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Foto de vários equipamentos do Quantum Technology Laboratory.

Estudo usa fótons para o processamento de aleatoriedade em computadores quânticos que no futuro poderá ser usado em sub-rotinas de processamento mais complexas

Na computação tradicional, a simulação da evolução de eventos físicos, como a previsão do tempo ou o fluxo de fluidos, por exemplo, depende da geração de números aleatórios pelo sistema. A manipulação das distribuições de números aleatórios ajuda em procedimentos como a integração numérica, importante em simulações do mercado financeiro, e de sistemas físicos. Computadores quânticos podem fazer esse tipo de manipulação de aleatoriedade com vantagem sobre computadores convencionais, mas ainda não havia uma demonstração convincente dessa funcionalidade.

Um grupo de cientistas, do qual faz parte o brasileiro Ernesto Galvão, do Instituto Ibérico Internacional de Nanotecnologia (INL), em Braga, Portugal, em colaboração com a Sapienza Università di Roma (Roma) desenvolveu e patenteou uma tecnologia que deverá colaborar fortemente para que essas operações complexas possam ser realizadas em computadores quânticos que usam a luz para realizar suas operações.

No artigo “Polarization-encoded photonic quantum-to-quantum Bernoulli factory based on a quantum dot source”, publicado em 26 de julho no periódico Science Advances, Ernesto e os outros cientistas que participaram da pesquisa revelam uma nova configuração para uma “fábrica de Bernoulli” quântica. A fábrica de Bernoulli leva esse nome em homenagem ao matemático suíço Jacob Bernoulli (1654–1705), que fez contribuições fundamentais à teoria das probabilidades. A ideia de uma “fábrica de Bernoulli” refere-se a um processo ou algoritmo que transforma uma sequência de resultados aleatórios, como lançamentos de moedas, com uma determinada probabilidade, em outra sequência, com uma probabilidade diferente e controlada.

Na computação tradicional que usamos hoje, o processamento das informações ocorre pela passagem de corrente elétrica (1) ou sua ausência (0) pelos circuitos. Na computação quântica, há o fenômeno da sobreposição, no qual o estado pode combinar simultaneamente as propriedades de 0 e 1. No caso dos computadores quânticos fotônicos, o fóton pode, além de estar sobreposto, possuir níveis diferentes de cores, ou seja, de energia e frequência. É, obviamente, mais complexo que jogar cara ou coroa em uma moeda, mas muito mais bonito e representa um avanço significativo na manipulação de aleatoriedade em computação quântica.

Em Roma, os cientistas fizeram o experimento com três fótons, criados a partir de um “ponto quântico”, um átomo artificial que emite luz. Esses fótons percorriam uma mesa ótica, com uma série de cristais e espelhos controlando o caminho da luz. Utilizando um interferômetro fotônico, que processa informações através da polarização de fótons, a equipe demonstrou a possibilidade de implementar qualquer protocolo de manipulação de aleatoriedade permitido pela mecânica quântica.

Foto de vários equipamentos do Quantum Technology Laboratory.
Pesquisa do Quantum Technology Laboratory (foto), na Itália, e do Instituto Ibérico Internacional de Nanotecnologia, em Portugal, cria sub-rotina de geração de aleatoriedade em computadores quânticos que usam a luz.

Essa pesquisa abre portas para o uso de fábricas de Bernoulli quânticas como sub-rotinas em computações quânticas maiores, marcando um avanço importante no processamento de informações com luz quântica. Além disso, os pesquisadores estão protegendo sua descoberta com uma patente, sinalizando o potencial comercial e tecnológico desse avanço. Ernesto explica que a patente cobre a “programação” da mesa ótica, que é o que define a função que vai transformar um dado aleatório de entrada para gerar um dado de saída, num trabalho “quântico-para-quântico”. Imagine que, ao chegar um número aleatório ao sistema, a função aplicada é a de somar esse dado, elevá-lo ao quadrado, subtrair ou até dividir, por exemplo.

“Na patente a gente escreve como fazer essas combinações da mesa ótica e manipulação dos fótons. Quer fazer a transformação A? Esse é o jeito de montar. Quer fazer a transformação B? Esse é o jeito de montar. A gente tem uma sistemática de como fazer essa manipulação”, explica Ernesto, em entrevista ao Boletim SBF. “Qual é a chance de chover amanhã? Qual é a chance de acontecer uma certa coisa no futuro, dada a situação do presente? Para fazer esse tipo de simulação, você tem que gerar números aleatórios. E tem vários algoritmos de simulação que precisam fazer esse tipo de transformação. Isso sugere que você pode ter uma vantagem em computadores quânticos maiores no futuro, ao fazer bem essas transformações de distribuições de probabilidade.”

Para o pesquisador, no futuro, talvez essa descoberta da qual ele participou possa se transformar em uma sub-rotina usada dentro de uma rotina computacional quântica mais complicada, que ajudará a realizar melhores previsões. “Nós mostramos esse pequeno pedaço da sub-rotina, que muda uma distribuição de probabilidades, mostrando como fazer isso de maneira quântica, de um jeito sistemático”, afirma. E que essa descoberta impulsione novas pesquisas que possam colaborar para o desenvolvimento e a sustentabilidade ambiental no mundo.

(Colaborou Roger Marzochi)