Em um mundo onde sistemas complexos se interligam de forma cada vez mais intrincada, a compreensão de suas dinâmicas pode ser a chave para avanços significativos em diversas áreas do conhecimento. Uma recente pesquisa revelou como modelos de sistemas complexos, incluindo redes neurais, ecossistemas e a disseminação de epidemias, podem ser compreendidos de maneira mais profunda quando a estrutura em rede das interligações é levada em conta.
É o que propõe o professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), o físico Fernando L. Metz, que publicou no dia 24 de janeiro de 2025 no artigo Dynamical Mean-Field Theory of Complex Systems on Sparse Directed Networks na Physical Review Letters (PRL), recebendo um destaque especial da revista como Editors’Suggestion.
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Tradicionalmente, o estudo da dinâmica de sistemas complexos era restrito a modelos de redes completamente conectadas, conhecidos como “todos com todos”, na qual cada elemento do sistema interage diretamente com todos os outros. No entanto, no mundo real, as interações tendem a ser esparsas e seletivas.
Imagine uma rede neural onde nem todos os neurônios estão diretamente conectados, mas apenas alguns se comunicam diretamente entre si. Este é o cenário mais realista que esta pesquisa aborda. “Sistemas reais não interagem ‘todos com todos’. Por exemplo, um neurônio do nosso cérebro não interage, não está conectado via sinapses com todos os outros neurônios”, explica o cientista. “Um neurônio pode interagir com outros cinco, outro neurônio com outros três: então o número de conexões muda de um elemento para outro. Isso introduz complicações enormes na matemática do problema.”
Para entender como essa pesquisa avança o campo, é necessário explorar a teoria de campo médio dinâmica, uma ferramenta matemática que permite simplificar a análise de sistemas complexos. Essa teoria, quando aplicada a redes completamente conectadas, fornece uma média do comportamento de todos os elementos do sistema. Porém, ao generalizá-la para redes esparsas, a pesquisa revela uma equação para a “probabilidade das trajetórias” — uma quantidade que descreve como o comportamento de um único elemento do sistema evolui ao longo do tempo.
Metz explica que essa teoria nasceu nos anos 1970 e se desenvolveu na década seguinte especialmente devido às pesquisas em neurociência teórica, com a diferença que agora o cientista gaúcho conseguiu generalizar essa abordagem, aproximando-a da realidade. “O que eu fiz foi generalizar essa teoria para uma situação mais realística, essa é basicamente a grande contribuição. Conseguimos agora entender como interações heterogêneas – e a heterogeneidade aqui se refere ao fato de que cada elemento do sistema, por exemplo, cada neurônio, enxerga uma vizinhança diferente – podem ser incorporadas ao formalismo matemático. E, assim, os resultados da pesquisa mostram como a estrutura em rede influencia a evolução temporal do sistema”, explica Metz.
A pesquisa não apenas amplia o entendimento teórico, mas também tem aplicações práticas importantes. Por exemplo, a teoria desenvolvida permite determinar o diagrama de fases de um modelo de redes neurais emblemático na neurociência, revelando uma transição de fase surpreendente: à medida que a estrutura da rede muda, os neurônios evoluem de um estado chamado de ponto fixo, caracterizado por um comportamento previsível e estável, para o caos, onde pequenas alterações levam os neurônios a comportamentos completamente diferentes e imprevisíveis.
As implicações dessa descoberta são vastas. No estudo de redes neurais artificiais, estes resultados podem ajudar a compreender melhor como padrões complexos de atividade neuronal surgem e evoluem, sugerindo o desenvolvimento de novas arquiteturas de inteligência artificial. Em ecossistemas, a teoria desenvolvida pode ajudar a explicar como sistemas formados por um número muito grande de espécies conseguem manter-se estáveis frente a mudanças ambientais. E na epidemiologia, os resultados permitem entender de maneira mais detalhada como a rede de contatos entre indivíduos impacta na disseminação de doenças contagiosas, podendo levar a novas estratégias de mitigação de epidemias.
Ao expandir a teoria de campo médio dinâmica para sistemas organizados em redes, esta pesquisa abre novas portas para entender a dinâmica de sistemas complexos em sua forma mais realista. Seja no cérebro humano ou em redes sociais, compreender eventuais transições para o caos pode ser essencial para prever comportamentos em cenários de alta complexidade. Além disso, “essa nova abordagem da teoria também tem potencial para contribuir com o desenvolvimento de sistemas de inteligência artificial”, afirma o professor.
(Colaborou Roger Marzochi)