Extinção das Comissões da SBF e a Comissão de Relações de Gênero
Como informados pelo Presidente da Sociedade Brasileira de Física (SBF), Professor Ricardo Galvão, o Conselho da SBF passou a discutir a política de transformar suas atuais comissões temáticas em grupos de trabalho; e nisto se inclui a possibilidade de extinção da Comissão de Relações de Gênero (CRG). Considerando o presente momento em que o fórum de discussão sobre as questões de gênero toma maior força na comunidade científica – fato evidenciado através dos editais dos órgãos de fomento à pesquisa –, a extinção da CRG no formato atual representará um hiato na história da SBF.
Para compreender o significado e a importância da CRG, com suas peculiaridades, é interessante analisar, primeiro, a diversidade do quadro de suas tarefas. No período de julho de 2011 a outubro de 2013, a CRG-SBF conduziu as seguintes atividades, detalhadas em relatórios enviados ao Conselho e a Diretoria da SBF (ver a página da CRG):
1) Criação e implementação da página eletrônica da CRG-SBF.
2) Criação do logo da CRG-SBF.
3) Consolidação do projeto do livro sobre as Mulheres na Física.
4) Estruturação da I Conferência Brasileira de Mulheres na Física.
5) Preparação de projeto enviado ao CNPq solicitando verbas para a publicação do livro Mulheres na Física e financiamento da I Conferência Brasileira sobre Mulheres na Física.
6) Organização de 2 debates em encontros de física sobre o tema Mulheres na Física.
7) Envio de mensagens aos órgãos de fomento solicitando dados sobre a participação das Mulheres na Física — A CAPES forneceu dados de pós-graduandas.
8) Participação em reuniões na Secretaria de Políticas para as Mulher da Presidência da República (SPM-PR).
9) Preparação de dois artigos que foram veiculados junto à comunidade no Dia Internacional da Mulher, em duas ocasiões: 8 de março de 2012 e 8 de março de 2013.
10) Atuação junto ao CNPq para contemplar a extensão de Bolsas para gestantes (o que foi implementado).
11) Entrega de quatro Relatórios detalhados à SBF.
12) Contato com entidades relacionadas a problemas de gênero.
13) Abertura da conta de e-mail para correspondência com a comunidade.
14) Reuniões: realizamos 3 reuniões presenciais. As demais reuniões foram realizadas por meio eletrônico.
Do acúmulo de experiências dessas atividades e da análise dos dados das agências, é importante destacar as observações seguintes.
As mulheres atuando una física estão sub-representadas e infelizmente essa baixa presença feminina não é uma questão que se resolva com o tempo: uma análise de dados de bolsistas de produtividade em pesquisa dos últimos dez anos mostra que tais percentuais não se modificaram no decorrer do tempo [1]; e o mesmo ocorre na participação das mulheres na SBF tanto em número quanto em qualificação, como pode ser observado em estatísticas levantadas entre 2000 em 2006 [2]. De forma complementar, uma análise de todas as modalidades de bolsa em uma janela de cinco anos não mostra uma tendência de crescimento [3]. Estes dados indicam que, se as barreiras para a entrada e permanência das mulheres na física não forem eliminadas, os percentuais continuarão os mesmos. No sentido de alterar esse quadro de exclusão, certas ações foram postuladas e levadas adiante. Por exemplo, durante a I CBMF, foi identificado que uma estratégia fundamental para reverter este quadro é a de atrair mais meninas para a física. Sob esta perspectiva, devemos então salientar a contribuição da CRG, através de suas representantes, Elisa Saitovitch e Marcia Barbosa: ambas convidadas pela SPM-PR, para a elaboração do Edital Chamada Nº 18/2013 MCTI/CNPq/SPM-PR/Petrobras – Meninas e Jovens Fazendo Ciências Exatas, Engenharias e Computação.
Como abordamos anteriormente [4], esta exclusão da mulher possui um caráter explícito, associado muitas vezes à vergonha e ao preconceito, e outro implícito, marcado também pelo preconceito, mas caracterizado por certa invisibilidade social. Um exemplo dessa exclusão implícita é essa baixa porcentagem de mulheres na área de física, principalmente nas esferas de decisão. Neste caso, as análises de senso comum apontam para uma falsa naturalização de conceitos ingênuos, que se fundam no desconhecimento ou no preconceito. É espantosa a insistência de muitos (e também de algumas mulheres) em evitar a descrição social do problema de gênero, em opção a uma falsa naturalização biológica da situação de opressão imposta à mulher. A conseqüência dessa postura é o apoio efetivo na perpetuação dessa exclusão e da discriminação. Como essa situação não é alterada de modo socialmente espontâneo, a SBF, através de sua CRG, passa a ser um instância fundamental para disparar ações que revertam este quadro de participação das mulheres na física.
Por sua história de atuação de vanguarda na consolidação de uma ciência qualificada no país e pelo ímpeto intenso na defesa do direito à cidadania, substrato fundamental para a expressão plena da humanidade de homens e mulheres, é que a SBF cria em 2003 a CRG. Esta Comissão se consolidou e definiu suas atividades ao longo dos anos, atuando inclusive como fórum de discussão de políticas públicas que afetam a ciência brasileira, e passou assim a se distinguir da outras comissões da SBF. Neste momento, considerando essa diversidade de atividades, os intricados problemas de relações de gênero na física do país não podem ser tratados através de um mero grupo de trabalho específico da SBF. De modo outro, a extinção da CRG-SBF representará um retrocesso nas linhas de ações que historicamente orientam a SBF, com repercussão negativa para a comunidade científica brasileira.
Comissão das Relações de Gênero
Elisa Maria Baggio Saitovitch (CBPF) – Coordenadora
Marcia Cristina Bernardes Barbosa (IF-UFRGS)
Renata Zukanovich Funchal (IF-USP)
Suani Tavares Rubin de Pinho (IF-UFBA)
Ademir Eugênio de Santana (IF – UnB)
[1] Marcia C. Barbosa, Betina S. Lima, Mulheres na Física do Brasil:Por que tão poucas? E por que tão devagar? In: Trabalhadoras: Análise da Feminização das Profissões e Ocupações, Ed. Silvia Cristina Yannoulas, (url: http://www.if.ufrgs.br/~barbosa/LivroBarbosaLimaFisicas.pdf)
[2] Elisa B. Saitovitch: Palestra convidada no Encontro Nacional de Núcleos e Grupos de Pesquisa – Pensando Gênero e Ciências, Brasília, 29-30 março de 2006
[3] Mônica Alonso Cotta, Marília J. Caldas, and Marcia C. Barbosa, Climbing the Academy Ladder in Brazil: Physics, Proceedings of Third IUPAP International Conference on Women in Physics, AIP Conference Proceedings 1119, 80 (2009). (url:http://scitation.aip.org/content/aip/proceeding/aipcp/1119/ ou http://dx.doi.org/10.1063/1.3137921 )
[4] Elisa B. Saitovitch, et. al (CRG-SBF), A Exclusão Invisível, 2012, http://www.if.ufrgs.br/~barbosa/sbf-genero/Comunicados/comunicado-08-03-2012.pdf
Rio de Janeiro, 10 de janeiro de 2014