A interação entre camadas em materiais de van der Waals (vdW) é um campo de estudo fundamental para o desenvolvimento de novas tecnologias ópticas e eletrônicas. Em uma pesquisa recente, cientistas brasileiros demonstraram que as vibrações dessas camadas podem influenciar diretamente a polarização de ondas na faixa de terahertz, abrindo novas possibilidades para aplicações tecnológicas.

O estudo está no artigo “Shaping terahertz waves using anisotropic shear modes in a van der Waals mineral”, publicado na revista científica npj 2D Materials and Applications, do grupo Nature, no dia 19 de fevereiro de 2025. Os pesquisadores analisaram o clinocloro, um mineral abundante na natureza, e identificaram como suas vibrações estruturais afetam a propagação de ondas eletromagnéticas na faixa de terahertz. Participaram do estudo os pesquisadores Nicolas M. Kawahala, Daniel A. Matos, Raphaela de Oliveira, Raphael Longuinhos, Jenaina Ribeiro-Soares, Ingrid D. Barcelos e Felix G. G. Hernandez.

Nicolas Kawahala(esq) e Daniel Matos (dir) utilizando o espectrômetro de terahertz do IFUSP.
Nicolas Kawahala(esq) e Daniel Matos (dir) utilizando o espectrômetro de terahertz do IFUSP.

Minerais de van der Waals são compostos estruturados em camadas que se empilham devido a interações fracas conhecidas como forças de van der Waals. Um exemplo famoso desse tipo de material é o grafite, cuja estrutura pode ser reduzida a uma única camada — o grafeno —, que revolucionou a ciência dos materiais e rendeu o Prêmio Nobel de Física em 2010. “O clinocloro é um dos filossilicatos mais abundantes na natureza. Ele é formado por camadas que interagem fracamente entre si, o que permite explorar suas propriedades ópticas”, explica Felix Hernandez, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IFUSP) e um dos autores do estudo.

Utilizando espectroscopia de terahertz sensível à polarização, os cientistas observaram uma característica anisotrópica pronunciada no índice de refração do clinocloro em torno de 1,13 THz. Essa característica foi atribuída a modos de cisalhamento, que descrevem como as camadas do material vibram lateralmente em relação umas às outras. “Observamos que, dependendo da direção da polarização da luz incidente, a absorção ocorre em frequências ligeiramente diferentes, evidenciando um efeito de anisotropia óptica”, explica Hernandez.

Controle através de impurezas

Com o suporte de cálculos teóricos baseados na teoria do funcional da densidade (DFT), os pesquisadores confirmaram que a presença de impurezas no clinocloro influencia esses modos vibracionais. “Através do controle do tipo e da quantidade de impurezas, podemos selecionar a frequência em que o efeito ocorre. Isso abre um caminho promissor para a engenharia de materiais otimizados para aplicações específicas”, afirma o cientista.

A descoberta sugere que minerais naturais podem ser utilizados como componentes fundamentais para manipular a polarização de ondas eletromagnéticas em dispositivos ópticos avançados. Isso tem aplicações potenciais em áreas como comunicação sem fio, imageamento de segurança e sensores baseados em terahertz. “Esses materiais bidimensionais são muito versáteis. O clinocloro, em particular, por ser abundante, pode oferecer uma fonte de baixo custo para aplicações tecnológicas”, diz Hernandez.

O pesquisador também explica que esse efeito pode ser ainda mais intenso em materiais esfoliados. “Quanto mais fino for o material, mais forte será o efeito de anisotropia óptica. Embora não tenhamos usado clinocloro esfoliado neste estudo, essa possibilidade está aberta para futuras investigações.”

Colaboração e Apoio

O estudo foi fruto da colaboração entre pesquisadores do Laboratório de Luz Síncroton (LNLS) do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), da Universidade Federal de Lavras (UFLA) e do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IFUSP). As amostras de clinocloro foram fornecidas pelo grupo da Dra. Ingrid Barcelos (CNPEM), enquanto a modelagem teórica foi realizada pelos professores Raphael Longuinhos e Jenaina Ribeiro-Soares (UFLA). As medições experimentais foram conduzidas pelo grupo de terahertz do IFUSP, liderado pelo Prof. Felix Hernandez.

O trabalho recebeu apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), garantindo o suporte necessário para a realização das análises teóricas e experimentais. Com essa pesquisa, cientistas demonstram mais uma vez como a exploração de propriedades fundamentais da matéria pode levar a novas soluções tecnológicas e aplicações inovadoras.

Assista o vídeo sobre a pesquisa

(Colaborou Roger Marzochi)