Físicos brasileiros estão fomentando uma discussão na comunidade científica sobre a relação entre termodinâmica, relatividade geral e mecânica quântica, uma questão em aberto desde o surgimento da Teoria da Relatividade, de Albert Einstein. Um estudo recente desenvolvido por pesquisadores do Brasil propõe uma nova perspectiva para essa complexa interseção.
Lucas Céleri, da Universidade Federal de Goiás (UFG), Marcos Basso, da Universidade Federal do ABC (UFABC) e Jonas Maziero, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), publicaram no último dia 6 de fevereiro de 2025, na revista Physical Review Letters, o artigo “Quantum Detailed Fluctuation Theorem in Curved Spacetimes: The Observer Dependent Nature of Entropy Production”. O trabalho apresenta um teorema que descreve como a curvatura do espaço-tempo pode influenciar a produção de entropia em sistemas quânticos, dependendo do ponto de vista do observador.
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A pesquisa utiliza o conceito de teoremas de flutuação, que têm sido aplicados para compreender processos termodinâmicos em escala quântica. Esses teoremas descrevem as variações na entropia, uma vez que elapode aumentar em um sistema quântico sem que haja troca de energia com o ambiente. O diferencial deste estudo foi considerar a influência da gravidade, conforme descrita pela relatividade geral.
“O teorema de flutuação, ele fundamentalmente quantifica – falando de maneira mais simples – o quão difícil é para a gente distinguir o processo que está ocorrendo na direção futura do tempo do processo que está ocorrendo na direção reversa do tempo. Ou seja, ele quantifica o quanto a gente quebra a simetria de reversão temporal”, explica Céleri, em entrevista ao Boletim SBF.
Para investigar essa relação, foramempregadas as chamadas coordenadas normais de Fermi, que permitem estudar o comportamento de um sistema quânticolocalizado, levando em conta as distorções no espaço-tempo causadas pela gravidade.
O Observador e a Entropia
O estudo revela que a produção de entropia depende não apenas da estrutura do sistema e dos processos que com ele ocorrem, mas também da estrutura do campo gravitacional como percebida pelo observador. A perspectiva individual, ao observar o sistema, influencia os resultados devido às variações na curvatura do espaço-tempo.
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Essa constatação sugere uma conexão entre a seta do tempo – a direção percebida da passagem do tempo – e a estrutura causal do universo. A seta do tempo, descrita pela termodinâmica, aponta dos estados de menor entropia para os de maior entropia e, segundo o artigo, conecta-se à orientabilidade temporal definida pela estrutura do espaço-tempo.
“O tempo, como Einstein dizia, é aquilo que você mede no seu relógio, tem que estar com você”, comenta Céleri. “Se isso é assim, então a entropia, a quantidade de irreversibilidade que o sistema vai apresentar, tem que depender do observador.”
O cientista goiano lembra que esse problema começou com Albert Einstein assim que ele formulou a Relatividade Especial junto com Max Planck, buscando construir uma teoria termodinâmica levando em conta a relatividade.
“Até hoje, esse problema não está resolvido. Tem um debate gigantesco. Este trabalho lança uma nova perspectiva sobre a questão. Só que isso é um debate na literatura. Tem gente que acha que é, tem gente que acha que não é. O que fizemos foi mostrar matematicamente que isso é assim. E aí não tem interpretação, porque a conta é a conta. Checamos as contas, os referentes checaram as contas, então as contas estão corretas ao que tudo indica e aí não tem o que fazer.”
Para ilustrar o teorema, os pesquisadores analisaram o comportamento de um oscilador harmônico quântico – um modelo teórico que representa um sistema oscilante – em um universo em expansão. O estudo demonstrou que a expansão cósmica, ao alterar a curvatura do espaço-tempo, influencia diretamente a produção de entropia.
Essa análise reforça a ideia de que a produção de entropia não é universal, mas sim dependente do observador e da curvatura do espaço-tempo que ele percebe. “Cada classe de observador vai ver coisas diferentes”, destaca o pesquisador. “O quanto de entropia vai ser produzido depende do quanto de curvatura que o observador viu com respeito ao sistema.”
Pesquisas Futuras
A descoberta oferece uma nova perspectiva para investigar processos quânticos em cenários de intensa gravidade, como nas proximidades de buracos negros ou na expansão cósmica. Além disso, o estudo destaca que a produção de entropia, essencial para o entendimento de processos irreversíveis, pode variar conforme o observador e sua trajetória.
Os próximos passos, conforme o artigo, incluem avaliar como essas descobertas podem impactar o desenvolvimento de tecnologias quânticas, como comunicação e computação quântica. A compreensão da influência da curvatura do espaço-tempo na dinâmica dos sistemas quânticos pode abrir novos caminhos para essas tecnologias.
“O quão importante é esse resultado? Bom, eu gosto muito dele porque ele diz uma coisa fundamental para mim. Ele fala sobre a natureza do tempo, que é uma coisa que eu gosto muito e que me interessa muito. Agora, quem vai dizer se isso é importante ou não, são os desenvolvimentos que vão aparecer e a comunidade científica internacional que vai olhar e vai ver, olha, isso realmente é importante”, conclui Céleri.
(Colaborou Roger Marzochi)