SÉRIE: Teses Premiadas da SBF
O professor Claudio Rejane da Silva Dantas, coordenador do Polo 31 do Mestrado Nacional Profissional em Ensino de Física (MNPEF), da Universidade Regional do Cariri – URCA Juazeiro do Norte, Ceará, teve sua tese de doutorado premiada pela SBF na área de ensino de física. O trabalho intitulado “Avaliação no ensino de ciências no nível fundamental: investigando orientações oficiais e práticas docentes, fazendo “escuta” e intervenção em escolas”, foi orientado pela professora Neusa Teresinha Massoni, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e defendido em 2017.
Dantas é bacharel em engenharia de produção pela URCA-CE, licenciado em física pela Universidade Estadual do Ceará (UECE), graduado em física pela Universidade Federal do Ceará (UFC), mestre em ensino de ciências e educação matemática pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) e doutor em ensino de física pela UFRGS. Atualmente é professor do Curso de Licenciatura em Física da URCA e coordenador do polo 31 do MNPEFA premiação da SBF tem o objetivo de incentivar e valorizar a pesquisa de excelência nas diversas áreas da física. “Esta premiação foi um presente que mostra que valeu a pena toda a dedicação de um trabalho intenso e prazeroso durante os quatro anos de desenvolvimento”, diz Dantas em entrevista à SBF que pode ser lida na íntegra abaixo.
SBF: Do que se trata sua tese? Qual a sua principal linha de pesquisa?
Dantas: A tese é um trabalho longitudinal de investigação sobre a avaliação no ensino de ciências tendo como foco: 1) entender o ponto de encontro entre o que estabelecem os documentos oficiais e o que realmente acontece nas práticas avaliativas de professores e professoras de ciências em sala de aula nos Anos Finais da Educação Fundamental; 2) por meio de muitas observações das práticas e “escutas” aos profissionais no cotidiano escolar, compreender “práticas criativas” ou “bricolagens” construídas para avaliar de forma qualitativa; 3) realizar e analisar intervenções feitas (por nós) através de uma proposta de “ensino por microprojetos” para o pensar as práticas avaliativas voltadas para a aprendizagem e não apenas como formas de seleção ou classificação dos estudantes. Assim, a tese aborda três distintos estudos. A linha de pesquisa está dentro das Políticas Públicas para o Ensino de Ciência.
SBF: O que te fez se interessar por essa temática?
Dantas: O interesse para investigar a temática sobre avaliação no ensino de ciências enquanto aluno do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS é resultado de uma inquietação que carrego desde minha formação escolar e se aprofundou com a formação profissional quando atuei como professor de Física na Secretaria de Educação do Estado do Ceará na cidade de Juazeiro do Norte. Foi uma experiência de mais de 15 anos. Durante esse tempo fui percebendo que falar de avaliação na escola (nas que estudei e nas que ensinei), era associá-la com práticas de realização de provas escritas voltadas para produzir um valor quantitativo que representava cada estudante, e que servia para processos de classificação e seleção. Nessa prática de exames, os alunos e seus familiares em geral não focavam no desenvolvimento das aprendizagens e em seu próprio desenvolvimento pessoal, mas em notas (traduzidas em números) que garantissem suas progressões para séries seguintes. Esta temática tornou-se um objeto de pesquisa em muitas outras formações e experiências que vivenciei. Por exemplo, no mestrado realizado no Programa de Mestrado Profissional em Ensino de Ciências na Universidade Estadual da Paraíba – UEPB (Campina Grande-PB) investimos na utilização de novos instrumentos que pudessem fornecer indícios de aprendizagens em ciência, isto é, investimos na construção e apresentação pelos alunos de mapas conceituais. Em 2011, como professor formador de novos professores no Curso de Licenciatura em Física da Universidade Regional do Cariri – URCA (Juazeiro do Norte-CE) integrei essa temática em nível superior no âmbito do ensino, pesquisa e extensão. No ensino procuramos promover uma formação para avaliação dentro das discussões das disciplinas de práticas de ensino de física e de estágio supervisionado. Toda essa conjuntura, marcada por experiências de atuação na escola de Educação Básica e no Ensino Superior ao pensar a avaliação despertou o desejo de aprofundar esta temática no Doutorado, que foi se consolidando com os aprendizados adquiridos nas disciplinas e nas muitas conversas com professores do programa, entendendo que era uma linha de pesquisa com poucos estudos na área.
SBF: Qual sua avaliação sobre o ensino de ciências para alunos do ensino fundamental?
Dantas: No caso particular da física, ou melhor, para o componente curricular física, percebo, fundamentado em minha experiência profissional e em contatos com estudantes e professores desse nível de ensino, que ainda é bastante precária essa formação. A formação científica para os estudantes deste nível é limitada. A formação de qualidade em ciências deveria iniciar com seriedade desde os primeiros anos do Ensino Fundamental porque entendemos que é no ensino fundamental que a maioria dos estudantes apresentam curiosidades potenciais e naturais para entenderem os fenômenos físicos à sua volta, e que possam apoiar o entendimento de muitas tecnologias que estão ao seu redor (computador, celular, artefatos que usam eletricidade, etc.). Essa curiosidade não está sendo devidamente aproveitada para o incentivo de mais jovens para investirem em carreiras científicas, mas aprisionada diante da pressa do cumprimento de um programa curricular bem definido. Pela experiência da pesquisa feita em aproximadamente dez escolas da Rede Pública de Porto Alegre, RS, em muitas escutas, da acepção de Michel de Certeua, fomos percebendo que os estudantes possuíam uma explosão de curiosidades em ciências quando realizamos, com os professores, um ensino baseado em microprojetos de pesquisa. Olha, muitos jovens adentram o Ensino Médio sem uma aprendizagem mais fenomenológica da ciência, o que dificulta seu progresso e continuação do interesse neste nível. Defendo que os estudantes da escola pública, que apresentam condições muito adversas de vida, podem sim transformar suas vidas e de seus familiares por meio de uma boa educação, em particular, se tiverem a oportunidade de ter uma formação científica de qualidade. Para que possamos viver este ensino de qualidade no Brasil são muitos os obstáculos a superar e um deles é a “valorização” do professor de Ciências, valorização mais séria de sua formação, de suas condições de trabalho.
Na pesquisa foi revelado que a maioria dos professores não possuíam formação específica para trabalhar a física (80% tinha habilitação em biologia), alguns professores afirmaram que não incluíam a discussão da física por não se acharem preparados.
SBF: De acordo com a sua avaliação sobre o ensino de ciências para alunos do nível fundamental, como isso acaba afetando a formação do indivíduo em relação às ciências? Esse ensino proporciona uma formação crítica ou apenas transmite o conhecimento para ser avaliado em sala de aula?
Dantas: A avaliação na escola ainda está muito associada a uma aprendizagem mecânica, que privilegia a memorização. Uma aprendizagem de conhecimentos em que os estudantes memorizam uma quantidade grande de conceitos, mas preocupados em reproduzirem em exames de maneira literal e arbitrária nas provas, ou seja, não compreendem criticamente, não conseguem transferir esses conhecimentos para resolução de problemas diferentes dos que estão no livro didático. Buscamos interagir com os professores das escolas, negociamos alternativas de ensino de física que pudessem problematizar um ensino dito tradicional, assim propomos uma intervenção por meio de uma abordagem de ensino por projetos de pesquisa, melhor dizendo, de microprojetos de pesquisa porque a intenção era estimular a aprendizagem de estudantes em salas de aulas reais de ciência. Procuramos pensar juntos (pesquisador e professores), de forma organizada e planejada, fazer uma avaliação mais processual visando, por meio da participação ativa dos estudantes, o despertar do gosto pela ciência a partir do aprofundamento de temas de pesquisa proposto pelos próprios estudantes.
SBF: Quais foram os principais resultados de sua pesquisa?
Dantas: A pesquisa foi desenvolvida em três frentes de estudos. O primeiro estudo revela que o discurso oficial orienta que os profissionais possam desenvolver uma avaliação formativa, ou seja, a serviço das aprendizagens, através da diferenciação dos percursos de formação de cada um dos estudantes, mas contrariamente insiste, na escola práticas de seleção e classificação dos estudantes que valoriza a produção de hierarquias de excelências sendo o uso da prova como principal instrumento de avaliação. O segundo estudo revela que os professores, através de um processo de invenções anônimas, criam estratégias e táticas voltadas para subverter regras prescritivas sobre o “fazer a avaliação”. Interpretamos como sendo formas de “resistência”. Este estudo, por meio de três estudos de casos sendo um em cada escola, revela a riqueza de “dar a palavra” e proceder à “escuta” dos professores, que é, ao mesmo tempo, uma escuta externa e uma “escuta de si” para compreender seus modos de fazer a avaliação, suas “bricolagens” para enfrentamento de problemas de várias ordens: violência, infrequência, ausência de sonhos e expectativas nos estudantes, desvalorização da profissão de professor, políticas desencontradas, salários atrasados, etc. Também foi feita uma escuta aos estudantes, eles afirmam que o professor deveria ouvi-los mais e que não se limitassem ao quanto eles dominam o conteúdo. O último estudo, que foi sobre processos de intervenção por meio de microprojetos, foi um valioso momento que possibilitou uma maior aproximação cooperativa entre a Universidade e a Escola. Por meio da pesquisa os estudantes se envolveram nas leituras, nas pesquisas, na construção do diário de bordo, na escolha de temas de pesquisa. Os professores junto com o pesquisador associaram o uso da estratégia por microprojetos na tentativa do fazer uma avaliação mais processual, servindo a experiência para uma ressignificação e reflexão crítica de suas práticas de avaliação. A pesquisa mostra que é urgente que a academia “escute melhor a escola”, respeite a experiência dos professores, entenda quais são suas necessidades, dificuldades, prontidão para as inúmeras incertezas e imprevistos que permeiam o dia a dia das escolas.
SBF: O que significou para você receber essa premiação dada à sua tese?
Dantas: Esta premiação foi um presente que mostra que valeu a pena toda a dedicação de um trabalho intenso e prazeroso durante os quatro anos de desenvolvimento. Agradeço muito a minha orientadora a Profa Neusa Teresinha Massoni por ter me incentivado e guiado com muita paciência as etapas profundas de um trabalho de pesquisa longitudinal, foram mais de dois anos em contato com as escolas. Representa para nós uma forma de dar visibilidade na esfera nacional de um trabalho que revela aspectos das práticas avaliativas invisíveis que acontecem na escola de ensino fundamental. Uma pesquisa que valoriza o ensino de ciência no Ensino Fundamental por meio do trabalho das professoras envolvidas, de coordenadoras e coordenadores pedagógicos com os quais interagimos, de muitos jovens estudantes que vislumbram a transformação de suas vidas por meio da educação. Para a região do cariri cearense é uma premiação importante, principalmente para estimular a pesquisa na área do ensino de Física na licenciatura em Física na URCA, tanto para os professores da Educação Básica que fazem o Mestrado Nacional Profissional em Ensino de Física (Polo31), quanto para a formação continuada na parceria entre a universidade e as escolas de Educação Básica da região. A premiação vem corroborar nossa luta de pensarmos um ensino de ciência de qualidade, de continuarmos perseguindo a formação de professores, principalmente resignificando práticas avaliativas que incluam potencialmente todos os estudantes rumo à formação científica crítica e investigativa e ao incentivo de mais jovens para investirem na carreira científica em uma perspectiva da diversidade em ciência.
Por Joice Santos
Bolsista Mídia Ciência – FAPESP
Processo 2019/02744-3