suas propriedades anisotrópicas, o que significa que suas características variam dependendo da direção. Além disso, rotacionaram o material, isto é, o fósforo negro em relação ao substrato para criar interações específicas entre elétrons e luz. “A interação entre a anisotropia eletrônica do material plasmônico, o fósforo negro, e a anisotropia dielétrica do substrato cria condições para quebrar simetrias de propagação, resultando em quiralidade ajustável dos polaritons”, afirma o cientista.
Os polaritons plasmônicos em substratos como fósforo negro e calcita têm seu comportamento altamente influenciado por três parâmetros-chave: tensão elétrica aplicada (gate voltage), dopagem eletrônica e frequência de excitação do laser, presente no experimento realizado com s-SNOM. Esses parâmetros fornecem um controle dinâmico e preciso sobre a direção e propagação dessas quasipartículas, que combinam luz e oscilação coletiva de elétrons. A tensão aplicada, ou gating, ajusta a densidade eletrônica do material, permitindo alterações nas propriedades plasmônicas, como a frequência de ressonância e a dispersão dos polaritons. Isso é crucial para sintonizar como a luz é confinada e guiada na superfície do material.
Além disso, o ângulo de rotação relativo entre os substratos e a orientação do material desempenha um papel importante ao alinhar as anisotropias eletrônicas e dielétricas. Essa manipulação angular permite controlar a quiralidade, ou seja, o comportamento direcional assimétrico dos polaritons plasmônicos. Tal controle é particularmente relevante em materiais anisotrópicos como o fósforo negro, onde as propriedades eletrônicas variam significativamente dependendo da direção do cristal. Essa sintonização angular oferece uma ferramenta para ajustar como a luz polarizada interage com o material.
Por último, a frequência de excitação do laser define a energia dos polaritons gerados. Esse parâmetro influencia diretamente a dispersão dos polaritons, ajustando sua velocidade e comprimento de onda. Combinando a frequência de excitação com as modificações de tensão e dopagem, é possível adaptar dinamicamente a propagação dos polaritons para aplicações em fotônica avançada, como guias de onda ultracompactos e sensores sensíveis a propriedades químicas e estruturais.
Essa flexibilidade no controle dos polaritons em materiais bidimensionais torna esses sistemas promissores para a próxima geração de dispositivos ópticos integrados, como sensores, moduladores e circuitos de comunicação baseados em luz, onde o controle preciso e eficiente da propagação é essencial. O estudo também avança no campo da nanofotônica, que explora como manipular luz em escala nanométrica para novas tecnologias. É uma nova luz sob a catedral do desenvolvimento tecnológico e social que tem a participação direta e essencial da ciência brasileira.